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“Eu não trocaria Niterói por lugar nenhum”, diz Mc Carol

Por Redação
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“A cultura e o esporte são as únicas saídas que o favelado tem de ser alguém, de ser visto. O caminho da educação, para a gente, é muito estreito”
mc carol
MC Carol. Foto: Divulgação/Vincent Rosenblatt
Sucesso no país inteiro, Mc Carol é cria de Niterói. Aos 26 anos, coleciona sucessos, foi comentarista de reality show, atuou no filme “No coração do mundo”, é sensação no aplicativo Tik Tok. Tudo decorrência de sua carreira como cantora de funk que estourou no Brasil no início da década e, desde então, só cresce: a artista coleciona apresentações em todo o país e fora dele, aparições na televisão e show em festivais, como o Rock in Rio. Ainda assim, a Mc, que nasceu no Morro do Preventório, em Charitas, continua uma orgulhosa moradora de Niterói, preferindo viajar a trabalho do que sair da cidade em que nasceu. Ao A Seguir: Niterói, Mc Carol contou um pouco sobre sua carreira e sua relação com a cidade. Confira:
 
A Seguir: Você nasceu e cresceu em Niterói. Como é sua relação com a cidade?
 
Mc Carol: Acho que todo mundo vai defender o lugar de onde veio. Eu sou da parte de Charitas, nasci lá. É uma parte muito bonita porque é uma área de praia, com árvores. Para mim foi bem legal, eu não trocaria Niterói por lugar nenhum.
 
Que lugar da cidade é o seu preferido? O que era legal o que era ruim de morar em Niterói?
 
Há vários pontos da cidade, como o MAC e o Parque da Cidade, que são lugares muito bonitos. Mas acho que o meu lugar favorito é minha comunidade mesmo, do Preventório. Acho difícil uma parte ruim. Talvez a violência, esse negócio de polícia com bandido, do bandido com a comunidade, da polícia com a comunidade, dos assaltos. Mas isso está em todos os lugares.
 
Eu vi um relato seu de como o funk te salvou de uma adolescência difícil. Você pode falar um pouco sobre isso? Como a cultura pode ser ferramenta na vida das pessoas?
 
Acho que a cultura e o esporte são as únicas saídas que o favelado tem de ser alguém, de ser visto. O caminho da educação, para a gente, é muito estreito. Uma pessoa que tem uma estrutura familiar e dinheiro consegue colocar o filho na faculdade só focado no estudo. Quando a gente é da favela, pobre, antes dos 18 anos já temos que estar trabalhando para ajudar a família. Muitos adolescentes abandonam o colégio no meio do processo porque sabem que não vão ter futuro ali. A cultura é o único caminho que a gente consegue enxergar algum futuro, sabe?!
 
Por isso que eu falo que o funk salvou a minha vida. Pelo caminho dos estudos não dava mais, eu saí da escola para fazer “bico”. Se o funk não entrasse na minha vida, eu não sei onde eu estaria hoje, o que estaria fazendo, se estaria viva. E acho que a cultura é muito desvalorizada, eu acho que o nosso governo não se importa muito com a cultura, entende?! Pelo contrário, a cultura é metralhada para caramba, vista como coisa de vagabundo. No entanto, agora nessa época de pandemia, as pessoas estão usufruindo da cultura. Estão na live, vendo filmes, TV, séries…
 
Qual foi o momento em que você virou a chave? Que você falou: “agora eu vou me dedicar a isso porque eu quero ser artista”?
 
Eu virei a chave no começo, foi muito rápido. Eu não queria, nem sabia que eu tinha vontade de subir no palco e cantar. Mas a cada semana a vontade ficava mais forte e, em três meses [nos palcos], eu gravei o DVD da Furacão 2000. Logo após me chamaram para a televisão. Eu falei: “Ou eu paro agora ou eu foco”. Foi uma decisão difícil porque era uma época de mulheres frutas, não tinha ninguém parecida comigo. Eu pensei que ia ser um processo muito difícil, até pelas coisas que eu canto. Mas ali eu decidi que ia e bola para frente.
 
Por que você decidiu colocar o nome da cidade no seu nome artístico? Crescer em Niterói influenciou no seu fazer música?
 
Eu não sei por que eu coloquei Carol de Niterói nas músicas. Até hoje coloco. Tenho muito orgulho de ser daqui, acho que é por isso. Não sei se a cidade influenciou mas, de onde eu venho, por ser uma favela, tem muitas histórias. A gente senta na rua, para conversar com um grupo de amigos, e toda hora chega uma gíria, uma história nova. Eu faço música a partir daí, das minhas vivências, das coisas que eu vejo. Esse mundo de onde eu venho, da favela, é muito inspirador. Toda hora é uma coisa nova e isso vai te inspirando.
 
Você está no topo, é conhecida e admirada em todo o país. Fez parte de um reality show como comentarista, foi convidada para atuar em filme, é sucesso no Tik Tok, fez apresentação no Rock in Rio… Como é ter essa visibilidade toda? Imaginou que algum dia seria assim?
 
Eu nunca imaginei, o processo foi muito rápido. Me jogaram no palco e, em pouco tempo eu gravei o DVD, apareci na televisão, viajei pelo Brasil e fora dele também. Somando tudo, são nove anos de funk que eu tenho. E não era o meu sonho, eu queria estudar, queria fazer uma faculdade, tenho essa vontade até hoje, na verdade. A fama tem seus dois lados, o bom e o ruim. Eu tenho muito medo da fama. Eu sento na rua, no mototáxi, fico lá conversando e falando besteira no meio da galera, com mais de 30 homens. Mesmo cantando, eu tenho essa liberdade e fico tranquila de que, até hoje, ninguém vai bater uma foto minha, ninguém vai fazer isso ali no meu meio. Eu consigo me camuflar bem no meio dos meus amigos ainda e, se Deus quiser, para sempre. A gente quer o dinheiro, mas perder a liberdade, de não poder entrar num cinema nem ir no shopping, isso é assustador para mim.
 
Como você avalia a cena cultural da cidade? Acha que Niterói dá espaço para artistas periféricos?
 
Eu não sei se a cidade dá espaço para artistas não, eu acho Niterói bem parado em relação a isso. Dificilmente a gente vê projeto de alguma coisa. Acredito que não dá espaço, e eu falo ao todo, desde criança. Há muitas crianças que já são artistas, já fazem desenho, pintura, mas não têm como desenvolver porque não há onde, é muito difícil ver um projeto rolando. Tudo é pago e as famílias não têm como pagar. Se tivesse esse investimento nas favelas, quantas crianças deixariam de entrar nas drogas, no mundo do crime?
 
Tem que ocupar essas crianças para que elas não fiquem no meio da rua, jogadas. Porque, daqui a pouco, o tráfico chama. As pessoas acham que investir em armas é a solução para um futuro melhor, um futuro sem violência. Eu acho que não, que tinha que investir nas crianças. Nas comunidades tem muita gente talentosa, tem gente que canta, dança pra caramba, mas vai dançar onde? Tem criança que é articulada, que você olha e sabe que tem futuro.
 
É muita corrupção que rola no nosso país. Antigamente eu fazia futebol, voleibol, sempre estava fazendo alguma coisa. Ia para a escola de manhã e chegava em casa cansadíssima, já dormindo. Hoje em dia a gente não vê projeto nenhum, as crianças ficam o dia inteiro na rua, dentro de bar, brincando em sinuca ou fliperama.
 
A música que me fez conhecer você foi Meu Namorado é Mó Otário. Apesar de ser engraçada, ela também tem uma questão de empoderamento da mulher, uma troca de papeis do poder doméstico. Essa é uma questão que vejo muito presente nas suas músicas, desde o início. Trazer os temas de causas sociais para suas músicas sempre foi uma questão para você ou foi um processo que aconteceu conforme a sua carreira foi desabrochando?
 
Nada foi premeditado. As pessoas perguntam “ah, Carol, você se descobriu feminista, você é feminista desde quando?”. Mas eu nasci feminista. Desde pequena já havia muitas coisas que me incomodavam. Eu sempre ouvi que eu não podia fazer coisas porque eu era menina, tudo que eu queria fazer recebia um “não” por conta disso. Na escola, os meninos tinham a quadra reservada em um horário que não tinha aula e as meninas não tinham esse espaço. A gente tinha até um espaço para pular amarelinha, mas queria me quebrar, queria jogar bola. Quando eu comecei a compor, eu quis colocar coisas que eu não via. Dificilmente você vai ver na comunidade um homem cuidando da casa, um homem fazendo o que as pessoas dizem que é o papel da mulher. E eu compus, acredito que a partir do ano de 2016, a música 100% feminista. Eu coloquei o nome para gerar curiosidade, era uma palavra que todo mundo estava falando.
-Vejo você participar ativamente de movimentos sociais, e está sempre fazendo declarações sobre o tema, tanto nas redes sociais como nas suas músicas. Você acha importante que artistas que têm visibilidade e voz levantem essas bandeiras? A bandeira feminista, a antirracista, a de igualdade de renda…
 
Eu sou artista independente, então eu falo o que eu quero. Mas eu entendo também que para falar sobre esses assuntos tem que estar preparado, não é qualquer um que consegue. A gente vai vendo coisas e conversando com pessoas e entende que o caminho é estreito, se posicionar não é fácil. Há alguns anos atrás, eu nem queria saber, achava que todos os artistas tinham que se posicionar, mas é complicado. Exemplo: eu sempre ouço que minhas músicas não vão entrar na TV porque têm palavrão. Por que as músicas 100% Feminista, a Delação Premiada, a música Marielle Franco, que são músicas que não têm palavrões, não vão para programas de televisão? Porque eles não querem falar sobre isso. Violência policial e violência doméstica, por exemplo, são assuntos que não agradam. Se for uma música para dançar até o chão, aí beleza. Não é tranquilo se posicionar e perder espaço ou patrocínio. Tem que estar muito disposto a bater de frente.
 
Nas eleições de 2016 você concorreu a vereadora pelo PCd B. Você era muito próxima de Marielle e ela foi influência direta para que você se interessasse por concorrer. Você pode contar um pouco desse processo? O que você faria se tivesse sido eleita?
 
Eu fiz muitas coisas das quais me arrependo, mas acho que me candidatar foi a pior delas. Se eu tivesse ganhado eu renunciava, não ia ter estrutura emocional para encarar não. Eu ia ter que andar com segurança e sair do mundo artístico, não ia ter mais liberdade de ir na rua, de ir ao cinema, para nada mais. No meio da campanha eu já não queria mais, mas tinha tanta gente acreditando, trabalhando de graça, por amor, que eu fiquei sem saber o que fazer. Para você ter uma noção, eu postei uma foto da gravação de um clipe com um amigo MC, eu e ele estávamos segurando uma arma de paintball. Cortaram minha legenda e começaram a repassar isso, que foi parar em grupos de policiais de Niterói. Eu fui parada numa blitz e fui muito desrespeitada, xingada. Foi o pior período da minha vida. Eu não ia aguentar passar por isso o tempo todo, não ia ter estrutura emocional. A minha ideia era de que, lógico, não ia ser tranquilo, mas não achei que fosse ser assim. Eu sempre fui atacada, normal, mas tudo tem um limite.
 
O meu projeto era o de investir nas crianças, focar em projetos de cultura e esporte para a favela. Era contra a violência mas a longo prazo, para pegar na raiz do problema. Eu tinha a ideia de um ter colégio integral, em que a criança entra de manhã e sai à noite, que é o horário que a mãe chega em casa. E não ia ser só estudando, mas oferecendo também arte, danças, filmes, e a criança ia ficar ali o dia inteiro.
 
Qual a sua relação com a cidade hoje?
 
Eu gosto daqui, meus amigos e família estão todos aqui. Pretendo continuar em Niterói, gosto muito desse ar quente. Mas pode ser que eu mude de ideia, a gente está sempre em transição. Talvez ano que vem eu esteja com outra mentalidade.
 
Você ainda mora na cidade. Existe algum motivo especial para querer continuar morando aqui? Morar em uma cidade maior como São Paulo, por exemplo, não seria mais fácil de tocar a carreira?
 
Artisticamente, São Paulo seria muito melhor para mim. Para a minha profissão, morar no Centro do Rio de Janeiro ia ser muito melhor também, tudo que eu tenho que resolver eu tenho que atravessar a ponte. Mas eu não troco Niterói, não abro mão de estar perto dos meus amigos, da minha família, desse lugar.
 
O que você espera para o futuro da Mc Carol?
 
Espero que a MC Carol não se case e não tenha filhos tão cedo. Foque no trabalho, seja mais profissional, mais pontual. Que a Mc Carol deixe algumas coisas que não são importantes de lado, foque mais no trabalho e na saúde, principalmente a mental.
 
E para o futuro de Niterói?
 
Espero que as pessoas respeitem mais umas às outras. Isso não só para Niterói, mas para todo o mundo. Na verdade, prefiro que as pessoas respeitem em primeiro lugar a natureza e depois o ser humano. Porque se a natureza acabar, acabou o ser humano. Eu precisei ter uma casa alagada para entender a força da natureza, e quando a gente é novo a gente não se importa, joga lixo no chão e é isso. Depois que cresce é que entendemos por que que entope, alaga, destrói, e é porque nós mesmos não temos respeito com a natureza.
 

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