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Estado vai mudar modelo operação das barcas e prefeituras podem ter que pagar pelo serviço

Por Luiz Claudio Latgé

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Governo contrata empresa para rever sistema de transporte marítimos; gestão privada é inviável, sem recursos públicos
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O sistema de transportes marítimos da Baía de Guanabara está quebrado. Não cobre os custos e acumula dívidas. Para a Secretaria Estadual de Transportes, a cobrança de passagens não é mais suficiente para financiar as viagens. Nos próximos dias, o governo fará uma licitação para definir um novo modelo de concessão, e todas as possibilidades estão abertas: da revisão de linhas, estações e tipo de barcas ao financiamento do serviço pelo estado do Rio e pelas prefeituras do Rio de Janeiro, Niterói e, eventualmente, São Gonçalo.

– É inviável -, enfatiza a Subsecretária de Mobilidade e Integração Modal, da Secretaria de Transportes, Paula Azem. Ela lembra que o modelo adotado na privatização dos serviços da extinta Conerj se baseava numa realidade que hoje não existe mais. A começar pelo número de passageiros. Em 2014, já em meio à crise da economia, a estimativa era de 115 mil passageiros por dia. O movimento caiu ainda antes da pandemia para 70 mil passageiros. Atualmente, apenas 18 mil pessoas se valem das barcas entre o Rio e Niterói.

A Subsecretária de Transportes, Paula Azem: o sistema hoje é inviável. Foto: divulgação

Muda tudo

A crise das barcas não termina com a vacinação e um maior controle da pandemia. Existe uma situação determinada pela Covid. Mas há também problemas no modelo de gestão do sistema. Até o fim do mês, o governo do estado apresentará um edital para a contratação de uma empresa para estudar e propor um novo desenho para o transporte.

– Vai começar tudo de novo. Este sistema foi feito numa época em que se falava de privatização. No transporte aquaviário, a gente perdeu a capacidade do estado pensar sobre isso. Porque foi um serviço privatizado, então se esperava uma solução pela iniciativa privada, E chegamos nessa situação… a solução não aconteceu. Então a gente tem que começar tudo de novo.

A situação a que a gestora se refere é um serviço que opera com prejuízo. A tarifa não é suficiente para custear o serviço. A CCR cobra uma dívida que estima em R$ 1,2 bilhão. O Contrato foi julgado nulo pelo Tribunal de Justiça do Estado, o que impede a realização de qualquer aditivo. A Assembleia Legislativa tentou fazer um aporte em dinheiro para resolver alguns problemas, mas a ação foi suspensa pelo Ministério Público. A empresa concessionária já antecipou que não tem interesse em participar da concorrência.

– O desafio é muito grande. Por que uma empresa vai querer entrar nisso, com a demanda do jeito que está? Estamos pensando em diversos modelos.

Perspectiva histórica

Paula Azem é formada em Ciências Sociais. Se especializou em gestão Pública. Já trabalhou em empresas privadas e no estado, em outras funções. Desde 2019 está na Secretaria de Transportes. Ela diz que é preciso olhar os problemas de uma perspectiva histórica, porque não surgiram agora, embora tenham sido muito agravados pela pandemia. O serviço das barcas foi o que mais sofreu com a crise sanitária, o que mais perdeu passageiros e até agora não recuperou o movimento.

– A gente só olha esse cenário sem olhar o contexto e a história. A privatização, em 98, foi baseada numa determinada previsão de demanda de passageiros. Um contrato longo que estabelecia que as passagens deveriam custear a operação, sem subsídios. Neste tempo, as condições mudaram, houve uma série de fatores que impactaram o custo das viagens. Como a queda do volume de passageiros, a adoção de tarifas sociais e, depois, a pandemia.

– O transporte hidroviário é um transporte caro. E tem uma componente social importante, com a linha Rio-Praça Arariboia financiando a operação da Ilha do Governador e de Paquetá, que é bem mais cara. A tarifa é de R$ 6,90. E com o bilhete único, sai por R$ 5,15. Hoje essa tarifa deveria custar R$ 12,80. Esta seria uma tarifa de equilíbrio. Como só se paga 6,90, essa diferença é o desequilíbrio tarifário. Então, a CCR entrou na justiça cobrando.

Aumento das tarifas durante a pandemia gerou protestos

– Quando vem a pandemia, o transporte hidroviário foi o transporte que mais perdeu entre todos, chegou a uma queda de 85% e hoje ainda é de 72% do movimento normal . Nenhum modal perdeu tanto. Estamos falando de todo o sistema.

A crise sanitária

A Covid potencializou os problemas das barcas. O serviço do catamarã foi interrompido, todo o movimento de passageiros da Região Oceânica e de São Francisco e Charitas foi dirigido para a Praça Arariboia. A operação das barcas do Centro para a Praça XV também foi afetada e as saídas passaram a se dar de hora em hora, gerando queixas dos usuários, diante da demora e de embarcações lotadas. Paula explica o que aconteceu:

– Uma das medidas sanitárias pensadas foi o controle dos transportes. Antes de tudo, se pensou em garantias sanitárias. As embarcações com passadiço aberto foram autorizadas pela Capitania dos Portos. Quando o controle se flexibilizou e os ônibus voltaram, a demanda ainda era muito baixa, você tinha uma barca de 2 mil lugares com poucos passageiros, daí houve o entendimento de colocar as barcas nos horários de pico.

– O transporte entre Charitas e a Praça XV é um transportes seletivo. Já estava em queda antes da pandemia, uma queda que já chegava a 70% do volume de passageiros. Nesta linha, não tem como andar com as portas abertas, a barca ela tem que viajar a 22 nós, ela está perto da barra, não pode andar aberta. E não dava para ter embarcação fechada com 200 passageiros na pandemia. Também não era possível usar outro tipo de barca, porque não são adequadas para aquele mar. Então se entendeu que aquele usuário não ia querer andar numa barca fechada, já que ele poderia esticar o percurso até o Centro e usar as barcas com mais segurança. Sem contar que é um tipo de passageiro que adotou fortemente ao esquema de home office.

Agora, com o avanço da vacinação e redução dos novos casos da doença, o catamarã vai voltar a funcionar. “Essa linha foi fechada por questões sanitárias. Então as restrições vão durar até terminar o estado de alerta, que vai até 30 de dezembro, se não for renovado”, explica a Subsecretária.

– A gente conhece a situação de Niterói, o planejamento dos transportes desde a abertura do túnel do Cafubá, o investimento feito, a integração do BRT com o catamarã, a expectativa do morador, mas a gente tem uma situação de risco. Mas o momento da retomada está dado, vai ser quando o estado de calamidade acabar. Assim que terminar, essa linha estará de volta.

– O serviço das barcas da praça Arariboia à Praça XV também voltará ao normal, com saídas em intervalos menores?

– Estamos falando de todo o sistema, vamos trabalhar com todos os recursos. A barca é o sistema que mais sofreu. Tudo volta!

Muitas dúvidas

Catamarã da CCR. Modelo das barcas pode ser revisto. Foto: divulgação

A perspectiva do sistema de transportes da Baía de Guanabara, daí para a frente, é de total indefinição. Diante das perguntas sobre o que vai acontecer com o fim da concessão da CCR em fevereiro de 2023, Paula Azem pede desculpas: “Você me faz uma pergunta e não tenho uma resposta, vou trazer outras perguntas. Como vai ser a acomodação da movimentação dos passageiros depois da pandemia? O que muda com home office? O que muda com os cuidados sanitários?”

A nova modelagem começa a ser desenhada ainda este mês com o edital para a contratação da empresa que vai pensar o sistema e licitar o serviço.

– Nós não temos ainda uma visão de como será o novo normal, como essas mudanças vão impactar o transporte. Se vai ter home office, se o transporte de carro, lamentavelmente aumentou… O transporte aquaviário é o maior desafio. E temos que fazer um modelo em plena pandemia, quando a gente ainda não conhece os efeitos disso tudo.

– O governo do estado não pode ficar só ele financiando o transporte aquaviário. É um sistema caro. Pergunte a quem tem lancha, o que é mais barato, ter carro ter ou ter lancha. Tem a embarcação, a docagem, o diesel, veja quanto custa dar uma volta de lancha em Angra. E a gente tem um estado em regime de recuperação fiscal, e isso é um problema a mais neste rol de problemas.

– Neste modelo existente parecia adequado ter uma única empresa, talvez não seja mais. Era um sistema pensado para ter um financiador único, o passageiro. Mas não se sustenta desta forma. Talvez seja necessário envolver as prefeituras. Qual vai ser o papel do Rio? Qual vai ser a participação de Niterói? A ligação Rio Niterói é intermunicipal, mas o que acontece entre Rio e Paquetá, que é municipal? Entre a Praça XV e Cocotá, que é Rio de Janeiro?

– Se a ideia é repensar todo o sistema, é possível que se volte a discutir a criação de linhas entre Rio e São Gonçalo, uma solução muitas vezes considerada para reduzir o fluxo de moradores da cidade em direção às barcas de Niterói?

– Vamos ouvir São Gonçalo? Com certeza vai ser pensado. Mas temos que pegar o morador de São Gonçalo e saber se ele vai usar as barcas. Quais serão as estações? Vai ser atrativo para o morador, porque o local pensado hoje fica fora do Centro de São Gonçalo. Ele trabalha no Centro do Rio ou vai para os outros bairros? Ele vai usar as barcas ou ele vai preferir ir de ônibus? Quantos passageiros de São Gonçalo vão para a Praca XV? A Prefeitura vai apoiar o projeto? Que tipo de barcas será adotada? Talvez embarcações menores… Vai haver movimentação dentro do município, entre os bairros? – considera Paula Azem, aumentando a lista de perguntas que a nova licitação deverá responder.

Foco na tarifa

A empresa que ganhar o edital de modelagem do sistema terá a possibilidade de rever todo o sistema. Considerar novas rotas. Dividir a concessão dos serviços. Definir tarifas, custeio, responsabilidades.

– O foco da modelagem será tarifa. Uma tarifa que atenda à população. O modelo tarifário de todo o estado tem que ser repensado. Tem que definir como vai sustentar, de onde sai o dinheiro. O modelo de financiamento pelo passageiro se esgotou. Hoje é inevitável a participação do estado. Como vai ser? Vai depender do compromisso do estado e das prefeituras.

O que Paula Azem garante é que neste processo todas as partes interessadas serão ouvidas, moradores, governos, empresas. “Vamos desenhar uma concorrência que defina linhas, as embarcações adequadas, talvez seja desejável ter barcas menores. Hoje temos mais perguntas que respostas. Mas estamos ouvindo os moradores, já falamos com a Prefeitura de Niterói. Vamos ouvir os moradores de outros bairros da cidade, da região Oceânica, de Charitas…”

Se ainda há dúvida sobre o tamanho do problema e a enorme mudança que está por acontecer no transporte marítimo da Baía da Guanabara, Paula Azem acrescenta mais um item à lista de pendências, que carrega à discussão de uma dívida de R$ 1,2 bilhão:

– A gente só tem cinco embarcações que o estado comprou… As estações são bens privados. Então a gente vai ter que comprar de volta…

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