COMPARTILHE
Moradores de regiões de pelo menos 25 bairros de Niterói estão sofrendo com um problema recorrente em todo o estado: o domínio de territórios por traficantes de drogas ou milícias, que, armados, impedem o acesso de serviços necessários para as comunidades. O tráfico adotou o mesmo modelo de ação de milícias e obriga moradores a pagar por seus serviços, seja de telefonia ou de internet, aumentando significativamente seus lucros. Um mapa identificando em vermelho as áreas de risco, feito por uma operadora de internet, mostra o tamanho do problema na cidade.
O relações públicas da operadora apontou o bairro de Jurujuba como o mais recente território impenetrável. “Há pouco mais de uma semana, uma equipe da empresa foi a Jurujuba oferecer nossos serviços de internet. A 150 metros do acesso ao Forte do Imbuhy, homens armados pararam a nossa equipe à luz do dia. O garupa gritou: sou o dono da região. Vocês vão ‘picar mula, vazar agora’. Queríamos fazer alguns testes para ver se postes estavam dando choque. A equipe foi embora na hora” – lamentou o representante da empresa.
Tráfico ou milícia?
A Prefeitura costuma dizer que não há grupos de milícia em Niterói. A Polícia Militar tem o mesmo entendimento. O que se vê na cidade é que o tráfico adotou as mesmas práticas da milícia, cobrando por serviços como o fornecimento de internet, TV por assinatura ou a entrega de gás.
Moradora de uma comunidade de Jurujuba contou que sofre com a imposição do tráfico. “Desde fevereiro tive que começar a pagar cerca de R$ 200 para ter internet em casa. E é tudo ilegal. Se não pagar esse valor absurdo não tenho o serviço em casa. É um absurdo”- lamentou a mulher.
O mapa feito pela empresa indica bairros de praticamente todas as regiões da cidade. Vai de Santa Bárbara e passa por Baldeador, Caramujo, Fonseca, Santa Rosa, Vital Brazil, Pendotiba, Badu, um trecho do Gragoatá e do Centro e Ilha da Conceição. O Engenho do Mato é um problema grave para a empresa. Em janeiro, oito carros foram incendiados no pátio da base da operadora e sete funcionários sequestrados por mais de uma hora.
– Um funcionário pediu demissão porque mora lá e foi várias vezes ameaçado. Quase toda semana tem ameças contra funcionários. Não fazemos mais manutenção, embora tenhamos uma base lá. A maioria já não tem dispositivos com fibras óticas. Há cerca de dois anos tivemos oito carros incendiados na base. Os criminosos dizem que não podemos atuar lá pois já têm um provedor fechado – lamentou o representante da empresa.
O mapa de risco do iFood
Outros serviços, como o de entrega de encomendas, também sofrem represálias em outras áreas. Há dois meses, uma entregadora do iFood foi parada por um homem armado à noite no meio da Rua Teixeira de Freitas, no Fonseca, a cerca de 50 metros do Hospital Estadual Azevedo Lima.
– Estava de moto e com capacete. Ele apontou a arma e me mandou parar. E perguntou: ‘quem é você?’. Respondi e ele disse que eu não poderia entrar de capacete na região. Fiquei com tanto medo que nunca mais voltei lá – contou.
Operadoras de outros serviços não quiseram se pronunciar. Mas um motorista do aplicativo Uber contou um episódio que mudou a sua vida.
– Sou engenheiro, mas não consigo encaixe na profissão. Nunca tive restrições de entrar em comunidades. até que um dia, há cerca de cinco meses, fui levar um casal de passageiros no bairro da Engenhoca e fui parado por um grupo de jovens armados com fuzis. Fui parado e esculachado. Levei uma coronhada na cabeça porque não entrei com o alerta piscando nem as janelas abertas e o salão aceso. Agora, penso muito antes de aceitar uma corrida – contou o trabalhador.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Niterói, Andrea Kraemer, declarou que no 1º Evento da Comissão na Secretaria de Segurança de Niterói, realizado nesta semana, o assunto foi comentado, mas ninguém deu informações a respeito. O comandante do 12º BPM, tenente-coronel Marcelo Carmo, responsável patrulhamento ostensivo na região, não compareceu. O responsável pela Guarda Municipal e Secretaria da Ordem Pública, Paulo Henrique Moraes, não soube responder às indagações, segundo Andrea.
– A OAB é apartidária. Denunciamos casos doa a quem doer. Mas faltam dados. O comandante da Guarda disse desconhecer as ocorrências e a PM só fala que está atuando para dar conta do problema. É muita desinformação quando sabemos que vários casos têm ocorrido na cidade.
A nota da Polícia
Por nota, a Polícia Militar disse que está atuando para coibir a ação desses grupos criminosos e pede à população que denuncie através do Disque-Denúncia (2253-1177).
“A Assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informa que o comando do 12ºBPM (Niterói) vem atuando na região para coibir a ação de grupos de criminosos que querem impor a prestação de serviços de internet irregular, ameaçando a segurança de moradores e prestadores de serviços públicos. O policiamento segue intensificado na localidade abrangendo os bairros de Engenho do Mato, Itaipu e entorno. É importante que a população siga colaborando com informações privilegiadas através do Disque-Denúncia (21) 2253-1177 e de registros diretamente em delegacias, assim como também acione nossas equipes através da Central 190 de maneira imediata diante do cometimento de tais ilícitos.”
A Polícia Civil não respondeu às demandas enviadas sobre o assunto. O delegado Fábio Barucke, que esteve à frente da 81º DP (Itaipu) e hoje é o titular da 76a DP (Centro), instaurou inquérito policial para investigar denúncias de crimes ocorridos no Engenho do Mato. Pelo menos duas pessoas foram presas.
COMPARTILHE