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A correção de dados que aumentou em mais de 9 mil o número de casos confirmados de Covid em Niterói pegou de surpresa cientistas que têm acompanhado de perto a evolução da pandemia no Rio de Janeiro. Ao A Seguir: Niterói eles admitiram preocupação com o caso, que sugere uma falha na comunicação capaz de alterar a percepção da crise sanitária pelos especialistas e pela própria população.
Para a neurocientista Mellanie Fontes-Dutra, coordenadora da Rede Análise Covid-19, grupo que se dedica às análises de dados da pandemia, o represamento de dados e os atrasos de notificação e subnotificações, como ocorreu em Niterói, limitam a análise dos cenários epidemiológicos atuais e atrasam a adoção de medidas restritivas.
— É complicado porque não nos deixa a par da nossa realidade nos momentos mais importantes de tomada de decisão. Sabemos que existem limitações relevantes no rastreamento e, por isso, torna-se ainda mais fundamental o apoio da população em aderir às medidas que funcionam contra a transmissão – concluiu.
O pesquisador da Fiocruz Christovam Barcellos, integrante do Observatório Covid-19, ressalta que há uma falha nítida no sistema de testagem, o que alerta para a necessidade de reforçá-lo.
— Isso mostra uma falha no sistema de testagem. Se esses números correspondem às pessoas que foram testadas, mas o resultado do teste não tinha sido digitado na época, o programa de testagem precisa ser reativado e ser mais agilizado não somente no município, como no estado inteiro — defende. — E se for o caso de atraso de registro ser resultado de uma mudança de critério de casos, isso significa dizer que, mesmo sem testagem, as pessoas apresentaram um conjunto de sintomas parecidos com a Covid-19. Contudo, as autoridades locais decidiram colocar esses casos como confirmados apenas agora.
Apesar de estar longe do cenário ideal do enfrentamento de uma pandemia, falhas no processamento dos dados não são exclusividade de Niterói, como aponta o epidemiologista e pesquisador em Saúde Pública da Fiocruz, Diego Xavier. Ele afirma que é relativamente comum que existam “registros para trás”. O problema é que fica difícil saber em qual semana epidemiológica essas ocorrências se deram, o que pode ser prejudicial para a análise do comportamento da doença.
— Se 20% desses casos registrados foram em um único mês, significa dizer que a gente passou por um período bastante crítico e não conseguiu enxergar o que estava acontecendo. Mas se esses dados foram distribuídos ao longo do tempo é normal que isso aconteça.
Deficiência nos sistemas
O especialista destaca que o atraso do registro dos casos está muito atrelado à deficiência do sistema de notificação, efeito do baixo investimento no sistema de saúde durante um grande período ao longo da pandemia.
— À medida que os municípios vão tentando melhorar a qualidade da informação e o preenchimento de alguns dados, esse tipo situação tende a continuar acontecendo. No período mais crítico da doença, a dificuldade de fazer o registro também aumentou, já que em vários locais as pessoas que atendem o paciente doente são as mesmas que fazem o registro, então eles acabam optando pelo que é mais urgente. Isso é uma tendência que a gente enxerga não só em Niterói, como também em outros locais — pontuou.
O pesquisador em saúde pública da Fiocruz, Leonardo Bastos reitera que dados represados não são um evento raro na vigilância epidemiológica. Ele diz que a chave é olhar qual data está sendo utilizada para representar os dados apresentados. Dependendo da forma de representar esses números, eles podem ser úteis para uma leitura de como a doença se comportou, apesar da subnotificação.
— Os 9 mil casos represados de Niterói, caso eles estejam distribuídos no passado, podem ser úteis para identificar possíveis surtos não identificados antes. O atraso pode ser corrigido usando modelagem estatística. E é exatamente isso que fazemos no Infogripe e no Observatório Covid-19 BR. A modelagem é conhecida como ‘nowcasting’, uma previsão para o agora — explicou.
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