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A dois dias da data em que se celebra o Dia do Índio, no Brasil, lideranças indígenas promoveram, nesta segunda-feira (17), um protesto, em Maricá. Integrantes da comunidade guarani Mbyá Tekoa Ka’aguy Hovy Porã (Aldeia Mata Verde Bonita), foram para a frente do canteiro de obras da empresa espanhola IDB para tentar interromper o início da construção do empreendimento Maraey – complexo turístico e residencial previsto para ser erguido em uma Área de Proteção Ambiental (APA) do município.
Em 2023, completam exatos dez anos que os indígenas moram naquela área. A tribo vivia em Camboinhas, na Região Oceânica de Niterói, quando teve a aldeia incendiada. A mudança de município se deu a partir de um convite feito pelo ex-prefeito de Maricá Washington Quaquá. Do movimento contra o empreendimento imobiliário também participam a comunidade pesqueira de Zacarias (povoado registrado ali em 1797, pelo Mosteiro de São Bento) e ambientalistas.
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Em nota, em resposta ao A Seguir, o IDB informou que Aldeia Tekpa Ka’aguy Hovy Porã se instalou temporariamente em área privada do empreendimento, em 2013, durante o curso do licenciamento do projeto.
“A empresa reforça seu respeito integral à cultura ancestral da Aldeia Tekpa Ka’aguy Hovy Porã. Trabalhamos ao lado das lideranças indígenas da Mata Verde Bonita e de representantes da Prefeitura de Maricá e da FUNAI na busca por uma área definitiva para o assentamento permanente da aldeia, mais adequada às necessidades do grupo, com solo fértil e acesso facilitado à água, como pleiteia a comissão de representantes dos indígenas”, explicou a empresa.
Em um abaixo-assinado contra o projeto lançado pelo movimento SOS Restinga Maricá, é informado que a localidade escolhida para o empreendimento abriga: ecossistemas nativos da mata atlântica com alta biodiversidade e alto grau de preservação, com destaque para o ecossistema de restinga; locais de pesquisas acadêmicas mais antigos e de maior quantidade em restinga no Brasil; espécies animais e vegetais ameaçadas de extinção e 18 únicas no mundo; sitos arqueológico e históricos de diferentes períodos.
De acordo com o documento, o empreendimento pretende destruir ao todo áreas do tamanho de 15 hectares (campos de futebol do Maracanã) de ecossistema nativo de restinga – bioma Mata Atlântica e 85% do território do povoado pesqueiro.
A comunidade guarani Mbyá Tekoa Ka’aguy Hovy Porã é formada, atualmente, por 180 indígenas, liderados pela cacique Jurema Nunes. A maioria trabalha na própria aldeia, tendo a venda de artesanato como renda principal.
Durante a manifestação, integrantes da aldeia informaram que, com o início das obras, os homens já não podem mais circular na Área de Proteção Ambiental da Restinga em busca do sapê, com o qual constroem suas ocas. Disseram também que as jovens indígenas foram barradas dos campos onde encontravam as sementes com as quais fazem artesanato.
Em Maricá existe uma segunda aldeia indígena, da mesma etnia, porém, de tribo diferente. A comunidade Céu Azul fica em Itaipuaçu e é formada por cerca de 40 pessoas. Essa comunidade é liderada pelo cacique Wanderley da Silva. São originários do Espírito Santo e se instalaram na região a convite do proprietário das terras onde se instalaram.
Os Mbyá Tekoa Ka’aguy Hovy Porã têm uma população formada em sua maioria por jovens. A Céu Azul tem mais crianças e adultos.
Os integrantes do movimento SOS Restinga Maricá também informaram que o início das obras para a construção do complexo desobedece decisão do Superior Tribunal de Justiça do último dia 27 de março.
A realização do empreendimento está envolvida em uma disputa judicial antiga. Em 2021, um acórdão do STJ restabeleceu a validade de uma liminar que suspendeu os pedidos de licenciamento, loteamento, construção ou instalação de qualquer empreendimento na Restinga de Zacarias, que integra a Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá (RJ), a cerca de 60 quilômetros do Rio de Janeiro.
A discussão jurídica ocorre no âmbito de uma ação civil pública movida em 2009 pela Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá (Apalma).
“A área em litígio é composta por restinga, ecossistema raro e em vias de desaparecimento, um dos mais ameaçados do Brasil em razão de incessante pressão antrópica, mormente a imobiliária e a de lazer, ao longo da nossa costa e sobre o qual há vários precedentes no STJ”, registrou o acórdão de 2021.
Quase um ano depois, a Décima Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) liberou a obra.
O empreendimento Maraey engloba uma área de 840 hectares entre a Praia da Barra de Maricá e a Lagoa de Maricá. O projeto do complexo prevê a construção de hotéis, clubes, shoppings, campo de golfe, centro hípico, prédios e casas residenciais, restaurantes e escola de hotelaria. A obra está prevista para ser concluída em seis anos, a um custo total de R$11 bilhões.
De acordo com o IDB Brasil, não há decisão judicial vigente que impeça o desenvolvimento do empreendimento e que, “cumprindo todos os protocolos e autorizações dos órgãos competentes”, iniciou as obras de infraestrutura do empreendimento no último dia 3 de abril, que seguem em curso.
A empresa, que lidera o projeto desde 2010, esclareceu, na nota enviada ao A Seguir, que não cabe no julgamento do STJ, de 21 de março de 2023, “qualquer decisão de cancelamento de licenciamento do empreendimento ou suspensão das obras”:
“O Acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), analisando questões meramente processuais, indeferiu os agravos interpostos pela IDB Brasil e pelo Município de Maricá, e determinou apenas o prosseguimento da ação na primeira instância do TJRJ”, afirmou a empresa.
De acordo com o IDB, a fase inicial de trabalho contempla a instalação de viveiro, além do resgate e manejo de flora e fauna, seguidos da demarcação e da limpeza do viário.
“Não há destruição da cobertura vegetal, nem impedimento de circulação de pessoas, exceto onde estão sendo desenvolvidas as atividades de interesse público. As vias principais serão doadas ao município e servirão como importante eixo entre Itaipuaçu, Centro de Maricá e Ponta Negra, reduzindo o impacto do trânsito na rodovia RJ-106 e, também serão doadas às concessionárias dos serviços públicos as redes de infraestrutura executadas”, informou o IDB.
Sobre a manifestação da Aldeia Mata Verde Bonita, a empresa afirmou que respeita posições contrárias ao empreendimento e está aberta a debates, “mas rebaterá sempre informações falsas, distorcidas ou contrárias à realidade”.
De acordo com a empresa, foi construído um projeto “equilibrado e sustentável”, capaz de conciliar os “benefícios econômicos de um importante complexo turístico-imobiliário com valores ambientais e sociais objetivos”.
A nota informa que as iniciativas do projeto incluem a criação da segunda maior RPPN de restinga do Estado do Rio e a construção de um centro de pesquisas científicas, “gerando acordos de colaboração técnico-científicas com pesquisadores de instituições como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a Universidade Federal Fluminense (UFF), o Laboratório de Biologia e Ecologia de Formigas da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e o Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG)”.
A empresa afirma que, em Zacarias, que ficará dentro do empreendimento, o projeto é apoiado “por mais de 70% dos moradores segundo pesquisa realizada no território” e que o empreendimento como um todo conta “com o suporte da Colônia de Pescadores Z-7 (Maricá e adjacências)”:
“O apoio comunitário da região vem embalado por iniciativas como a regularização fundiária dos moradores de Zacarias, os programas de revitalização da lagoa e de fortalecimento da pesca artesanal e a construção de um centro de memória para o resgate da cultura local, além, é claro, dos programas de qualificação e da prioridade na contratação de mão-de-obra no município”.
Em resposta a questionamentos feitos pelo A Seguir, a Prefeitura de Maricá enviou a seguinte nota:
“A Prefeitura de Maricá mantém diálogo permanente com as lideranças das duas aldeias indígenas da cidade, e com a Funai, para garantir a elas a melhor infraestrutura e o respeito às suas tradições.
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