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‘Vivemos um bom momento, mas ainda não atingimos o controle da Covid’, afirma epidemiologista

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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O professor da UERJ e UFRJ, Guilherme Werneck, alerta para o risco de novos repiques e a importância da vacinação
Foto: Gustavo Stephan
Última das medidas de restrição caiu na última semana: o uso de máscara em aviões. Foto: Arquivo

A sensação, para muitos, é de volta à normalidade. Na semana passada, caiu a última restrição relacionada à Covid: a retirada da obrigatoriedade do uso de máscara em aviões. A medida adotada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) considera o cenário epidemiológico atual, que permite que algumas medidas sanitárias sejam atualizadas, como o uso obrigatório das máscaras. No entanto, a Agência reforça que o uso de máscaras e o distanciamento físico seguem como medidas efetivas de mitigação do risco de transmissão da doença e continuarão a ser recomendadas.

Mas quando, afinal, a pandemia de Covid-19 poderá ser considerada superada? O que se pode afirmar, de acordo com alguns especialistas, é que a Covid poderá se tornar endêmica, como a aids, dengue, gripe, malária e tuberculose. Assim como as demais doenças, ela estaria sujeita a variações sazonais, relacionadas às estações do ano. Mas quando ela deixará de ser uma ameaça, não há como prever. O fato é que as ruas foram tomadas por aglomerações, shows e festas funcionam em capacidade máxima, sem restrições, os transportes públicos seguem lotados e o uso de máscara praticamente caiu por terra.

Ao mesmo tempo em que é necessário virar a página, especialistas  defendem que é preciso mais investimento em pesquisa e em vacina, bem como uma distribuição mais igualitária dos imunizantes entre os países. Testagem em massa, rastreamento de contatos, preparação da assistência hospitalar. A qualificação hospitalar aliada ao monitoramento são ferramentas eficazes no combate à pandemia. Embora a situação atual permita a abolição de certas restrições, o legado da má gestão da pandemia pelo Ministério da Saúde deixa algumas lições.

O A Seguir: Niterói conversou com o epidemiologista e professor da UERJ e UFRJ, Guilherme Werneck, que alertou para a imprevisibilidade do coronavírus, a possibilidade de novos repiques e a importância de uma alta cobertura vacinal.

– O que observamos até aqui é que o coronavírus não apresenta taxa de mutação tão sistemática quanto a Influenza. Trata-se de um vírus novo que foi introduzido na população recentemente. Então, será preciso um pouco mais de tempo para avaliar se o coronavírus vai evoluir para mutações periódicas que necessitam de atualizações vacinais – avalia.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

– A Seguir: Niterói: Pela primeira vez, todos os indicadores estão perto de serem zerados. Na semana passada, caiu o uso de máscaras em aviões, uma das últimas restrições. Podemos afirmar que o cenário atual finalmente parece convergir para o maior controle da pandemia?

Guilherme Werneck: Eu diria que nós estamos vivendo o melhor panorama, principalmente do ponto de vista da mortalidade em relação a todo esse período da pandemia, iniciado em 2020. Mas ainda sendo o melhor cenário, observamos cerca de 100 óbitos semanais por Covid no Estado do Rio e algo em torno de 1.000 mortes semanais no Brasil. Então, a situação ainda não está totalmente controlada. Inclusive, do ponto de vista da incidência de casos novos, a gente já experimentou este ano dois picos de casos, com a chegada da Ômicron. Isso traz transtornos pela perspectiva de adoecimento da população.

A situação melhorou. Podemos dizer que é uma fase em que a gente pode de fato criar mais condições para suspensão de certas restrições, mas ainda não atingimos a situação de controle da pandemia. Não podemos afirmar isso. Mas certamente estamos vivendo um dos melhores momentos.

– Quais são os riscos de se abandonar o uso de máscara em locais fechados?

Eu acho que o momento de flexibilização do uso de máscaras e a suspensão de várias restrições é adequado. Mas eu ainda entendo que em lugares fechados e pouco ventilados, principalmente em transportes públicos, o uso de máscara deve ser estimulado.

Embora eu acredite que é um momento propício para se flexibilizar cada vez mais as medidas de prevenção, esse processo deve ser feito ao mesmo tempo em que o uso de máscaras pode ser – e deve ser – considerado uma medida de prevenção. O uso de máscara em ambiente fechado é importante para as pessoas se protegerem e ao próximo também. É necessário estabelecer um sistema de comunicação que estimule as pessoas a utilizarem a máscara em ambientes fechados, onde há pouca circulação de ar, e portanto, mais risco.

– Ao que tudo indica, a Covid se tornará um gripe ou há probabilidade de um novo repique devido às novas variantes?

Essas previsões são difíceis de serem feitas porque as características do coronavírus em relação ao vírus Influenza (da gripe) são diferentes. O vírus da gripe já se dissemina há muitos anos na população e, por conta disso, tem um padrão já relativamente conhecido de muitas ações, como as atualizações vacinais anuais. Hoje não podemos atribuir isso ao coronavírus. Aparentemente, o que observamos até aqui, é que o coronavírus não apresenta taxa de mutação tão sistemática quanto a Influenza.

Trata-se de um vírus novo que foi introduzido na população recentemente. Então, será preciso um pouco mais de tempo para avaliar se o coronavírus vai evoluir para mutações periódicas que necessitam de atualizações vacinais ou se ele vai simplesmente se tornar algo mais brando. Ou, ainda, se sempre haverá a possibilidade de uma ou outra mutação ocorrer episodicamente, colaborando para o surgimento de uma variante de preocupação que possa eventualmente escapar da resposta imune e causar a forma mais grave da doença ou até se disseminar mais rapidamente, exigindo que novas vacinas sejam atualizadas.

O mais importante é buscar o controle dessa pandemia. Não só no país como no mundo inteiro. Isso porque é justamente a interrupção da transmissão que limita a possibilidade do aparecimento de uma nova variante que, eventualmente, possa causar um estrago maior.

– Niterói tem um dos melhores índices de vacinação do Brasil e de ocupação hospitalar também. Esses fatores são suficientes para o controle da pandemia?

Essas condições são importantes para que os municípios e unidades federativas possam controlar a pandemia. O principal elemento hoje em dia é a alta cobertura vacinal. Eu diria que o adequado é mais de 90% da população com a dose de reforço em dia, inclusive de crianças e adolescentes. É a nossa principal ferramenta para o controle da pandemia. E é justamente o que pode reduzir de forma substancial o impacto da pandemia.

Associado a isso, a preparação para a atenção adequada ao paciente é fundamental. Não só do ponto de vista da oferta de leitos hospitalares, mas também da organização do serviço de saúde em geral, que vai desde a atenção básica, saúde da família, vigilância epidemiológica ao rastreamento de contatos. Esses são os elementos do SUS que precisam estar organizados. Niterói, assim como algumas outras cidades, tem estutura aprimorada em relação a isso, mas uma pandemia não respeita limites geográficos. Não adianta um município ir muito bem, se o vírus se espalha por todo o território nacional.

– Quais são as lições que podemos avaliar das medidas adotadas até então pelo Ministério da Saúde?

São principalmente lições negativas. Mas são lições que a gente leva para uma eventual pandemia no sentido de não repetir vários erros que foram cometidos. São questões relacionadas à compra e à distribuição de vacinas, como do ponto de vista da disseminação da informação correta, prevenção, redução do contato social, apoio as comunidades, preparação da assistência hospitalar, com oxigênio e ventiladores adequados, preparação da atenção básica para fazer vigilância epidemiológica, rastreamento de testes, estímulo à testagem.

Todos esses aspectos foram muito mal abordados e são legados negativos que a gente leva dessa pandemia. Graças à má gestão, houve um impacto significativo na mortalidade da população que levamos de lição para situações futuras similares a essa.

*Guilherme Werneck é professor associado do Departamento de Epidemiologia do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e professor adjunto do Instituto de Estudos de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desenvolve suas atividades no campo da Saúde Coletiva, com ênfase em Epidemiologia, e suas linhas de pesquisa versam principalmente sobre os seguintes temas: epidemiologia das doenças infecciosas, métodos epidemiológicos, epidemiologia e controle da leishmaniose visceral, análise de dados espaciais, bioestatística, avaliação da validade e confiabilidade de instrumentos de aferição, epidemiologia das violências.

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