Se ficar comprovado que o candidato nunca teve contato com o vírus e que está apto a participar, já inicia-se o teste no mesmo dia. A dose pode ser da vacina estudada ou do placebo, mas nem o voluntário e nem a equipe que aplicou são informados do conteúdo da seringa.
– Senti uma discreta dor no braço em que foi aplicado, mas não tive nenhum sintoma da doença. Nem minha esposa. Três dias depois da aplicação me ligaram para saber se estava sentindo algo, são bem atenciosos – comentou.
Agora o casal volta à unidade no dia 9 para uma nova dose, que de novo poderá ser da vacina ou do placebo. O estudo tem a previsão de durar um ano, mas pode ser interrompido, em caráter emergencial pela Anvisa, caso fique provado antes que a vacina funciona.
– Vamos ser acompanhados durante um ano, com assistência médica e acompanhamento trimestral. Temos um telefone para ligar a qualquer hora ou dia para dizer se estamos sentindo algo. E seremos avaliados gratuitamente pelos médicos do estudo – disse.
O médico está na linha de frente no combate contra o Covid-19. É anestesista em hospitais particulares de Niterói e o responsável pelo transporte aeromédico do Corpo de Bombeiros do Rio, onde faz o transporte de pacientes infectados do interior para a Região Metropolitana.
O medo da contaminação era diário. É diário. Até o momento, somando os três testes que precisou fazer para participar do estudo, foram 12 testagens para o Covid-19. Todos deram negativo e ele nunca sentiu nem sintomas da doença.
– Ficamos bem expostos – recorda-se. – Todo mundo que fica exposto ao vírus tem medo do contágio, ninguém sabia nada sobre o Covid-19, é uma doença muito imprevisível, com pouco estudo e opções de tratamento que ainda não são comprovadas cientificamente – aponta, completando que atualmente as informações sobre o vírus já estão mais avançadas.
Depois do teste, o casal continua trabalhando normalmente. Mesmo que tenham tomado a dose da vacina, não há risco para a equipe de trabalho ou para pacientes e familiares. A vacina foi desenvolvida com vírus inativado, isto é, não tem a possibilidade de causar a doença. E eles, claro, aguardam ansiosamente por um teste que dê positivo para a presença de anticorpos.
-Todo mundo está ‘doido’ para ter o IgG, o anticorpo que indica que já teve a doença. E a vacina possibilita isso. Nos dá maior tranquilidade para trabalhar e conviver com a família e com quem não é profissional de saúde. Quem está na linha de frente tem medo de ter a doença e transmitir para alguém – reforça.
Os voluntários que participam dos testes somente saberão se tomaram a vacina ou o placebo em um ano, ao fim do estudo. De acordo com o anestesista, aqueles que tiverem recebido o placebo terão prioridade de serem imunizados antes da população, caso a vacina seja aprovada.
– Se durante os próximos meses eu fizer um teste e tiver com os anticorpos, já vou ter indícios de que tomei a vacina e ela funciona. Como profissional de saúde, sou obrigado a fazer o teste sorológico em algumas ocasiões, como para participar de cirurgias – ressalta.
Mas até que o tão sonhado IgG dê positivo, a rotina de cuidados do casal permanece intensa. Moradores de São Francisco, eles têm dois filhos, um menino de 11 e uma menina de 8. Temem contagiar as crianças, mesmo que pela faixa etária não corram tanto risco. Já a mãe de Raphael Bastos tem 76 anos e está isolada em casa, no bairro de Itaipu.
– Chegamos em casa e já tiramos o sapato, depois trocamos de roupa na área, e o banho é em seguida. A rotina rígida inclui higienizar todas as compras e não misturar a roupa de hospital com a roupa social da família, isso faz com que a gente fique um pouco mais blindado – diz.
Mas o que esperar do cenário pós-pandemia? Novos hábitos, novas rotinas, mais cuidados?
– Acho que criamos hábitos que vão permanecer, de ter mais cuidado com o manuseio de compras, cuidado com a própria roupa, principalmente quando exposto em ambiente hospitalar, por exemplo – espera.
Para o médico, a pandemia terá o efeito “positivo” de gerar mais conscientização na população, mas também deve gerar um certo pânico.
– Acredito que vão sempre pensar em uma nova doença, uma certa fobia social de voltar à rotina de antes, de ir a shows com público, cinema e teatros. Vai demorar um tempo até acreditarem que é seguro, que a pandemia foi controlada. Será mais uma sequela social do que profissional – acredita, embora veja que hábitos como video conferências e reuniões on-line serão prioridade, tendo em vista o baixo custo.