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‘Não pode haver trégua nas medidas sanitárias’, diz especialista da UERJ

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Pesquisador Mario Roberto Dal Poz alerta para a necessidade da imunização total e manutenção das medidas de prevenção contra a Covid
O pesquisador e professor da UERJ, Mario Dal Poz / Foto: Arquivo pessoal
Pesquisador e professor Mario Dal Poz. Divulgação/USP

O avanço da variante Delta colocou em xeque a tese de que a antecipação da segunda dose reduziria a eficácia das vacinas. No Estado do Rio, a nova cepa, mais transmissível, já é prevalente e corresponde a 66% dos casos de Covid no município. Apenas duas semanas antes, eram de 45% dos casos. Devido à possibilidade de aumento de contaminados e internações, o Ministério de Saúde já estuda a possibilidade de antecipar a segunda dose da vacinação contra a Covid-19. O objetivo é tentar conter o avanço da mutação do coronavírus. A antecipação começará em setembro, diante da expectativa de que todos os adultos já estejam vacinados com pelo menos uma dose. O anúncio foi realizado no último sábado (14) pelo ministro da saúde Marcelo Queiroga.

Governos locais já planejam também a aplicação da dose de reforço em idosos, paralelamente à vacinação de adolescentes, e pedem aval do Ministério da Saúde. A pasta informou que o tema ainda está sendo analisado. Com mais de 40 anos de experiência na área, o médico, pesquisador e professor do Instituto de Medicina Social da Uerj, Mario Roberto Dal Poz, diz que antes de pensar em terceira dose, é necessário que os grupos elegíveis à vacinação recebam a imunização completa para reduzir a alta capacidade de transmissão e mutação do vírus.

– É necessário aliar a vacinação fortemente às medidas de distanciamento social, uso de máscaras, boa higienização das mãos. Voltamos a ter grande circulação de pessoas por conta de certa euforia, já que parte da população está se vacinando e as atividades foram flexibilizadas, mas só a combinação desses dois elementos é capaz de reduzir a circulação do vírus – explicou.

Ao A Seguir: Niterói, o especialista fala da necessidade da aceleração da população com imunização completa, da intercambialidade de imunizantes e da real importância de aliar a retomada das atividades econômicas aos mecanismos de controle da pandemia da Covid. “Não é nem nova onda, estamos tendo um repique”, ressaltou.

A Seguir: Niterói: Com o avanço da Delta, quais os melhores caminhos a seguir agora? Insistir no aumento da abrangência da vacina entre os grupos já convocados? Ou é momento de pensar em terceira dose e vacinação de adolescentes?

Mario Roberto Dal Poz: Antes de planejar a terceira dose, é necessário que os grupos prioritários recebam a imunização completa e isso ainda não está garantido. Nós mal completamos a primeira dose em alguns lugares com a população acima dos 18 anos. As vacinas da segunda dose não estão totalmente garantidas, tanto é que, em alguns lugares, existe a possibilidade de usar a vacina de um outro fabricante como segunda dose. A quantidade de vacina, especialmente no caso da AstraZeneca, não é suficiente para aqueles que tomaram a primeira dose.

Antes de se pensar em terceira dose, temos que avançar muito na vacinação da população sob risco. Essa que deve ser a prioridade. Ao mesmo tempo, devemos começar a discutir hipóteses, mas ainda no campo das discussões técnicas científicas, particularmente para os grupos de idade e outros que perdem a memória imunológica.

Há estudos que comprovam que a redução do intervalo entre as doses contribui para a redução da eficácia das vacinas, mas ao mesmo tempo estamos observando o avanço da Delta. O que você considera mais importante para o momento?

Essa questão é realmente um dilema porque há estudos que mostram que uma segunda dose com uma distância de tempo maior pode aumentar a eficácia da vacina, como é o caso da vacina AstraZeneca/Oxford. Mas com o avanço rápido da variante Delta e considerando que as vacinas conferem proteção contra a variante, a decisão de antecipar, dentro do intervalo que está previsto pela bula e aprovado pela Anvisa, é certamente válida, especialmente nesse momento crítico. Contudo, isso deve ser associado a uma campanha intensa de aumento da proteção individual, como o uso de máscaras, o distanciamento social, a higiene das mãos.

Mesmo após a segunda dose a recomendação das autoridades de saúde é de dar continuidade aos protocolos sanitários. Nesse sentido, quais são os cuidados que devem ser mantidos após a imunização completa?

Redução da capacidade do transporte público coletivo, distribuição de máscaras que conferem proteção maior, o controle da entrada de ambientes de grande circulação, como supermercados, uso de máscaras e boa higienização das mãos com sabonete e álcool gel. Não podemos jogar todas as fichas na vacina sem considerar qual o mecanismo de circulação do vírus e de contaminação.

Estou falando do uso intensivo de comunicação, da ação dos órgãos públicos em relação às festas clandestinas, da adequação de ambiente de grande concentração de pessoas. Isso permitirá a redução da circulação do vírus e que a vacina faça seu trabalho e tenha seu efeito.

Qual a cobertura vacinal recomendada com o avanço da Delta? São Paulo vacinou mais de 500 mil pessoas em apenas 24h. O que uma campanha como essa representa e de que forma outros municípios podem contribuir para o avanço da vacinação?

Todos os estudos mostram que uma cobertura vacinal em torno de 70% pode controlar a disseminação do coronavírus, mas o ritmo da vacinação depende muito da capacidade da estrutura da saúde pública. No Brasil, nós temos uma capacidade de vacinação em torno de 2 milhões a 2,5 milhões por dia. A média está bem abaixo disso porque o ritmo foi intensificado ao longo do tempo, mas de forma muito lenta. Mas temos a possibilidade de aumentar esse número de vacinados por dia e atingir a cobertura desejada. Nós temos pouco mais de 20% de pessoas com as duas doses ou com a dose única no Brasil. Ainda temos que acelerar muito.

Ao mesmo tempo, temos que associar isso com testes massivos. Um ano e meio da pandemia e ainda estamos discutindo projeto piloto e objetivamente isso não ocorreu. Nós tínhamos que estar testando regularmente áreas de grande concentração de pessoas, como escolas, grandes empresas e universidades.

Nós não temos um número ideal para reduzir a circulação do vírus. O nosso limite deveria ser a capacidade de imunização. A capacidade pode ser aumentada, com forças armadas, voluntários, mas de qualquer maneira tem a questão do treinamento, de logística da distribuição de vacinas. O outro limite é o problema da quantidade de vacinas disponíveis. Aqui no Rio, para e volta. O objetivo é ter 2 milhões e meio de vacinados por dia no Brasil, mas para isso precisa ter vacina.

Os municípios podem contribuir com esse esforço de usar ao máximo seus recursos. Uma coisa que vem sendo feita de maneira muito incipiente é a vacinação aos sábados. A ampla vacinação nos fins de semana pode aumentar o número de imunizados e alcançar alguns grupos que não são contemplados ao longo da semana por conta do trabalho. Precisamos de maior coordenação e informação para a população. Esse é o papel da Secretaria Estadual de Saúde e do Ministério da Saúde, que são responsáveis pela logística de compra e distribuição das vacinas.

O calendário unificado seria o mais adequado, para não criar conflitos. Especialmente decisões quanto à terceira dose, ao intercâmbio de fabricantes de vacina. Essas decisões não devem ser tomadas em nível local e, sim, de forma coordenada e articuladas pelo Ministério da Saúde.

A Delta já representa 60% dos casos no estado do Rio de Janeiro e grande parte da população do Brasil está apenas com a primeira dose, mas já se fala em reabertura de estádio, os bares e restaurantes estão abertos, lotados. Com esse cenário, dá para se falar em nova onda?

Há certa expectativa de volta à normalidade, mas clubes de futebol, boates e uma série de atividades terão que aguardar uma melhoria das condições de circulação do vírus para retomar normalmente. Hoje a gente vê restaurantes e bares lotados, especialmente no fim de semana, vê pessoas sem máscara. Evidente que essa reabertura contribui e joga a favor da circulação de maior carga viral nesses ambientes, impedindo que o benefício do avanço da vacinação possa ser consolidado. A ausência de mecanismos de testagem e o não uso dos agentes comunitários de saúde que poderiam ter tido um papel muitíssimo importante na identificação dos casos e dos contatos também contribui para isso. Nós não vimos isso, seja pelo desmonte das clínicas de família, pela ausência de coordenação, seja pelas diretrizes políticas claras em relação ao controle da pandemia.

A variante Delta tem uma característica que dificulta mais ainda porque nós estamos no inverno, o que pode confundir os sintomas com os de gripe e resfriado mais forte. Há uma quantidade de pessoas que ficam assintomáticas ou tem sintomas leves da Covid, mas mesmo assim, transmitem. A ação sanitária é fundamental. Não é nem nova onda, estamos tendo um repique. O exemplo dos EUA mostra que os casos de internação aumentaram nos estados que possuem percentual baixo de vacinação.

Não se trata de abrir mais leitos, mas é pensar que a ação de saúde pública precisa ser feita de forma articulada. É inevitável a reabertura de leitos para Covid, mas é fundamental que outras ações sejam tomadas. O cenário é muito ruim. O comportamento de autoridades, como o presidente, não usando máscara e provocando aglomerações cria uma euforia e a percepção de que a pandemia está sob controle, o que efetivamente não ocorre.

Já se fala em ano novo, mas nada disso é garantido. O vírus não faz acordo, o vírus se beneficia. Ele usa essas situações. Não pode haver trégua das medidas de intervenção sanitárias. É preciso compatibilizar a retomada das atividades econômicas aos mecanismos de controle. A possibilidade de que certos lugares só podem ser frequentados por quem tomou a segunda dose da vacina, manter o uso de máscara, o distanciamento social e a boa higiene das mãos. Esse cenário de “vale tudo” é ideal para a aceleração do número de casos. Quanto maior o número de casos, maior a probabilidade de casos graves e maior a necessidade de internação e consequentemente de óbitos.

* Mario Roberto Dal Poz é Professor Titular do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Cientista do Nosso Estado/FAPERJ. Médico de formação e especialista em Pediatria (1975), fez o Mestrado em Medicina Social (1981) com monografia sobre “urbanização e o desenvolvimento dos serviços de saúde” e posteriormente o Doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (1996) com tese sobre “as políticas de recursos humanos no Brasil”. Foi Coordenador de Recursos Humanos em Saúde da Organização Mundial de Saúde, Genebra (2002-2012).

Publicou extensivamente em periódicos especializados, alem de vasta produção técnica na área de recursos humanos, incluindo o desenvolvimento de software de informação e gestão, livros e capítulos de livros. Atua na área de saúde coletiva com ênfase em política, planejamento e gestão de sistemas de saúde, bem como em política, informação, pesquisa e formação em recursos humanos em saúde.

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