23 de novembro

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Um passeio pelos restaurantes de Niterói com o autor do guia de gastronomia do estado

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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O A Seguir percorre sabores da cidade com Cézar Marques e conta histórias como a origem do ´rodízio nas churrascarias
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Clássico de Niterói e sempre com enorme filas na porta, Seu Antônio é um dos restaurantes abordados no livro. Foto: Reprodução/Internet

Um panorama da gastronomia do Rio de Janeiro e de Niterói. Uma seleção de restaurantes além de qualquer guia da boa mesa. Essa é a proposta do livro “Gastronomia do Rio de Janeiro: um pouco de história, trajetórias e saberes”, da editora Senac Rio, do jornalista Cézar Marques, conhecedor privilegiado da história e dos sabores do estado do Rio. O livro está no Rio Gastronomia, no Jockey, e nas livrarias da cidade.

Cézar Marques conhece bem o assunto. E conta histórias tão saborosas quantos os pratos que encontramos nos nossos melhores restaurantes, como a influência de portugueses na cena gastronômica de Niterói. Fala também da paixão do Rio pelo churrasco e da origem do serviço de rodízio nas churrascarias. No Rio Gastronomia, o tema escolhido foi a gastronomia de favela, à que dedica um capítulo especial em seu livro.  Divide a mesa com Jailson de Souza e Silva, jornalista e estudioso sobre o tema, nascido e criado em comunidade. “A favela gera saberes para a gastronomia do Rio, desde a mão de obra até receitas. É legal observar as influências de formação. Muitas das vezes uma pessoa criada em comunidade tem em sua família a cultura popular nordestina”, comenta. No final de agosto, o livro chega a FLIN (Feira Literária de Madalena). “

Nascido e criado em Niterói, Cezar nasceu com o DNA de Assessor de Imprensa. É atualmente assessor da Abrasel Leste Fluminense (Associação de Bares e Restaurantes) e assessor de imprensa de um restaurante português no Rio de Janeiro. Também faz algumas consultorias, como a do Bistrô Reserva. Desde os anos 90, se debruça sobre a Gastronomia, quando começou a ter contato com chefs italianos e franceses de renome que adotavam a cultura da cozinha autoral. Foi um dos pioneiros na divulgação da gastronomia na cidade, e atuou por 10 anos como assessor do grupo Porcão.

Durante sua trajetória, Cezar teve a ideia de fazer eventos abertos ao público na rua, com uma cozinha cenográfica. Os chefs de restaurantes e enólogos eram convocados a dar aula em plena Praia de Copacabana. Depois, ele trouxe o evento para a Rua Nóbrega e chegou levar também para shoppings de Niterói e do Rio.

O jornalista de Niterói Cezar Marques. Foto: Divulgação

Agora, Cezar também escreve alguns projetos para Niterói, como a de um evento português no ano passado, e também para o governo do Estado do Rio, onde está criando um projeto que fomenta toda a cadeia produtiva de alimentos que têm como origem o mar.

O A Seguir conversou com Cézar Marques sobre os rumos da gastronomia no Rio e, em especial, Niterói. Confira:

A Seguir: Niterói: Comente um pouco sobre a seleção que você fez dos restaurantes de Niterói. Tem os restaurantes portugueses, que tem uma influência muito presente na cidade…

Cezar Marques: Primeiro de tudo é importante ressaltar que o livro não é um guia de restaurante. Ele é um recorte na gastronomia do Rio de Janeiro, fruto de uma live que fiz com o Senac no início da pandemia, quando a gente falou sobre como seria o futuro do segmento no pós-pandemia. As citações dos restaurantes de Niterói se dão em dois momentos: primeiro, no empreendedorismo português. Quando Dom João desembarcou em 1808, teve um impacto de crescimento muito grande no Rio de Janeiro e também no estado do Rio de Janeiro. A colonização portuguesa é uma base da gastronomia do Rio, assim como a africana e a indígena.

Da mesma forma que os portugueses chegaram no Rio de Janeiro, em Niterói também tivemos a chegada deles, ali na região da Ponta da Areia, que ficou conhecida depois como um sub bairro, Portugal Pequeno. Os principais restaurantes que cito no livro são a Gruta de Santo Antônio (Dona Henriqueta e seus dois filhos, Alexandre e Marcelo), o Caneco do Mário, Seu Antônio. Todos esses são abordados num capítulo especial do livro dedicado ao empreendedorismo português.

O outro capítulo fala da chegada das churrascarias e do espeto corrido, onde eu conto uma história dos sulistas, da cidade Nova Bréscia, próxima à Porto Alegre. Eles foram os pioneiros a sair de lá e abrir churrascaria em São Paulo e no Rio de Janeiro. Aqui em Niterói nós temos um empreendedorismo sulista muito grande, com os gaúchos que trabalharam em churrascarias e depois abriram seus negócios. Como é o caso do Osmar Buzin que tinha a churrascaria Rincão e abriu depois um a quilo, o Noi, o Paludo que abriu suas operações. Eles eram ex-garçons do grupo Porcão e eram da cidade de Ronda Alta e Rondinha. A família Mocelin, em que os irmãos e primos foram fundadores do Porcão.

E tem uma história curiosa sobre a origem do churrasco rodízio que você conta no livro…

Teve um gaúcho de Nova Bréscia que saiu jovem da cidade e foi abrir um restaurante de carne à la carte no interior de São Paulo, meio próximo de beira de estrada. Teve um dia que teve uma festa religiosa na cidade e, como isso, surgiu uma quantidade grande de romeiros pela cidade e com isso o almoço dele lotou, mais que o esperado. E isso provocou um problema nas operações, os garçons começaram a trocar os pedidos. Quem pedia maminha vinha alcatra, uma picanha vinha filé mignon. Até que ele reuniu todos os garçons e pediu para eles levarem carne para todo mundo, independente do pedido e, com isso, nasceu, o churrasco de espeto corrido, o que mais tarde, se convencionou chamar de rodízio de churrascaria.

Esse cara, o Albino Ongaratto, foi pioneiro no ramo de rodízio de churrascaria e depois dele muitos de Nova Bréscia começaram a querer seguir os mesmos passos, de ir para cidade grande e começar negócios, já que havia pouca opção no interior do Rio Grande do Sul. Muitos foram recrutados para trabalhar no eixo Rio-São Paulo. A cidade virou a capital da churrascaria do Brasil. Tem até uma estátua de churrasqueiro com um espeto de carne na mão em homenagem numa pracinha. Fogo de Chão, Marius, Porcão, todos eles vieram depois da geração do Albino.

Tem um segmento também de churrascaria que foi desdobrada no a quilo. Formado por quem foi funcionário, abriram suas churrascaria e depois fizeram o desdobramento do a quilo. Aqui em Niterói o a peso deu uma retraída depois da pandemia, com as regras de vigilância sanitária. O Osmar Buzin montou a operação a peso, o Paludo, o Ativa. Outros montaram barzinho ou a la carte que revelam muito dessa formação de escolas gaúchas. O Verdana, por exemplo, é do Zé Nilo, de Nova Bréscia, que foi garçom de churrascaria e montou um restaurante em SP, o Verdana e o Tenore, aqui em Niterói. O Tenore, que era a peso, com o advento da pandemia, virou churrascaria. Tem o Biasibett, que é uma churrascaria de carnes nobres, também criada pelo Zé Nilo, na rua Mariz e Barros, em Icaraí. Então, tem essas variações.

Saindo um pouco do nicho de churrascaria, podemos dizer que a pandemia mudou o funcionamento de vez de alguns restaurantes, como é o caso da Beira Mar. O restaurante continua funcionando a quilo, com a comida exposta, mas agora, quem serve são os próprios atendentes…

A Beira Mar também vem da geração de portugueses que abriram seus próprios negócios. No caso agora quem toca é a neta do Seu Gentil, português. Os mercadinhos e mercearias, muita coisa tem influência portuguesa. Mas sim, a pandemia afetou demais. A Anvisa teve que ressignificar seus protocolos e eles tiveram que ser adotados, obrigatoriamente, pelos restaurantes. Esse caso da Beira Mar, se vai se perpetuar, depende. Se a operação está funcionando de modo que preserve a boa governabilidade e boa sustentabilidade do negócio, tudo bem.

Mas há uma tendência de algo que a pandemia trouxe e veio para ficar?

Eu acho que tem alguns pontos sim. Por exemplo, temos um álcool em gel na mesa em que estamos sentados. Não tínhamos isso antes. Hoje em dia nós mesmos sentimos a falta. O QR Code do cardápio, colocar luva de plástico, o uso de máscara em alguns estabelecimentos. Mas o mais interessante de legado é o fato das pessoas tratarem mais o alimento não somente como uma necessidade biológica, mas pela perspectiva do afeto. Hoje nós vemos as pessoas cozinhando mais em casa, tendo mais oportunidade de resgatar esse afeto da comida junto a mesa de casa, com a família e amigos.

O lockdown da pandemia nos forçou a ficar mais em casa e, com isso, tivemos que aprender algumas receitas. Tem uma parte boa da população que hoje se permitiu isso. Isso de certa forma afetou os restaurantes, que tiveram uma redução radical de clientes na pandemia e depois teve uma volta gradativa, mas acho que ficou ainda esse negócio de fazer um prato em casa. A compra de vinho pela internet também aqueceu muito esse mercado. Muitas importadoras partiram para uma nova dinâmica de trabalho que era criar uma plataforma online e fazer as vendas pela internet, partiu da necessidade do momento, mas perdurou. As importadoras de vinho continuam vendendo para restaurantes, mas mantiveram as suas plataformas online para venda específica para consumidor direto.

Como você avalia o cenário gastronômico de Niterói atualmente? Tem uma leva de restaurantes vindo do Rio, como Madero, o Tutto Nhoque, Japa da Quitanda, Mamma Jamma, Coco Bambu. Parece que a cidade tem se destacado como um polo gastronômico. 

No passado você tinha a formação de cozinhas autorais, o chefe montava o restaurante dele. Da mesma forma, e agora, traçando um paralelo, os estilistas montava a loja dele. As grifes viraram grupos grandes, fortes. E o mesmo esquema está acontecendo com os restaurantes. Esquecemos de citar, mas tem também o Gurumê, que irá abrir em frente ao Torninha.

Trata-se de uma concepção de grupos. São grandes investidores que aportaram nas marcas e criaram um padrão, deram um posicionamento, um conceito institucional e, por conta disso, o avanço de novas operações, é inevitável. Eu acho que Niterói é uma cidade que ainda que tenha proximidade ao Rio, ela tem bons indicadores econômicos, bons resultados. Ela cresceu no que diz respeito à moradia. Alguns bairros que eram apenas de veraneio, estão mais abastecidos de comércio, como é o caso da Região Oceânica.

Observamos uma tendência de grupos corporativos. É uma realidade que temos. O crescimento está horizontalizado.

Mas ao mesmo tempo tem os restaurantes que não são de grupos, mais tradicionais, como o Torninha, o Seu Antônio…

Sim, mas é uma mudança radical. O quarteirão da Torninha, por exemplo, tem o Mamma Jamma do lado e o Gurumê em frente. Acho que no caso a Torninha e o Seu Antônio vão ser preservadas. Elas sentem, mas resistem. O Torninha é um restaurante de tradição na cidade. Os dois irmãos aprenderam a trabalhar com restaurante com o pai, que tinha a Tratoria Torna, na Gavião Peixoto, que acabou fechando com uma especulação de crescimento, mais uma vez de grupo, dessa vez o Burger King, uma rede de fast food e o Torninha foi criado. É uma cozinha autoral, muito específica, a gestão também é muito específica. Eles estão ali na legitimidade que é ter um restaurante. Esse é um diferencial. Acho que o tempo que dirá.

O que o público de Niterói está buscando atualmente em termos de gastronomia?

Eu brinco que se você quiser abrir um restaurante em São Paulo ou até em Nova York é mais fácil que em Niterói. Aqui tem um jeito  muito particular. A gente quer saber quem é o dono, fazer amizade. Acaba que o senso crítico fica mais aguçado, ficamos fiel a cada lugar. É mais trabalhoso para quem é dono de restaurante que não é de rede. Acaba que a gente busca esse atendimento mais humanizado, mais personalizado.

Temos o segmento da classe média alta que sai de Niterói para o Rio de Janeiro e por mais que a carne às vezes é melhor do que a do Village Mall, mas lá acaba que as pessoas têm outro tipo de experiência, como ver a esposa do Rodrigo Hilbert passando. Mas por outro lado, há consumidores bons aqui, uma fidelização. A cidade responde bem. Há uma entrega de serviço, de produto. Todas essas grandes redes também, o Gurumê, o Japa da Quitanda, o Mamma Jamma têm muita qualidade.

Qual sua avaliação sobre o Mercado Municipal? O que ele irá acrescentar na cidade? Qual lacuna ele preenche?

Ainda não conheço o Mercado Municipal. Mas o fato de resgatar um local, que estava fechado durante anos e conseguir ressignificar sua existência, isso expressa o compromisso com a memória e patrimônio da cidade. Espero que ele tenha uma  boa governabilidade e que consiga dar oportunidade aos pequenos produtores da região e arredores, pois isso corrobora com o desenvolvimento local sustentável. Entendo que todo e qualquer mercado municipal cumpre esse papel.

A cidade também tem ofertado de restaurantes sofisticados, de cozinhas mais autorais. Comente um pouco sobre eles.

O setor gastronômico está cada vez mais amplo, com muitas cozinhas  variadas e sabores diversificados. Temos um importante crescimento das  escolas e cursos de formação em gastronomia, inúmeros programas de TV com o tema. Nesse sentido, é natural o surgimento de profissionais talentosos e o avanço de novas operações podendo ser cozinhas sofisticadas ou mais populares.

Como exemplo temos o chef Leonardo Guida que abriu uma casa antiga no Engenho do Mato que era do avô e montou sua cozinha autoral. O Mr Lang do Sven, que exerce até hoje o oficio de pescador e leva peixes frescos para sua cozinha onde recebe seus clientes num lindo jardim bucólico de uma casa na Região Oceânica de Niterói pilotando sua parrilla. Assim como outras casa na cidade que sempre primam pelo serviço e a qualidade do produto que entregam na mesa. Quem ganha com isso é o consumidor, com opções de escolhas variadas e, é claro, ganha a cidade com a geração de emprego e renda.

Niterói também tem sido palco de muitas feiras gastronômicas, mas muitas parecem diferentes da proposta do Rio. Como você classifica essas feiras, em que elas podem aprimorar?

As feiras trazem diversas abordagens. Existem eventos mais específicos como o Rio Je T’aime, tipicamente de gastronomia francesa que Olivier Cozan fazia no Reserva Cultural com chefs renomados como Roland Villard, Frederic Monnier, entre outros. Temos a Feira Orgânica que acontece todo sábado no Campo de São Bento; e também outras mais populares com eventos musicais e outras atividades em diversos locais da cidade. Esse cenário variado de possibilidades passa por uma certa democracia na gastronomia.

Não precisa existir uma fórmula certa ou formato ideal. Temos públicos variados de consumo e com comportamentos diferentes. Temos até a construção civil fazendo apartamentos com varanda gourmet, onde a pessoa aprende uma receita e ela mesma cozinha em casa com a família. Isso é uma mudança grande e rápida, motivada ainda mais pela pandemia. O mais importante é a compreensão de que a gastronomia faz parte da vida cultural do morador, do bairro, da cidade que ele habita. Esse é o entendimento de território, de pertencimento histórico, da pluralidade da cidade e de quem nela vive.

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