23 de novembro

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Mestre Ciça, de alma lavada, na bateria da Viradouro, patrimônio de Niterói

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Em entrevista ao A Seguir, o responsável por comandar a bateria da Unidos do Viradouro fala sobre vitórias e “espinho na garganta”
Viradouro
Mestre Ciça está na sua segunda temporada à frente da Furacão Vermelho e Branco. Foto: arquivo A Seguir Niterói

Quem acompanha, em 2024, a Unidos do Viradouro comemorar o tricampeonato do Carnaval do Rio de Janeiro, talvez não se lembre que, ano passado, o grito de campeã só não saiu por conta de 0,1 perdido.

Dentre os quesitos que perderam ponto, estava a bateria. Levou um 9,9 e o jurado justificou a pontuação dizendo: “A agremiação apresentou sua bossa com poucos elementos criativos, sendo penalizada dentro do critério de criatividade”.

– Fiquei possesso. Aquilo foi um espinho que ficou atravessado na minha garganta – admitiu Mestre Ciça, desde 2019, o responsável pela bateria da escola, a Furacão Vermelho e Branco, que acabou de se tornar patrimônio cultural de Niterói.

Músico autodidata e mecânico por formação, antes de se tornar Mestre Ciça, Moacyr da Silva Pinto foi passista na Estácio de Sá, escola do bairro onde nasceu, foi criado e ainda mora, no Rio de Janeiro. Em 1988, conseguiu uma vaga na bateria como percussionista. Substituir um Mestre que ficara doente foi a oportunidade que ele agarrou para estrear no posto, ainda na sua Estácio, onde ficou até 1997.

Aos 67 anos, Mestre Ciça tem no currículo passagens pela Unidos da Tijuca (1998), Unidos do Viradouro  (1999 – 2009), Grande Rio (2010 – 2014) e União da Ilha do Governador (2015 – 2018). Sim, neste momento, ele está na sua segunda temporada na Viradouro.

Para tirar a espinha da garganta (não só dele, diga-se de passagem), a escola fez ajustes para o Carnaval 2024. Vários deles na bateria, o que incluiu a redução do número de componentes, com a limpeza dos naipes. Atabaques e agogôs ganharam destaque com a missão de reproduzir toques do Candomblé Jeje, em sintonia com o enredo da escola.

Mestre Ciça na comemoração da Viradouro do título de campeã de 2024. Foto: reprodução

No próximo dia 2 de abril, a bateria da Viradouro vai se reunir pela primeira vez, após a vitória. Será o primeiro dos muitos encontros para montar o Carnaval de 2025.

O elenco está fechado ou tem vaga para integrar a Furacão Vermelho e Branco?

– Quem desfilou em 2024 deve querer desfilar em 2025. Como ninguém vai morrer, então, não tem vaga, a equipe está fechada. Só vou substituir se alguém não tiver condições, seja por problema de saúde ou particular. Para desfilar tem que ter comprometimento. Tem que estar sempre lá no ensaio com a gente. Se o camisa 10 não tiver comprometimento vai ficar de fora porque é o coletivo que faz bonito na avenida, não o individual. Para essas coisas, nesse momento, sou brabo.

Confira a entrevista, feita por telefone pelo A Seguir, com Mestre Ciça do outro lado da Baía de Guanabara, no bairro do Estácio.

 

Como recebeu a notícia que a bateria da Viradouro tinha se tornado patrimônio cultural de Niterói?

Mestre Ciça: Com surpresa. É um título merecido pela bateria, que tem uma história, uma trajetória construída por muitos mestres de bateria como Jorjão, Paulinho, Pablo, Maurão. Eu tenho a felicidade de comandar agora, essa bateria e encaro esse título como um prêmio. Eu fui da Viradouro de 1999 até 2009. Eu saí e, por felicidade minha, me convidaram para retornar. É uma felicidade estar à frente da bateria no momento desse prêmio.

A escola fez um desfile especial no último domingo (17), na Amaral Peixoto. Conforme o senhor passava pela avenida, o público o reconheceu, gritava seu nome e pedia para apertar sua mão. Como se sente diante dessa popularidade?

MC: É um carinho que as pessoas têm. Sinto que sou abraçado por Niterói e isso me deixa emocionado, não tem preço. É uma conquista. Não sei qual é a magia. As pessoas me reconhecem, me chamam, eu sou educado com as pessoas. Nunca morei em Niterói, mas eu ando pela cidade e as pessoas me param, falam comigo… Moro no Estácio, nunca saí de lá.

Mas o senhor tem fama de brabo, confere?

MC: Eu não sou brabo. Sou até bem tímido, mas eu cobro muito. Falam que sou brabo, mas me respeitam e eu respeito todo mundo. Não sei se reflete na comunidade o carinho que os integrantes da bateria têm por mim.

Por que o senhor saiu da Viradouro em 2009?

MC: Seu Monassa, (José Carlos Monassa, ex-presidente da escola) já falecido, foi quem me levou para a Viradouro. Saí da escola porque, depois da morte dele, as coisas não estavam andando por uma questão de estrutura de trabalho, ficou difícil continuar. Fui para a Grande Rio, depois para a União da Ilha e recebi o convite do Marcelo Calil (atual presidente de honra da escola) para voltar. Desde que voltei, fomos vice duas vezes e tiramos uma terceira colocação. É só alegria

O resultado de 2023 era um espinho na garganta?

MC: Ah, estava com esse espinho na garganta, sim. Perdemos por 0,1, não que fosse só a bateria a culpada. Não tem isso, é um conjunto. Mas fiquei pensando se não tivesse tirado uma nota 9,9, poderia ser diferente. Isso me incomodou muito. Ficou atravessado. Tinha que dar a volta por cima, confesso. Este ano, a gente tinha que chegar chegando.

Como se sentiu com a justificativa do júri que faltou criatividade?

MC: Eu fiquei possesso.

Que providências tomaram para mudar o “rumo da prosa” ?

MC: Fizemos mudanças junto com o diretor musical que foram importantes. O andamento da bateria ficou mais confortável, fez bem para a escola. Reduzimos a bateria de 300 para 265 integrantes. Privilegiamos a qualidade ao invés da quantidade. O Wander (Pires, intérprete) cantou muito e trouxe seu estilo que ajudou nessa mudança do andamento da bateria.  Eu sabia do potencial da bateria. 96% dos integrantes são de Niterói e São Gonçalo. É uma questão de comprometimento com a escola.

Que planos tem para 2025?

MC: Ainda não pensei nada. Tem que ver primeiro o enredo, o samba. Paradinha todo mundo faz. Eu busco fazer paradinha dentro do contexto. A desse ano foi longa, mas já fiz paradinhas maiores.

Como foi o clima da escola no dia do desfile?

MC: Foi tranquilo. Estávamos seguros porque o samba estava funcionando.

Tão tranquilo que o senhor foi flagrado, em uma foto, jogando cartas antes de entrar na avenida.

MC: (risos) Eu e um grupo de diretores chegamos muito cedo no Sambódromo, sempre. Fazemos churrasquinho e jogamos carta para passar o tempo, é normal, sempre fizemos. Gostamos de jogar Sueca. Naquele grupo todo mundo perde, todo mundo ganha. Quando fizeram a foto, eu estava ganhando.

O senhor se imagina em outra escola, outra vez?

MC: Não me imagino em outra escola. A Viradouro é a minha casa. Fui e estou sendo muito feliz na Viradouro. Quando voltei, estava mais maduro, com outra filosofia de trabalho. A gente tem que ficar se atualizando.

Ser campeão, fazer sucesso deve ser fácil o sucesso subir à cabeça, não?

MC: Não, nada disso. Acaba o carnaval, a gente é uma pessoa comum, na rua. Ainda mais eu que sou caseiro. Não tenho estrelismo. Gosto de ficar muito na minha casa.

O senhor ainda toca algum instrumento?

MC: Tudo de percussão eu toco: pandeiro, tamborim, agogô, tantan. Cuíca só arranho. Meu irmão Beloba é músico, tocou muitos anos com Beth Carvalho, Martinho da Vila, até Roberto Carlos. Sempre me espelhei nele. Éramos 4 irmãos e ele é o meu único irmão ainda vivo. Somos parecidos até na aparência. Ele é tudo na minha vida.

Tem vaga na Furacão Vermelho e Branco para 2025?

MC: Quem desfilou em 2024 deve querer desfilar em 2025. Como ninguém vai morrer, então, não tem vaga, a equipe está fechada. Só vou substituir se alguém não tiver condições de participar, seja por problema de saúde ou particular. Para desfilar tem que ter comprometimento. Tem que estar sempre lá no ensaio com a gente. Se o camisa 10 não tiver comprometimento vai ficar de fora porque é o coletivo que faz bonito na avenida, não o individual. Para essas coisas, nesse momento, sou brabo.

 

 

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