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Eles estão por toda parte. Em alguns casos, passam despercebidos, em outros são enaltecidos em fotos e vídeos que ganham nova dimensão com as redes sociais. Marginalizado por alguns segmentos da sociedade, o grafite está entre os movimentos artísticos que, durante muito tempo, enfrentaram os mais diversos tipos de represália e preconceito. Agora, salvo raras exceções, tem conquistado cada vez mais espaço e reconhecimento. Os muralistas se tornaram grandes entidades ao conseguir traduzir as vivências da rua por meio da arte. Eles expressam narrativas da cidade e questões diversas que atravessam a realidade, numa espécie de manifesto, propondo críticas e reflexões por meio das formas, cores, traços e, às vezes, escritos nos muros. Junto a outras expressões artísticas, o grafite, com toda a sua liberdade artística impressa nos murais, faz parte da cultura popular.
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O grafite, que surgiu no movimento da contracultura como crítica aos padrões impostos do fazer arte, tem sido utilizado como uma forma de repaginar regiões deterioradas, abandonadas pelas administrações públicas.
Não à toa, Niterói, assim como outras cidades, entendeu isso e há exemplos espalhados por vários cantos da cidade que revelam como tem sido colocado em prática. A Rua José Figueiredo, no Centro da cidade, por exemplo, se tornou um verdadeiro reduto dos artistas ao decorrer dos anos, até ela se tornar uma galeria de arte a céu aberto com 1.400 m². Tudo começou em 2012, mas foi apenas em 2018 que a rua ganhou novos ares, quando a Secretaria de Cultura de Niterói, em parceria com empresas privadas, organizou o projeto “Arte na Rua”. O evento tinha como objetivo principal estimular a ocupação do espaço urbano e torná-lo uma opção de lazer.
O reduto dos artistas, em Niterói
Entre artistas consagrados e iniciantes, o projeto “Arte na Rua” reuniu mais de 40 grafiteiros do Rio de Janeiro e de Niterói, além de cinco convidados: Juliana Fervo, Kajaman, Davi Baltar, Pakato e Rafa Mon. O A Seguir: Niterói esteve na Rua José Figueiredo para conferir o que permaneceu depois de quatro anos e conversou com um dos precursores deste movimento de arte de rua na José Figueiredo, Davi Baltar. O artista, morador da cidade, pintou pela primeira vez em 2012, quando a rua ainda era bem esquecida no Centro. Em 2018, ele, junto de outros amigos, participou de um grande evento, quando a rua ganhou outra cara, com calçamento reformado, iluminação e muitos artistas pintando. Mas ledo engano quem pensa que sua história com o grafite começou ali.
– O primeiro contato que tive com um grafite na vida foi do Fábio Ema em 1998, mas meu começo na arte se deu apenas em 2006, numa oficina no Morro do Palácio. Dali para frente não parei mais. Minhas pinturas estão mais pelo Centro de Niterói, mas tenho pintura também na Zona Norte (Barreto, Engenhoca, Fonseca). Tenho alguns grafites em favelas também, no Estado, Palácio, Pimba… Hoje prefiro pintar em favelas e nas ruas mais sossegadas, pois o trabalho dura mais – conta Baltar.
Como está tudo muito caro, a começar por uma ida ao supermercado, imagina o material utilizado pelos artistas. Um dos maiores desafios para quem faz arte hoje em dia é ter recursos para pintar na rua, sem ter a certeza de que o seu trabalho vai durar, pois na rua tudo é efêmero. “E o mais complicado, você acaba tendo que abrir mão de outras coisas importantes, por acreditar muito no grafite”, endossa Baltar.
Segundo o artista, a cena atual tem coisas muito boas, apesar de algumas ressalvas que podem tornar o processo mais perene. Embora muitos fatores dificultem a sua execução e permanência, verdade seja dita: quem começa no grafite hoje em dia sai na frente porque tem muito mais referencial para evoluir mais rápido.
– Tem coisas que acho negativas, tipo os grafites que chamamos de “instagramáveis”, tipo aquelas asas, sabe? Isso não estimula o público a olhar a obra e pensar sobre ela, mas sim dar as costas e fazer do grafite apenas um pano de fundo para uma foto. Meu impulso é poder usar a cidade como um suporte para as artes. Nós que somos cidadãos temos que entender que as cidades não podem ser um lugar de medo e que só podemos ter acesso ao que se pode pagar. Quem disse que um pilar de viaduto fica melhor na cor cinza do que com uma arte? Um muro de encosta, assim como várias áreas públicas podem, e devem, ser usadas pelo povo para se expressar, sempre com responsabilidade – completa o artista, que também possui um mural no Morro do Palácio, no bairro do Ingá, em Niterói.
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Uma homenagem às mulheres atletas
Há dois anos, um mural de 30 metros de comprimento foi inaugurado
na subida da Avenida Engenheiro Martins Romeo, quase em
frente ao MAC. Neste dia, 15 de outubro, era comemorado o aniversário da participação de uma das grandes homenageadas, a ex-alteta Aída dos Santos, nas Olimpíadas, em que fez história alcançando a quarta posição no salto em altura. Do artista plástico Marcelo Lamarca, o projeto tem Aída como principal homenageada. Patrocinado pela construtora MRV, o mural faz parte do projeto “Elas transformam”, que apoia atletas mulheres de diversas modalidades. Para concorrer ao patrocínio da MRV, as atletas tiveram que passar por uma triagem. Os principais critérios de seleção foram as histórias de superação e a força da trajetória de cada uma.
Foram nove dias intensos para que o mural ficasse pronto. Um desafio, pois o muro tem uma textura de pedra, o que dificulta muito o trabalho. Mas o aprendizado muito grande. Na época, Lamarca conversou com o A Seguir sobre a força da arte e a importância da representatividade da atleta na história do esporte brasileiro:
– Eu fiquei muito honrado de ter sido convidado para fazer a homenagem para essas atletas, que possuem trajetórias tão marcantes. A repercussão do público que passou pelo local também foi incrível – conta Lamarca.
Estreia em grande estilo
Da periferia de São Paulo para o mundo. Nascido em 1975 no Jardim Martinica, bairro pobre da zona sul paulistana, o artista Eduardo Kobra tornou-se um dos mais reconhecidos muralistas da atualidade, com obras em 5 continentes, incluindo o recém inaugurado painel numa das fachadas do prédio da ONU em Nova York. É a primeira vez que um artista brasileiro consegue autorização para pintar no local. O painel, que conta com cerca de 400 m², traz um pai e uma filha segurando o planeta Terra e traz reflexões sobre sustentabilidade e preservação da natureza.
Recentemente, ele estreou seu trabalho em Niterói, com um grande painel em um local de extrema importância para a saúde pública. O mural está localizado na clínica Oncomed, que presta serviços aos pacientes do SUS, e representa a luta de pacientes contra o câncer.
Regulamentação municipal
Em outubro 2013, a Prefeitura de Niterói sancionou a lei de nº 3054, que autorizou o uso do grafite, como forma de expressão e de arte, nos pilares dos viadutos, pontes passarelas, pistas de skates e muros públicos selecionados. Em maio deste ano, a Prefeitura ampliou os locais das intervenções, com a lei de nº 3703. Portanto, além dos locais já autorizados, ficaram permitidos também os grafites em túneis e mergulhões. Ainda de acordo com a lei, a produção da lista de áreas grafitáveis da cidade deverá ser feita anualmente e atualizada semestralmente, ou sempre que solicitado pelo Conselho Municipal de Política Cultural de Niterói. Ambas as leis foram propostas pelo vereador Leonardo Giordano.
Para grafitar os espaços, basta os artistas consultarem, junto à Secretaria Municipal de Cultura, quais áreas estão disponíveis e informar sobre a intervenção. Qualquer grafite será permitido nesses locais – desde que não contenham imagens ou expressões abusivas e preconceituosas, conforme a legislação vigente no país.
Elaborada pelas Secretarias Municipais de Conservação e Serviços Públicos (Seconser) e de Cultura, a lista busca incentivar a prática do grafite. A destinação de novos espaços públicos para o grafite abre espaço para que os artistas niteroienses divulguem seus trabalhos, levando arte para todas as regiões da cidade. Além disso, a medida, segundo a secretária de Conservação e Serviços Públicos, Dayse Monassa, reafirma o compromisso da Prefeitura com a cultura.
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