12 de dezembro

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Jornalista de Niterói lança livro que celebra a boemia carioca

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Em entrevista ao A Seguir: Niterói, Grandelle fala das suas inspirações para o livro, que reúne 33 contos, seus próximos projetos e da sua estreita relação com a cidade
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Renato Grandelle exibe seu livro de estreia, ” Barreto me criou na Lapa e outras histórias”. Foto: Johanns Eller

Como se acompanhasse o leitor ao longo de um dia inteiro, o livro de estreia do jornalista Renato Grandelle convida a um passeio  entre a Zona Sul e o subúrbio do Rio de Janeiro. O primeiro conto começa com um protagonista que acorda antes do amanhecer. Os últimos são do submundo noturno – de um inusitado tráfico de livros, dos assassinatos de aluguel, da prostituição. As exceções são os dois últimos. Um se passa no dia 31 de dezembro, data que é um desfecho natural, como o encerramento de um ciclo, de um ano, e o outro é uma simulação do lançamento do livro, ou seja, o resultado de todo o trabalho.

“Barreto me criou na Lapa e outras histórias” chega ao público em forma de convite a uma jornada inusitada de encontros e desencontros, na boemia dos bares que é plano de fundo para tantas histórias que podem passar batidas caso o espectador não esteja atento para capturar os melhores momentos do desenrolar dessa narrativa.

O livro, que reúne situações típicas vivenciadas em bares, ganha o frescor de quem tem a habilidade de narrar histórias sob o ponto de vista de um olhar curioso. Na obra, em determinado momento, o niteroiense faz uma homenagem ao Campo de São Bento, local que serve de contemplação ao próprio autor. O cenário releva uma dicotomia: uma separação de um jovem casal e um encontro de outro.

– Eu acho que o Campo de São Bento é um bom cenário porque sempre me remeteu à tranquilidade, a um local de reflexão. Quando eu caminho eu gosto de passar por ele. É um bom local para você tomar grandes decisões da sua vida. E é um passeio bastante inspirador, de contemplação mesmo – ressalta.

Com frases cortantes e bem-humoradas, o jornalista Renato Grandelle, que trabalhou nas redações do Jornal do Brasil e do Globo, sempre foi reconhecido por arrancar risadas dos amigos quando transformava em posts suas impressões sobre o cotidiano – em especial, ao compartilhar suas desventuras pela boemia carioca. Formado pela PUC-Rio e tendo trabalhado mais de 15 anos como repórter, Grandelle reuniu seus melhores contos no livro “Barreto me criou na Lapa e outras histórias”.

O lançamento ocorreu nesta quinta-feira, 10 de março, na Banca Bossa, no Leblon, às 18h. Editada pela Cintra, a obra conta também com com uma versão em e-book. O texto direto e levemente ácido rende homenagens ao prosaico cotidiano do subúrbio, aos caóticos diálogos dos bares e, claro, ao Carnaval.

O livro reúne 33 contos selecionados em uma vasta produção literária que Grandelle costumava publicar em suas redes sociais. O autor nega que seus textos tenham um perfil autobiográfico, mas confessa que o conto “Barreto me criou na Lapa” foi eleito para dar nome ao livro justamente por ser aquele em que o narrador mais se aproxima do autor.

Atualmente fora das redações, Renato trabalha com sua outra paixão: o meio ambiente, atuando como coordenador de Comunicação da coalizão Brasil, Clima Florestas e Agricultura, um movimento formado por mais de 300 ONGs que discute políticas públicas para o meio ambiente. Nela, Renato comanda a Assessoria de Imprensa, Mídias Sociais e os posicionamentos coletivos dos grupos. A coalizão tem se posicionado como um importante ator na formulação de propostas e soluções que ajudem o Brasil a implementar os compromissos assumidos nesse acordo climático global.

A proposta do grupo é contribuir para os debates nacionais para a formulação das principais políticas públicas, instrumentos econômicos e experiências nos setores relacionados ao uso da terra no país. Também são responsáveis por levar as próprias propostas às Conferências das Partes (COPs) e outros fóruns para apresentação ao público internacional.

Em entrevista ao A Seguir: Niterói, Grandelle fala das inspirações para o livro, dá um spoiler sobre os próximos projetos, explica como começou a sua relação com o meio ambiente e diz em que pé anda o diálogo entre os jornalistas e os cientistas.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

A Seguir: Niterói: Você escreveu o livro “Barreto me criou na Lapa”, que reúne contos inspirados na cultura de bar. Quais são algumas das situações mais inusitadas que você já vivenciou num boteco?

Renato Grandelle: Eu não lembro de nenhuma particularmente inusitada, mas acho que é comum ver situações, como casais rompendo na mesa ao lado ou quando você está entrando ou saindo do banheiro, você pode se deparar com casais se formando. Falam que o bar é a janela da alma das pessoas. É um local onde o público que frequenta se solta mais e é mais aberto a interações, a conhecer outras pessoas. Eu acho que é um ambiente mais transparente do que muitos outros que a gente circula. Acho que pelo fato também de as pessoas estarem sentadas, à vontade para conversar. A gente acaba revelando muito sobre a nossa natureza no bar.

Foto: Daniel Ramalho

Esse livro foi pensado para ser lançado justamente agora com o maior controle da pandemia e a maior flexibilização? Tem alguma relação com isso? 

Na verdade, esse livro vem sendo pensado desde 2017, quando eu comecei a fazer a coleta de contos. Eu selecionei 50 contos que eu escrevi em um blog, no meu Facebook e juntei com alguns inéditos. Desses 50, eu cortei 30 e escrevi mais 13, então são 33 ao todo. Comecei a levar essa coleta a sério mesmo em 2020 logo no começo da quarentena. Foi um processo lento. Os contos mais recentes foram escritos em 2021. Consegui uma editora no caminho. O livro era para ser lançado em dezembro, mas teve a Ômicron e, por conta disso, teve de ser adiado. O lançamento está previsto para esta quinta-feira (10) no bairro do Leblon, às 18h, na Banca Bossa, comandada por um fotógrafo muito legal que trabalhou comigo no Jornal do Brasil.

Você tem um conto que se passa Campo de São Bento, o “Que seja infinito, mas só até o réveillon”. De que forma o local também se torna um personagem da história?

Ah, sem dúvida. Eu gosto bastante do Campo de São Bento. Sou nascido em Santa Rosa, criado no Pé Pequeno e moro aqui até hoje. O Campo faz parte da minha vida. É um lugar que eu vou sempre quando quero andar um pouco e na pandemia isso foi super necessário, para espairecer. É o nosso Central Park.

Esse conto faz uma certa contraposição, uma certa dicotomia. Tem um casal que está rompendo e de um outro lado tem a tradicional família brasileira: os pais com seus com seus filhos. Então, de um lado é aquilo que a gente está acostumado a ver, um casal formado, e de outro um casal na casa dos 20/30 anos que está rompendo justamente no dia 31 de dezembro. A mulher fala que quer começar o ano de uma forma renovada e o cara não entende porque aquilo está acontecendo naquele momento.

Eu acho que o Campo de São Bento é um bom cenário para esse conto porque sempre me remeteu à tranquilidade, a um local de reflexão. Quando eu caminho eu gosto de passar por ele. É um bom local para você tomar grandes decisões da sua vida. É um passeio bastante inspirador, de contemplação mesmo.

O que você gosta de fazer na cidade?

Eu vou muito pouco à praia, porque gosto de ir quando ela está vazia, o que só ocorre dia de semana. Mas não posso ir porque trabalho no Rio e é raro conseguir folga. Gosto muito do canto direito de Camboinhas. Itacoatiara bate muito, então para entrar e sair do mar é terrível. Mas não dispenso uma subida no Costão. Gosto muito dos bares do Jardim Icaraí, aqueles mais próximo à rua Cinco de Julho e costumo ir também naqueles mais próximos do Campo de São Bento também. O que eu gosto mais de fazer é bloco de carnaval que, se você parar para pensar, dura cinco meses no ano. Não é algo que fica restrito a dois meses. Mas eu não vou a bloco desde 2020. Fiquei em casa me coçando neste ano para não me contaminar com a Covid.

Em uma recente entrevista, você citou que o livro é um pouco autobiográfico. Em que medida a ficção é incorporada aos elementos da realidade em seus contos? 

Eu admiro bastante um escritor homem, por exemplo, que consegue escrever na primeira pessoa como uma mulher. O Chico Buarque faz isso. Aliás, ele escreveu o livro Budapeste sem sequer ter ido ao local. Eu não consigo. O meu livro tem uma série de contos escritos na primeira pessoa que são justamente os mais reflexivos, que se associam muito à vida de um homem na casa dos 30 anos. E, como muitos contos foram publicados antes no Facebook, as pessoas vinham perguntar e comentavam: “isso só podia acontecer com você mesmo”. Tem um conto sobre um cara que a namorada termina com ele. Vieram perguntar se eu estava bem. E era um conto imaginado do início ao fim. Nunca tinha passado antes por aquela situação. Eu acho engraçado e não nego. Deixo rolar. Acho positivo porque convenci as pessoas. Nenhum personagem do livro é 100% eu.

O que mais tem traços autobiográficos é o “Barreto me criou na Lapa”, que tem manias que eu tenho, como jogar jogo da velha. Ou andar sempre com um bloco de notas para anotar algumas coisas. O que posso dizer é que tem pedaços de mim em algumas histórias.

Capa do livro “Barreto me criou na Lapa”, de Renato Grandelle. Foto: Divulgação

Por quê “Barreto me criou na Lapa”?

Quando eu fazia faculdade eu frequentava muito a Lapa. Acho que é um lugar boêmio por excelência, tem um ar de de decadência e agora acho que de uma certa revitalização. A Lapa se renova muito. Quanto a Barreto, é um nome que eu imaginei para o personagem. Eu tinha acabado de ler um livro de uma série de crônicas sobre a Lapa e um dos autores era o Lima Barreto. Na crônica, ele falava da prostituição na Lapa. Acho que é um bom lugar para a criação de um boêmio, por assim dizer. Falar da boemia e não falar da Lapa não dá. É algo que fica faltando.

Quais são os eixos temáticos do livro?

Eu costumo dizer que o livro se passa em um dia. O primeiro personagem apresentado acorda antes das seis da manhã. É um ambulante de ônibus que acorda cedo para trabalhar. Depois, a narrativa vai se passando conforme o dia, tem a hora do almoço, a tarde, o entardecer, à noite, então são vários temas: assassinato de aluguel, prostituição, casamento, traficante de livros. Há pessoas no livro que são itinerantes, que rodam a a cidade. E ao mesmo tempo tem outros personagens como os pais separados que se encontram para falar dos seus filhos, tem o encontro de mães e filhas. O livro retrata bem esse encontro, tanto de pessoas confidentes, como de improváveis.

Como tem sido sua relação com os bares atualmente? Você voltou a frequentar?

Minha relação com os bares continua firme, saudável e forte. Eu retomei em setembro e outubro de 2021 quando a pandemia melhorou um pouquinho. Em janeiro suspendi, com os casos da Ômicron e agora tenho frequentado mais os bares de Botafogo e de Niterói. Estou com certa dificuldade porque meus amigos mais recentes não gostam da Lapa, então é difícil eu ir lá. Mas a Lapa ainda ocupa um lugar muito afetivo em mim. Gosto muito também da Praça São Salvador, em Laranjeiras e dos bares de Icaraí.

Em uma postagem do Instagram você fala dos ônus e bônus de um repórter. Você diz que trabalhar até altas horas na sexta-feira ainda não parece particularmente atraente. Mas cultivar fontes, ganhar a confiança de gente que acha que você pode fazer diferença, publicar uma matéria exclusiva, conhecer e aprender a admirar uma geração nova… Isso dá vontade de seguir adiante. Quais são os principais desafios de cultivar uma fonte?

Eu cobria o Meio Ambiente, então é bem complicado. Tinha um clima meio de perseguição dentro do Ministério. As fontes conversavam comigo sempre em off. São poucos os repórteres, dos grandes jornais, especializados em meio ambiente no Brasil e a gente acaba sendo reconhecido por isso. No início de 2021, quando ainda estava no jornal O Globo, eu pedi para ser transferido para Brasília, porque fica mais perto dessas fontes. Eu ficando em Niterói levava desvantagem. As pessoas me conheciam por foto de WhatsApp.

É uma relação que exige muita responsabilidade, muita ética, confiança. É muito difícil construir uma confiança quando a pessoa que está te entrevistando pode acabar com sua carreira. São poucas as pessoas que conseguem colocar a cara à tapa. É uma construção de uma reputação. E as matérias vão melhorando com o tempo, as pessoas vão começando a te contar segredos e por aí vai.

Você também possui uma forte atuação na área ambiental, dialogando com questões relacionadas à Ciência. Na pandemia, houve certa virada de chave e uma proximidade entre jornalistas e especialistas para falar sobre os cuidados e prevenções da Covid. Como incentivar, cada vez mais, o diálogo entre jornalistas e cientistas? 

Existe um problema que é muito inevitável na relação dos jornalistas e cientistas que é o timing de cada um. Eu chegava no jornal às 14h e a matéria tinha que estar pronta no mesmo dia às 21h.

Diferente dos Estados Unidos, que conta para o currículo quantas entrevistas você concede, o cientista no Brasil não tem muita cultura de falar com a imprensa. E eles são ocupados. Muitas das vezes estão fazendo o trabalho deles e não podem te responder de pronto. Pedem para enviar as perguntas antes, para responder por escrito, refletir sobre elas e o repórter não pode esperar.

É uma relação tensa mesmo. Existe uma mudança muito grande em relação a timing e linguagem. É difícil conciliar muitas das vezes. Mas, de fato, a pandemia mudou muito isso, embora continuam sendo poucos repórteres especializados na área. Na pandemia, foi colocado em cheque a fé do brasileiro na Ciência. Quando você contesta vacina, você contesta a Ciência e muitos brasileiros optaram por ouvir esses especialistas e isso é muito bom. Houve um aumento do número de fontes, de cientistas que estão dispostos a falar. É uma relação que todo mundo sai ganhando.

Você confia em um diálogo maior daqui para frente entre cientistas e jornalistas ou ainda é um longo caminho?

É um longo caminho porque é um casamento que por enquanto tem um filho só. Quando a pandemia deixar de ser assunto, o que vai acontecer? A Ciência vai voltar a ser uma matéria de rodapé? Ela vai ganhar mais espaço? Vai ganhar mais editoria? Eu acho que ela vai voltar a ser um assunto de nicho. Poucos repórteres vão investir nisso, até porque o Brasil tem inúmeras outras prioridades e, por natureza, são poucos assuntos. É a crise econômica, a fome, a crise política. Eu acho que, infelizmente, o papel da Ciência no jornalismo vai ficar em segundo plano, mas quem sabe em um outro governo, que valorize mais a Ciência, os jornais, por tabela, comecem a valorizar mais também.

Você chegou a participar de uma palestra na Academia Brasileira de Ciências ressaltando a importância da comunicação entre jornalistas e cientistas e já trabalhou anos como repórter de Meio Ambiente. Como começou seu interesse na área da Ciência?

Foi muito por acaso. Eu era do caderno de Bairros do Globo. Na época eu fazia o Zona Sul. Normalmente, quando abria uma vaga na redação, eles procuravam o editor de Bairros e pediam para indicar algum repórter que fosse bom e estivesse disponível. Eu fui cobrir uma licença de maternidade no caderno Boa Viagem por um mês. Até que abriu uma vaga na editoria de Ciência e me indicaram. Foi um total acidente de percurso. Pensei que fosse ser transferido para o caderno de Política ou seguir na editoria Rio. Acho que no final das contas valeu muito a pena. E aos poucos o jornal foi deixando de cobrir temas mais áridos e fui escrevendo sobre assuntos mais palatáveis. O Meio Ambiente era restrito à editoria de Ciência. Agora tem Meio Ambiente na Política, na Economia… Na pandemia eu fiz muita matéria de saúde e depois que começou a vacinação, voltei para o Meio Ambiente.

Você planeja escrever outros livros? Já te pediram por exemplo uma espécie de diário de um repórter?

Eu estou terminando nesse momento uma biografia que foi encomendada por uma família, mas ela não deve ser publicada. É sobre um médico que foi criado no Morro de São Carlos, muito pobre que virou diretor da clínica Mayo, que é uma das principais escolas de medicina dos Estados Unidos.

O outro projeto é que antes de sair do Globo, em agosto do ano passado, eu selecionei 5o matérias minhas que foram publicadas na editoria de História e eu quero publicar uma coletânea com essa seleção, que contempla vários períodos: tem matéria sobre o Rio antigo, a Segunda Guerra, uma exposição. Eram sempre matérias pautadas no noticiário. Estou procurando uma editora no momento para lançar.

Quais foram suas últimas leituras? Pode recomendar três títulos que tenham te marcado muito?

O melhor livro que eu li recentemente foi “Cem anos de solidão”, do Gabriel Garcia Marques. Me identifico com a escrita dele. “Ao Sul de lugar nenhum”, que é um livro de crônicas do Bukowski. Outro que eu recomendo também é o “64 contos de Rubem Fonseca”, que é tipo uma versão nacional do livro de crônicas Bukowski, igualmente bom. E “Voyeur”, do Gay Talese.

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