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“Música faz as pessoas se unirem, sim”, diz um verso do refrão de “Music”, uma das dezenas de canções que Madonna apresentou no seu show gratuito, de duas horas de duração, na praia de Copacabana, no Rio, no sábado (4). O evento foi patrocinado por um banco, uma cervejaria e uma empresa de cosméticos.
Foi ao som de “Music” que ela chamou ao palco a cantora Pablo Vittar; que jovens músicos brasileiros assumiram o comando do ritmo da canção (que é quando Niterói se faz presente, sem aspas, no evento) e que personalidades brasileiras vivas ou in memoriam foram homenageadas.
Eu, que vi o show pela TV, no “camarote” do play do meu prédio, avistei de relance a imagem de Marielle Franco e fiquei na dúvida se tinha visto mesmo a foto gigante da vereadora carioca assassinada em 2018, projetada no telão.
Sim eu vi. E ao lado dela, também marcaram presença no show, que pode ser visto em todo o mundo, via streaming, o educador Paulo Freire; o ambientalista e ativista Bruno Pereira, também assassinado; a ministra do Meio Ambiente Marina Silva; Erika Hilton, a primeira Deputada Federal negra e trans eleita na história do Brasil; o Cacique Raony; os cantores Mano Brouwn e Caetano Veloso; a cantora Elza Soares; a atriz Fernanda Montenegro, entre muitos outros. Todos tinham pelo menos uma coisa em comum: a seu modo, nas suas áreas, defenderam a liberdade, a democracia e a preservação do meio ambiente.
“Música mistura a burguesia e o rebelde”, diz outro verso do refrão de “Music”, enquanto Pablo Vittar dançava linda, livre e feliz no imenso palco montado em frente ao icônico e luxuoso hotel Copacabana Palace, no bairro que se tornou o QG da extrema direita do Rio de Janeiro, de uns anos para cá.
Antes de Pablo, a diva pop já tinha chamado a cantora Anitta ao palco. Como Pablo, ela não cantou. Seu papel foi fazer uma performance escancaradamente sexual ao lado de Madonna, que também “caiu dentro” da encenação. E a música era “Vogue”.
Na minha opinião, naquele momento, Madonna, de 65 anos, avisou para o mundo que já havia uma sucessora pronta para assumir o posto de diva máxima do pop. Anitta já trilha esse caminho. Ela tem atitude, dentro e fora do palco, bem ao espírito de Madonna, que ao longo da sua carreira de 40 anos, quebrou tabus sexuais, não poupou críticas às religiões e defendeu causas, como a luta contra a Aids.
A doença, que um dia já teve status de epidemia, foi devidamente lembrada. Nessa hora do show, os cantores Cazuza e Renato Russo também tiveram suas imagens projetadas em telão junto com fotos de centenas de outras vítimas da Aids homenageados por Madonna.
Não por acaso, a cantora é venerada pelo público LMBTQIA+. Ela milita pelos direitos dessa comunidade desde a época do auge da epidemia de Aids – período em que a doença estava cercada de estigmas e preconceitos. E mortes, muitas mortes.
Três dos 20 ritmistas jovens integrantes de escolas de samba do Rio de Janeiro que participaram do “momento Brasil” do show de Madonna são da Unidos do Viradouro.
Nicole Gonçalves (chocalho), de 19 anos, Caio Gonze (repique), de 16, e Pedro Felipe (caixa), de 11 anos foram os representantes da atual campeã do Carnaval carioca no time de músicos que, sob o comando de Pretinho da Serrinha, levaram para “Music” o ritmo do samba, um pouco de funk e pitadas de batuque de terreiro de religiões de matrizes africanas.
Todos participaram de uma maratona de ensaios e comentaram sobre a experiência nas redes sociais da Viradouro:
– Ela é maravilhosa, animada, super simpática. É inimaginável estar vivendo essa experiência gigante – disse Nicole.
– Madonna disse ter ficado impressionada por sermos tão jovens e tocarmos bem. E pedia sempre pra olharmos diretamente pra ela, nos ensaios, na hora da dança, para interagirmos na coreografia e sorrirmos bastante porque estamos vivendo um momento de alegria. Ela deixou a gente muito à vontade – afirmou Caio.
– Estou muito feliz. Madonna também falou que estava feliz. Ela é muito legal – comentou Pedro.
Foi com uma gigante bandeira brasileira projetada em telão e outras sendo sacudidas no palco por Madonna e Pablo Vittar que o “momento Brasil” foi encerrado. Ambas vestiam uma camisa amarela da seleção brasileira de futebol.
Há alguns poucos anos, bandeira e camisa foram “adotadas” pela extrema direita brasileira . Na mesma Copacabana do show, é comum ver a bandeira enrolada em corpos que pedem intervenção militar e a volta da ditadura.
No show, a bandeira do país enrolou corpos que exaltam a liberdade, a diversidade e a inclusão.
Nesse jogo de forças, pelo menos no sábado, o recado foi dado: o time dos corpos livres e diversos não está disposto a perder uma gota das suas conquistas. O território está pra lá de demarcado.
“Blame it on Rio (A culpa é do Rio). Thank you Brazil (Obrigada, Brasil)”, postou Madonna após o show, nas suas redes sociais.
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