22 de novembro

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Na Internet, o ator Angelo Morse faz sucesso com vídeos bem humorados sobre os ‘calos’ de Niterói

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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“Merrrrmmããão” é o mote como qual começa suas histórias
angelo morse corte
Baiano de nascimento, Angelo também é educador e artista plástico. Foto: arquivo pessoal

Cigarros Gudang, bancas de jornal que vendem de tudo – menos jornal -, farmácias e mais farmácias, engarrafamentos. Esses assuntos soam familiares? Quem mora em Niterói sabe que esses temas são tão presentes na cidade quanto seus cartões postais. Porém, o que pode ser chateação para uns, pode ser motivo de piada para outros, como faz o artista plástico, educador, ator e sagitariano Angelo Morse.

Talvez você não ligue o nome à pessoa. Porém, é muito provável que já tenha visto alguns dos vídeos de crônicas da cidade, cheios de humor, que ele publica no Instagram. “Merrrrmmããão” é o mote como qual começa suas “observações”.

Aos 43 anos, pai de dois filhos, diretor da Casa Escola Golfinho Feliz, no Jardim Icaraí, Angelo é baiano de nascimento e foi, literalmente, adotado por Niterói. Quer dizer, por uma família que o trouxe para Niterói, cidade de onde nunca saiu. A adoção o tornou, além de niteroiense, parente, por parte de pai, de Samuel Morse  – inventor, físico e pintor norte-americano que se tornou mundialmente célebre por ter inventado o Código Morse e o telégrafo com fios em 1844. Seu avô era tataraneto do inventor.

Nesse papo com o A Seguir Niterói, ele fala sobre a origem de suas crônicas sobre a cidade, racismo, haters, futuro. Não teve pergunta sem resposta, mas teve uma pergunta que o obrigou a pensar um pouco mais antes de responder. E era uma pergunta bem simples: seu lugar preferido em Niterói.

A Seguir Niterói: O que o levou a fazer essas crônicas bem humoradas sobre a cidade?

Angelo Morse: Na pandemia, tinha acabo de me separar e não tinha para onde sair. Comecei a gravar áudios, mas eu nem assinava. Um deles que fiz sobre a Maria Bethânia foi o primeiro a ser bastante repostado. O primeiro que fez mais sucesso foi o “Walking Velho”, sobre a quantidade de idosos na rua, em pleno lockdown.

Era uma distração, então?

– Sou artista plástico, educador, ator  e sagitariano. O que eu queria era me expandir. Foi engraçado quando comecei a receber meus áudios, enviados por amigos. Alguns diziam que achavam a voz parecida com a minha. Eu não estava me escondendo, mas a ideia não era fazer algo para ficar famosos. Comecei a receber feedbacks que os áudios estavam ajudando a aliviar um pouco a barra das pessoas. Até que fiz um sobre o cigarro Gudang que, pra mim, é quase um cartão postal da cidade  porque, quem fuma, é de Niterói – isso é sabido em todo o planeta! As pessoas começaram a me pedir vídeos.

Os vídeos o deixaram popular?

Eu já era bem conhecido por fazer teatro. Sou da noite, do carnaval, ou seja, manjado eu já era. Mas, atualmente, tô bem mais conhecido. Até pareço vereador eleito, sou parado em tudo quanto é lugar e tem sempre alguém pedindo para fazer foto comigo. O mais engraçado é que começaram a achar que eu estava ganhando grana da prefeitura pra fazer os vídeos. Até parece. E se não faço vídeo sobre a cidade, me cobram. O que fiz sobre farmácias foi o primeiro que viralizou.

Os vídeos mudaram sua vida de alguma maneira?

Por conta dos vídeos, aumentaram os trabalhos. Os áudios já tinham dado um gás nas vendas das camisas que produzo. Naquela época dos áudios, inclusive, fui chamado para apresentar o Niterói em Cena, um festival que eu já tinha participado como ator. O que importa é que estou me divertindo. Se eu posso me divertir e ganhar grana, é o que todo artista quer. E sempre vai ser uma brincadeira porque tudo o que faço é brincante.

Sucesso na Internet costuma vir junto com os haters. Como está sendo com você?

Humor sempre atinge alguém. Quando falei sobre banca de jornal, por exemplo, alguns vieram reclamar comigo dizendo que na deles tinha jornal. Já outros procuraram para “publi”. Tem o fato de que sou preto. Existe racismo e isso é fato. As pessoas criam ranço. Não é porque eu sou mais conhecido que fica melhor, ao contrário, sei que vai piorar. Quando chegam para agredir eu bloqueio. Simples. Se a pessoa levanta uma questão, aponta um erro, serei o primeiro a me desculpar. Isso não é problema. Felizmente, não fui cancelado. Nenhum grupo se sentiu ofendido, até agora. Mas, quando falo de política, o quadro piora. Ainda mais em momentos inóspitos, como os atuais, que usam a Internet como metralhadora. Internet é um lugar que tem que tomar cuidado. Tô ligado como funciona e indo devagar, onde a perna alcança. Até agora, as pessoas  têm tido carinho por mim.

Para você todo assunto vale uma crônica?

Sou independente. Posso falar do que eu quiser, claro, respeitando a Constituição. Quando eu faço um vídeo sobre banca de jornal, vai alcançar todos os lugares, atinge todas as pessoas. Se eu for falar contra o atual governo, que eu sou contra, já aparecem pessoas para brigar comigo. Todos sabem meu posicionamento na cidade. Não tenho rabo preso.

Você falou sobre não ter sido cancelado. Se preocupa em não ofender determinados grupos quando está criando suas crônicas?

Dá para fazer humor sem agredir. Isso é fato. Mas é impossível fazer sem atingir ninguém. Tenho obrigação de fazer humor sem atingir minorias. Se tiver que atingir alguém, que seja a maioria, o que tem privilégios. Quero zoar Icaraí, que é onde moro, depois de morar por muitos anos no Centro, que também é onde tem pontos turísticos. Gosto de fazer humor com quem pode receber. Se for para derrubar quem está na merda não é humor é covardia.

Como se tornou educador?

Há dez anos, fui casado com a dona do Golfinho. Eu saí do meu emprego de Assessor de Imprensa para cuidar da parte financeira do colégio. Mas o meu viés artístico, o estudo de pedagogia (fiz curso, mas não me formei), o brincante, me fez querer colocar na prática o que eu estudava. Isso me desviou do financeiro e me levou para o pedagógico-artístico. A mudança foi o que fez a escola mudar. A escola já era boa, já tinha vontade de seguir um caminho diferente e eu fui uma força extra para isso.

Que mudança foi essa?

A escola é uma ilha na região. É um espaço construtivista, humanista cercada de colégios tradicionais. A escola vai na contra mão do tradicional. As famílias que não querem escola tradicional procuram a gente. Na pandemia, quase falimos. Tem que estar bem embasado para comprar briga de fazer uma escola diferente e ainda uma escola particular com diretor preto! Quantas existem com diretores pretos? Seja como for, a escola é conhecida na cidade. Os trabalhos dos alunos ficam do lado de fora como uma forma de mostrar o que fazemos e também de criar uma ligação com a comunidade. As escolas, de uma maneira geral, parecem presídios, com muros altos, todas fechadas, cheias de câmeras. Instituição de saber tem que conversar com a comunidade.

Você é baiano de nascimento. Como Niterói entrou na sua vida?

Nasci em Vitória da Conquista. Fui adotado com 13 dias de nascido e trazido para Niterói. Minha mãe foi atriz e meu avô foi ator, palhaço, cordelista. Meu avô é o Zé Gamela, bem conhecido na cidade. Ele criou o  Teatro do Trabalhador, no Centro. Meu avô era craque em paródias políticas.

Você foi criado em berço artístico, então.

Sim, quando eu era criança dormi muito em coxia de teatro. Minha mãe, Solange Ribeiro, trabalhou com atriz por um tempo. Ela trabalhou em vários lugares e acabou se afastando do palco. Na adolescência ela não estava mais no teatro. Se afastou por conta do casamento, filhos, não sei. Eu tenho duas irmãs. A vida do artista é muito difícil. Poucos conseguem sobreviver só da arte. O importante é que a  família que me adotou salvou minha vida e me trouxe para Niterói. Minha falecida mãe me salvou de várias formas (ela morreu de câncer, em outubro passado). Agradeço a ela até hoje ela ter me encontrado. Era fodona, minha mãe.

Planos para o futuro?

Esse ano ainda farei mais uma exposição  com meus quadros, mas, uma coisa que a pandemia me mostrou é que a gente precisa trabalhar o agora porque o futuro está atrelado ao futuro do Brasil e da minha cidade. Se as coisas ficarem mais complicadas na arte, cultura, ciência, não sei o que vai ser pela frente. Tenho que ter esperança porque sou educador. Arte e educação é a utopia que me faz levantar da cama. Espero levar meu sorriso, meu humor para mais pessoas. Sou um “artivista”. Quando injetamos  arte, tudo fica melhor e vimos como a arte é importante na pandemia.

Quais são as cinco principais características de Niterói?

1 – Se chover, a cidade acaba. Isso não condiz com uma cidade que é dita uma das melhores do país. Alaga sempre no mesmo lugar e sempre dizem que a chuva foi mais do que a esperada.

2 – Óbvio que a cidade é violenta, mas aqui ainda é mais tranquilo para viver do que no Rio. Quando acontece qualquer coisa mais violenta, sai em tudo quanto é lugar, ou seja, ainda causa espanto.

3 – Niterói não é reflexo do Brasil. Dizer “meu país Niterói” faz muito sentido.

4 – Esse trânsito caótico. Não entendo porque não conseguem resolver. Não tem espaço para tanto carro.

5 – É incrível a quantidade de meninos jovens pretos presos injustamente com base em fotos errôneas em delegacia. Isso é o tempo todo. Sempre tenho que ir na delegacia para soltar algum menino que não tem nada com a história e foi preso. Se a cidade é diferenciada, não dá pra ser racista. Não dá para ter facção nazista na cidade. Falam para mim o tempo todo: não pare de falar porque não tem voz negra o suficiente, você tem que continuar falando. Quanto mais visibilidade eu tiver na arte, meu posicionamento antirracista estará mais forte ao meu lado.

 Qual seu lugar preferido, na cidade?

O por do sol em Itaipu é formidável!

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