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O navio graneleiro São Luiz, que ficou à deriva na Baía de Guanabara e bateu na Ponte Rio-Niterói, provocando seu fechamento na última segunda-feira (14), foi alvo de uma operação do Ministério Público do Trabalho (MPT) em novembro de 2021, ou seja, cerca de um ano antes do acidente.
Na época, a inspeção constatou que os dois funcionários que trabalhavam na embarcação estavam em condições análogas à escravidão. O resgate foi realizado por auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho do Rio de Janeiro (SRT/RJ).
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Segundo relato dos agentes, os trabalhadores estavam na embarcação da Navegação Mansur S/A, empresa proprietária do navio, em condições degradantes. Ainda de acordo com o relatório, os funcionários nunca receberam 13º, férias e não tinham a carteira assinada.
O relatório também indica que os dois tripulantes trabalhavam em uma escala de 15/7 dias, com salário abaixo do pixo. Sem vale-transporte, eles contaram aos fiscais que voltavam para casa por conta própria quando desembarcavam.
O auditor fiscal do Trabalho Alexandre Lyra, que autuou a Navegação Mansur em 2021, contou ao Extra que foi recepcionado por um dos empregados do São Luiz, que desceu a escada manualmente, porque não havia energia no gerador. Aliás, segundo o relato, os geradores estavam inoperantes desde 2019.
Sem energia, os funcionários eram obrigados a circular pelas áreas internas da embarcação para fazer a manutenção usando apenas a lanterna dos seus celulares. Comida e bebida eram armazenadas em caixa térmica de isopor, ao passo que o gelo era trazido por outro funcionário da empresa a cada 15 dias. Parte da comida encontrada estava com a validade vencida.
– Os dois funcionários usavam a iluminação de lanternas, esquentavam a água para tomar banho em baldes que passavam o dia no sol. Eles passavam meses dentro do navio, trabalhando de dia na manutenção e, à noite, na vigilância do convés para evitar a ação dos piratas. Eles não tinham condições de ficar ali. Era desumano – ressaltou à reportagem.
Em dezembro de 2021, um mês após o flagrante, a Navegação Mansur S/A assinou dois termos de ajustamento de conduta com o Ministério do Trabalho do Rio de Janeiro.
Os dois trabalhadores, segundo os termos, deveriam receber uma indenização de R$ 81 mil, e a empresa ainda se comprometeu a não manter trabalhadores em condições análogas à escravidão.
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Os termos foram assinados pela procuradora regional do trabalho, o advogado da Navegação Mansur/SA, além dos próprios trabalhadores resgatados.
Havia dois tripulantes no navio durante o acidente de segunda-feira. Um dos trabalhadores, o marinheiro de máquinas Carlos Alberto, de 52 anos, ligou para seu filho, Lucas Ventura, de 23, por volta das 18h32 da última segunda, avisando que a âncora havia rompido, assim como a reserva também não funcionou, e que a embarcação iria colidir com a Rio-Niterói.
Ao jornal O Globo, Lucas disse que o pai havia recebido uma proposta para trabalhar embarcado como operador de máquinas, em 2018, mas que, ao chegar no navio, assumiu a função de vigilante, isto é, “tomar conta para que a embarcação não fosse invadida” por piratas. Ele e o colega já vinham comunicando à empresa Navegação Mansur e também a Marinha sobre risco de acidente pelo estado precário do navio.
Lucas relatou ainda que o pai e o amigo tiveram a carteira de trabalho assinada apenas em agosto, nove meses após a operação do Ministério do Trabalho. Por fim, Lucas afirmou que, no dia do acidente, horas antes da colisão, os dois tripulantes teriam ligado várias vezes para a Marinha, que não atendeu aos chamados.
“Abandonado” na Baía de Guanabara desde 2016, o navio São Luiz vem dando problemas desde então. Além da denúncia por trabalho análogo à escravidão, uma decisão da Justiça Federal determinou, em julho de 2020, que a embarcação deveria ter sido removida da área de fundeio onde se encontrava para local seguro de sua escolha, com pena de multa diária de R$ 1 mil.
De acordo com a decisão do juiz Wilney Magno de Azevedo Silva, da 16ª Vara Federal do Rio de Janeiro, a permanência da embarcação no local poderia trazer “risco à navegação, risco de poluição do meio ambiente e risco à vida humana, caso a embarcação se solte da área de fundeio”.
Em setembro do ano passado, dois meses antes da autuação por trabalho análogo à escravidão, o magistrado condenou a sua proprietária, Navegação Mansur S/A, à retirada da embarcação para fora da área do porto e ao pagamento de dívidas de quase R$ 7 milhões. Apesar das decisões, o navio continuou à deriva, até colidir com a ponte na última segunda.
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