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MPF e Defensorias alertam: internação compulsória é inconstitucional

Por Redação
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Ministério Público Federal e Defensorias da União e do Estado divulgam nota técnica sobre a Lei nº 3.997/2025 de Niterói
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Nova legislação da cidade permite a internação compulsória de quem faz uso abusivo de álcool e outras drogas. Foto: arquivo A Seguir Niterói

O Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) divulgaram, na segunda-feira (5), uma nota técnica conjunta sobre a Lei nº 3.997/2025 que institui em Niterói uma política municipal de acolhimento humanizado a pessoas com transtornos mentais e/ou em uso abusivo de álcool e outras drogas, foi considerada inconstitucional e inconvencional pelas instituições.

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Segundo o documento, assinado pelo procurador Regional dos Direitos do Cidadão adjunto Julio Araujo; pela defensora pública estadual Cristiane Xavier de Souza e pelo defensor público federal Thales Arcoverde Treiger, “o ponto mais preocupante da nova legislação é a previsão do acolhimento sem consentimento, que permite a internação forçada de pessoas adultas, inclusive a pedido de servidores da saúde ou assistência social”.

“Na prática trata-se de internação psiquiátrica compulsória sem ordem judicial, em contrariedade à Constituição, à legislação federal e aos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. Tal medida aproxima-se do modelo biomédico tradicional, historicamente associado à desumana lógica manicomial e à exclusão social”, diz trecho da nota.

No entendimento das instituições, a nova política visa, “essencialmente, a remoção forçada de pessoas em situação de rua, incorporando elementos de projetos de lei anteriores rejeitados por seu viés higienista e de limpeza social”.

A nota técnica aponta que a Constituição Federal garante a liberdade como direito fundamental e que ninguém pode ser submetido a tratamento médico forçado sem consentimento livre e informado. Observa, ainda, que internações involuntárias devem ser exceção, nunca regra, “e só se justificam legalmente mediante ordem judicial ou por risco comprovado, de acordo com a Lei nº 10.216/2001 (Lei da Reforma Psiquiátrica)”.

“Tratar o sofrimento psíquico e o uso de substâncias com remoção compulsória das ruas é uma forma de transformar sujeitos de direitos em objetos de controle estatal”, afirmam os signatários.

Outro ponto abordado na nota técnica é a incompatibilidade da lei com a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que possui status de emenda constitucional no Brasil.  O documento informa que a convenção reconhece a plena capacidade das pessoas com transtornos mentais ou dependência química de tomar decisões sobre sua saúde e reforça o direito de viver de forma autônoma na comunidade.

A Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006) também foi mencionada na nota técnica, “pois retira a possibilidade de internação compulsória para usuários, priorizando o tratamento em meio aberto por equipes multidisciplinares e com acompanhamento ambulatorial”.

“A norma municipal de Niterói, ao prever acolhimento forçado com base em ‘risco iminente’, amplia indevidamente as possibilidades de internação, sem observar a excepcionalidade exigida pela legislação federal”, diz a nota.

O documento expressa “preocupação adicional” com o que foi considerado “falta de clareza quanto aos locais de internação previstos na lei”, o que, no entendimento das instituições, “pode abrir espaço para instituições com caráter asilar – proibidas pela legislação brasileira por violarem direitos básicos de quem é internado”.

A nota chama atenção para o impacto da medida sobre a população em situação de rua, “grupo social especialmente vulnerável e frequentemente alvo de políticas discriminatórias”. As instituições alertam que, ao propor internações forçadas sob o pretexto de cuidado, a legislação municipal “ignora a autonomia dos sujeitos e reforça a estigmatização, tratando essas pessoas como problemas a serem removidos do espaço público”.

A nota cita, ainda, decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF), que reafirmam os direitos fundamentais das pessoas em situação de rua e proíbem remoções e recolhimentos compulsórios. Também são mencionadas diretrizes da Política Nacional para a População em Situação de Rua e o Plano Ruas Visíveis, ambos do governo federal, que rechaçam práticas de internação forçada e priorizam a inclusão social com respeito à dignidade humana.

“O Estado deve garantir o direito à saúde por meio de serviços públicos como os CAPS, e não por meio de políticas de segregação. Internação deve ser uma medida excepcional, individual e em benefício da pessoa, jamais uma política pública com viés higienista”, concluem as instituições.

O documento foi enviado ao Prefeito de Niterói, às Secretarias Municipais de Saúde, Desenvolvimento Econômico e Revitalização do Centro, Ordem Pública e Assistência Social, à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Defensor Público-Geral do Estado do Rio de Janeiro, com a recomendação de que sejam “adotadas providências para rever a legislação e garantir a adequação às normas constitucionais e internacionais de direitos humanos”.

O que diz a prefeitura

Em nota enviada para o A Seguir, a prefeitura de Niterói se posicionou a respeito da nota técnica das instituições:

“A Procuradoria Geral do Município de Niterói (PGM) afirma que a nova legislação sobre a Política Municipal de Acolhimento Humanizado e Assistência Integral a Pessoas em Uso Abusivo de Álcool e/ou Outras Drogas e/ou com Transtornos Mentais reflete a política nacional sobre o tema e que já está implementada. A Procuradoria atesta que a lei reproduz em âmbito local aspectos que já estão na legislação nacional.

Classificar a nova legislação como inconstitucional é fazer uma interpretação equivocada e restrita de que a lei se baseia em uma lógica de internação. A nova legislação municipal deixa claro que a internação ocorrerá apenas em situações excepcionais, e mesmo assim, de forma humanizada, com o cumprimento de todos os requisitos técnicos e legais”.

 

Fonte: Ministério Público Federal

 

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