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São muitos os pontos que se traduzem em reais urgências para uma cidade. E o mercado imobiliário, de certa forma, acompanha isso. A saúde financeira da cidade, somada a outros fatores, como empregabilidade e renda, fazem o mercado girar. Nos últimos 12 meses, foram mais de 1.000 transações imobiliárias de imóveis de primeira locação em Niterói. Contando com os de segunda locação, já são mais de 5.000 unidades. É o que aponta o presidente da Ademi, Bruno Serpa Pinto, em entrevista ao A Seguir: Niterói.
Segundo Bruno, a expectativa é de retomada e fortalecimento do mercado, após um longo período de declínio de vendas do setor, e isso acompanha também a projeção de baixa da taxa de juros.
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Porém, ao mesmo tempo, a cidade teve um êxodo de moradores, de acordo com o último levantamento do IBGE, o que revela que Niterói encolheu nos últimos anos. Uma das apostas de Bruno para isso é um grave problema de gestão dos investimento da cidade, que tem o transporte ainda precário, apesar da ampliação da malha cicloviária e do túnel Charitas-Cafubá.
– Niterói precisa de um transporte público bem solucionado e de qualidade. Outra coisa é que Niterói tem belezas naturais espetaculares, mas muito mal exploradas. Niterói trabalha muito mal a questão do turismo. A cidade tem uma vocação náutica extremamente importante, mas o embarque e desembarque é na Marina da Glória, no Rio. Acho que a questão dos espaços públicos deve ser uma obsessão da Prefeitura – afirma.
Confira a entrevista:
A SEGUIR: NITERÓI: Qual a expectativa do mercado imobiliário em relação à aprovação da Lei Urbanística de Niterói?
BRUNO SERPA PINTO: A Lei Urbanística tem um prazo legal para ser revisada, que é de 5 em 5 anos, e o Plano Diretor de 10 em 10, conforme rege o Estatuto da Cidade. Isso não vem sendo cumprido pelo poder público, tanto por parte do Executivo, quanto do Legislativo. E é uma obrigação legal de todas as cidades.
A Lei Urbanística está defasada. E qual o objetivo dela? Ela precisa estar em sintonia com as necessidades da cidade naquele momento. Por exemplo, se a cidade tem uma vocação para turismo, para imóveis de pequeno porte, aqueles mais compactos, se há a vocação de empreendimentos com coworking e pet friendly, como vemos atualmente. São questões que devem ser abordadas recorrentemente. Essa Lei pode ser indutora de crescimento ou não de determinada região.
Uma região pode estar abandonada e ser indutora de crescimento para aquela área. Como o Centro de Niterói, por exemplo, que é uma região degradada, mas que, ao mesmo tempo, tem muita infraestrutura de serviço, então a habitação deve ser estimulada no Centro. A Região Oceânica, após receber esses grandes investimentos públicos de drenagem, asfaltamento, túnel, é uma região que merece ser indutora de investimento.
Uma das coisas mais importantes que essa Lei pode trazer é o estímulo à habitação popular. É uma obrigação do poder público fomentar isso com seus programas específicos. Para isso, precisa haver a demarcação dessas áreas e regularizar fundiariamente a moradia dessas pessoas, coisa que a Prefeitura está muito aquém.
Como tem sido a evolução do mercado imobiliário? Qual o valor do aumento global em relação ao ano passado?
Desde 2015, o mercado imobiliário vem num declínio muito forte. O melhor ano de Niterói foi 2012, quando chegamos a ter 27 lançamentos em um ano. Isso significa dizer que, em 2012, a cidade lançava o equivalente ao orçamento da Prefeitura, na época, R$ 2 bilhões. O auge do declínio foi em 2018/2019, quando tivemos apenas 3 lançamentos na cidade, com menos de R$ 100 milhões em imóveis lançados. A cidade historicamente, nos últimos 15 anos, tem tido em torno de 3 mil imóveis, sejam eles em construção ou prontos. Em 2021, chegamos a ter menos de 400 imóveis prontos ou em construção para venda.
Hoje a gente volta a ter um patamar de muitas unidades em construção ou à venda. Nos últimos 12 meses, tivemos mais de 1.000 transações imobiliárias de imóveis de primeira locação. Contando com os de segunda locação, somamos mais de 5.000 unidades.
A expectativa é de retomada e também de queda da taxa de juros. O juro mais baixo de toda a cadeia foi o da construção. O juro mais baixo é para quem vai construir e para quem vai comprar o imóvel financiado. O crédito consignado é mais barato que todos eles porque a moradia é uma questão de primeira necessidade. Tem um cunho social importante da dignidade humana e isso é uma política pública.
E como estamos tendo taxa de juros baixa, as pessoas começam a colocar o dinheiro para trabalhar. O perigo do juros alto é que você inibe a compra do mercado imobiliário e as pessoas, ao invés de empreenderem, deixam o dinheiro aplicado e ficam vivendo do juros do dinheiro. Quando essa queda da taxa de juros acontece, ela estimula o mercado imobiliário e as pessoas começam a utilizar o dinheiro para empreender. Com isso, a economia gira. As pessoas se encorajam a montar um restaurante, uma pousada, uma oficina… Esse dinheiro começa a circular novamente.
Os números de lançamento já equivalem aos da pré-pandemia?
Eles já superaram. Em 2019, tivemos apenas 3 lançamentos na cidade, com menos de R$ 100 milhões em imóveis lançados. Neste ano já estamos no nono lançamento e mais de R$ 800 milhões lançados.
Hoje temos 26 incorporadoras nacionais na cidade e 42 empreendimentos em construção ou prontos com imóveis à venda.
O IBGE mostrou um êxodo dos moradores de Niterói. A que fatores você atribui isso?
Como toda pesquisa, depende de quem analisa ou do viés da análise, apesar de os dados não mentirem. Os dados do IBGE mostram que Niterói encolheu, ou seja, diminuiu a população.
Mas é importante analisar dois dados: apesar de ter encolhido, Niterói apresentou um número de nascimento maior que o número de óbitos, então não é justificável a cidade encolher. O que permite isso? Se a cidade tiver baixa atratividade ou alguma outra cidade que tenha maior atratividade, pode ser um dos fatores. Por exemplo, Maricá triplicou sua população. Além das suas belezas naturais, a cidade possui um baixo custo de aquisição. Tanto que pessoas de Niterói, São Gonçalo e Baixada Fluminense optaram por morar em Maricá. O maior índice de moradores fora de Maricá é desses municípios. Maricá ainda tem uma questão estrutural muito boa, uma alta receita de royalties de petróleo, um serviço público de qualidade, etc.
O que falta em Niterói?
Uma questão de transporte público bem solucionada e de qualidade. A gente teve o ganho da Transoceânica, mas ainda é muito pouco para se falar em transporte de massa. Como não temos VLT e metrô, as pessoas fazem muito o uso do carro e costumam se locomover de ônibus também. Tivemos uma ampliação de ciclovias, mas para transporte de massa ainda é muito deficitário.
Outra coisa é que Niterói tem belezas naturais espetaculares, mas muito mal exploradas. Niterói trabalha muito mal a questão do turismo. A Neltur tem praticamente as mesmas práticas desde 1990. Ela não conseguiu colocar a cidade como um destino claro de turismo.
A baía de São Francisco tem o maior número de medalhas olímpicas do Brasil por conta da vela e infelizmente Niterói não conseguiu ser a capital da vela. E poderia. Isso geraria recurso e turismo. Niterói tem uma vocação náutica extremamente importante, mas o embarque e desembarque é na Marina da Glória, no Rio. São coisas baratas que podem ser feitas diante da receita de royalties de petróleo da cidade e que vão fazer com que ela seja um destino turístico importante. E isso traz consumo para os restaurantes, para os lojistas, enfim, movimenta a cidade.
Quais seriam as outras vocações da cidade?
Além da vela, tem o remo, a pesca, o mergulho. O voo livre também é um viés mal explorado. Acho que Niterói tem a capacidade de ser um grande polo gastronômico do estado. E tem outras questões, como o Museu de Arte Contemporânea. O MAC é um dos museus mais visitados do país, mas as pessoas visitam e vão embora, porque não tem hotelaria de qualidade.
A cidade pode ter desde uma vocação náutica a um ecoturismo. Por exemplo. 70% da cidade é preservada de área verde, mas o turismo ecológico não é incentivado. Em Niterói estamos muito próximos da capital, temos vários quilômetros de orla, uma beleza natural incrível, mas cuida-se mal.
Se tivermos menos cargo comissionado e mais parceria público-privada, teremos mais dinheiro. A execução do orçamento deve ser voltada para o crescimento estrutural da cidade.
Icaraí continua com grandes investimentos, liderando o ranking de maior número de levantamentos. Quais fatores explicam isso?
Icaraí e Jardim de Icaraí são os bairros mais desejados e com o maior número de transações imobiliárias da cidade. Icaraí tem 32 mil domicílios e 85 mil moradores. É um bairro que está no centro de tudo, tem serviço de qualidade e vida a pé, além de fácil acesso à ponte Rio-Niterói. É natural que seja um bairro muito demandado.
Porém, há coisas que precisam ser revistas. Aqueles quiosques da orla de Icaraí não têm qualidade. Olha o que a Rio Orla faz em Copacabana, é muito diferente. Uma Ambev da vida, uma rede de hambúrguer se instalariam na orla de Icaraí, por exemplo.
Icaraí está para Niterói como Ipanema e Leblon estão para o Rio. E a Região Oceânica está para Niterói como a Barra da Tijuca está para o Rio. A diferença é que a Barra teve um plano urbanístico desde a época do Lúcio Costa que permitiu um crescimento ordenado e foram definidas as áreas que poderiam ser exploradas, o que teria maior e menos gabarito. Hoje a Barra contempla um metrô. Foi feito um investimento público e privado de qualidade. É onde tem grandes serviços, hospitais e escolas.
Eu sou a favor de um crescimento da Região Oceânica de maneira estruturada, porque ela carece de um serviço de qualidade. Como pode a Região Oceânica não ter um hospital privado de qualidade? Não tem demanda. O único de qualidade foi desapropriado pela Prefeitura. Se tiver densidade demográfica, se tiver maior fluxo de moradores, terá demanda. A Região Oceânica merece ter um skatepark que nem o de São Francisco.
E o Ingá?
O Ingá é um bairro em que as pessoas que moram não querem sair de jeito nenhum. Tem uma grande ameaça que é a favelização e tem uma limitação geográfica importante que impede o crescimento. É um bairro de qualidade, mas com essa ameaça da criminalização.
Qual sua opinião sobre a Linha 3 do metrô? Acha que o projeto vai à frente?
Eu torço para que vá à frente. O projeto muda a cidade de patamar. Imagina um metrô saindo da porta de Itacoatiara até a estação das barcas, no Centro, atravessando Charitas e São Francisco. Se tiver um metrô de qualidade não faz sentido pegar engarrafamento, pagar estacionamento. É uma questão que deveria ser considerada prioridade.
O Centro virou um oásis de investimentos recentemente. Quais fatores ajudam a justificar isso?
Nós temos dois Centros. O dos usuários de drogas, prostitutas e pessoas abandonadas na rua e o outro Centro, o dos investimentos. O Centro de Niterói tem uma boa estrutura para isso, e estes novos empreendimentos já vão surgir conectados com o mundo atual. Eles estão sendo pensados para ter ponto próprio para recebimento de entregas alimentícias, pontos de carregamento para carro eletrônico e apartamentos com espaços home office. É a região mais conectada com a diversidade de serviços oferecidos e está ao lado da capital. Não podemos esquecer que estamos ao lado da UFF, onde estudam 50 mil alunos. São meio milhão de pessoas diariamente passando por aqui
Ao mesmo tempo, o Centro tem três equipamentos de qualidade: supermercado Guanabara, Dom Atacadista e Açaí. Agora faltam as praças.
O que é considerado moderno atualmente no mercado imobiliário?
O moderno é não ter condomínios-clubes. É ter equipamentos público de qualidade no entorno das moradias para que as pessoas se socializem e não fiquem trancadas dentro dos seus próprios condomínios. Faz sentido o Caio Martins com aqueles muros todos? E agora, graças a Deus, isso está em discussão. Tem que quebrar e virar um novo Campo de São Bento. E será que não temos capacidade de fazer o mesmo na Região Oceânica? O pessoal está discutindo futuros empreendimentos na região de Camboinhas junto à Lagoa de Itaipu? Tem que fazer algo parecido com o que fizeram na Península da Barra, um parque municipal público, com quadra de esportes, brinquedos…
Tem o Parque Orla de Piratininga, né?
Me frustro com a capacidade financeira que a Prefeitura tem, ver um Parque Orla daquele. Acho que a questão dos espaços públicos deve ser uma obsessão da Prefeitura. E a gestão da cidade tem sido assim desde a época do Godofredo Pinto. Claro que os royalties de petróleo ajudam, o que se revelou na gestão do Jorge Roberto Silveira, mas ainda estamos aquém e temos que melhorar.
No Fonseca vai ter um centro cultural público. O que acha do bairro como um todo?
É o bairro mais populoso da cidade. Ele tem desde beleza natural, como o Horto, como um problema de favelização grave. A população que mora no Fonseca merece investimento público de alta qualidade, como a questão do alagamento na Alameda São Boaventura, a questão do passeio público, já que a acessibilidade não é boa. Vira e mexe tem idosos caindo devido às calçadas danificadas.
O Fonseca merece todo um investimento de qualidade porque ele é uma artéria da cidade. Ele faz o elo entre o Rio de Janeiro, São Gonçalo e Região dos Lagos. A Alameda devia ser tratada como a Roberto Silveira.
O que tem no entorno da Roberto Silveira? Prédios. E eles geram fluxo de pessoas andando e isso gera consumo. Recentemente fizemos um empreendimento na antiga fábrica de Mineirinho chamado Urban Downtown. Foram 400 unidades vendidas em 60 dias.
Como você define o perfil do novo consumidor? Quais seriam suas principais exigências?
Acho que é fundamental um empreendimento hoje em dia oferecer espaço delivery, espaço pet, sala de coworking, previsão de tomada para carro elétrico… E portaria digital, porque baixa o custo do condomínio e ganha muito em segurança. Tem uma empresa niteroiense que já cuida de mais de 500 condomínios.
As pessoas falam muito de placa solar, mas o grande negócio para os condomínios é o mercado livre de energia, que significa continuar usando a infraestrutura da concessionária, no caso a Enel, e comprar energia de forma mais eficiente. Já temos empresas da cidade fazendo isso. Isso reduz a conta de condomínio em mais de 20%.
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