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Em Niterói, água de coco tem um gostinho a mais de camaradagem

Por Sônia Apolinário*
| aseguirniteroi@gmail.com

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Entre vendedores e moradores da cidade, uma rotina que envolve mimos e gentilezas
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Em Niterói, os vendedores de coco estão por toda parte Foto: Amanda Ares

Em Niterói, os vendedores de coco estão por toda parte – quase como as farmácias. Engana-se, porém, quem pensa que servir a água fresquinha e doce da fruta é o único “serviço” oferecido por eles. Guardar a bicicleta para o dono dar um mergulho no mar, contar as novidades da família e até servir de ombro amigo são itens que fazem parte do “cardápio” elaborado na base da camaradagem e muita gentileza.

Só na orla entre Icaraí e Boa Viagem, são pelo menos 30 vendedores de coco. Há pequenas, mas significativas diferenças entre eles. A principal delas diz respeito ao caráter mais artesanal, comum aos que estão estabelecidos em Boa Viagem. Por lá, ao contrário de Icaraí, as vendas são feitas em pequenas barracas (ou carrinhos) pelos próprios responsáveis pelo negócio.

Foto: Sônia Apolinário

Entre eles está Valdecir de Oliveira. No seu carrinho, tem banana disponível para qualquer pessoa que passe pela sua frente. Grátis.

– Eu observava o pessoal se exercitando, correndo. Muitos paravam depois na minha barraca para beber água de coco e se hidratar. Sempre foram muito gentis comigo. Decidi que retribuiria essa gentileza. Lembrei que banana tem potássio, que é bom para quem pratica exercício. Então, passei a oferecer. Sabe o que aconteceu? Minhas vendas triplicaram – conta ele, que batizou seu carrinho de Valdecir do Coco Vip, há 25 anos estacionado nos arredores do Museu de Arte Contemporânea.

Os advogados Maria e Sandro Gonçalves, moradores de Icaraí, costumavam dar meia-volta nas caminhadas quando começava a subida para Boa Viagem. Souberam por amigos do gesto de Valdecir e arriscaram forçar mais o exercício só para conhecê-lo. Agora, é na companhia dele que o casal faz uma pausa para beber água de coco e comer banana, antes da volta para casa. Esta semana, eles ainda foram surpreendidos com goiabas à disposição, que Maria preferiu à banana.

Quando Valdecir decidiu que ofereceria a fruta, ele tratou de plantar uma bananeira, bem atrás de onde para seu carrinho. A única muda já rendeu outras árvores e ele já colheu 11 cachos, em mais de dois anos. No momento, inclusive, tem uma penca de bananas ainda verdes, por lá. Antes da primeira “colheita” e, agora, nas “entressafras”, ele compra a fruta, no mercado. A banana é constantemente oferecida por ele, ao longo do dia.

Foto: Sônia Apolinário

– Tem muitas pessoas que não acreditam que é de graça, que pode pegar a banana. É engraçado – comenta.

Nascido em Cachoeira de Macacu (RJ), Valdecir chegou em Niterói há cerca de 30 anos, em busca de trabalho. Fez de tudo um pouco, mas, como diz, nada lhe dava prazer, principalmente o dinheiro que recebia, “que mal dava para alimentar a família”. Decidiu que teria seu próprio negócio, mesmo que informal. Naquela época, só existia venda de coco na praia de Icaraí. Quando o MAC começou a ser construído, ele teve a ideia de se instalar na Boa Viagem por apostar que o novo museu aumentaria o movimento da então quase deserta área da cidade. Valdecir nem imaginava que a região também passaria por um “boom” imobiliário.

As vendas de coco oscilam em função do clima. Ele conta que, nos dias bonitos de sol e calor, vende cerca de cem unidades. E pensar que, no começo, tinha dias de não vender nem três. Sim, ele quase desistiu, mas insistiu.

Os turistas, que  começaram a chegar em maior quantidade, em ônibus de excursão, deram uma levantada nas vendas. Depois, cada vez mais moradores foram chegando.

Agora, sim, Valdecir sente prazer em trabalhar:

– O carinho que recebo e o respeito que as pessoas têm por mim é muito lindo. Sou muito grato a todos. Por isso eu precisava retribuir – conta.

Morador do morro do Palácio, bem pertinho do local onde trabalha, Valdecir prefere não revelar sua idade – diz que sente vergonha. O que ele revela, com muito orgulho, é que tem quatro filhos, 7 netos e três bisnetos. Todos moram perto dele – uma família criada à água de coco.

Agora, ele não está mais sozinho na Boa Viagem e a região não é mais um deserto. A concorrência aumentou e os vendedores de coco guardam entre si uma distância respeitosa. O Beto fica bem na entrada do MAC. O Ronaldo a alguns metros depois de Valdecir. Por lá, gentileza também é item do cardápio.

Foto: Amanda Ares

Não importa se a pessoa vai ou não consumir água de coco. Ronaldo, que há quase 20 anos monta sua barraca no local, sempre das 7h às 19h, oferece as cadeiras de plástico que coloca na calçada mesmo para quem quiser somente apreciar a bela vista da Baía de Guanabara, com mais conforto.

Uma atração à parte é a forma como corta o coco com rapidez e serve a água no copo ou na garrafinha, tendo o facão cravado na fruta para usar como uma espécie de cabo. Ele informa que vende uma média de 70 unidades por dia, quando faz sol.

O mineiro Frederico Cabral, em janeiro do ano passado, se mudou do Rio de Janeiro para Niterói. Morador do Ingá, pelo menos uma vez por semana, ele vai na barraca de Ronaldo beber água de coco e apreciar a vista.

– Gosto muito de vir aqui, de observar o trato entre as pessoas. O povo é bem simpático e é bonito ver o carinho que todos têm pelo Ronaldo. Às vezes também paro no Valdecir para não deixar de prestigiar ninguém. Sei que é o trabalho deles, mas a forma como tratam os clientes, dá para ver que tem algo mais, que não é só negócio – comenta Frederico.

Tiago Oliveira e Carolina Borges também são fãs do Ronaldo. Ele conta que o bom atendimento, a água de coco sempre geladinha e doce, além da simpatia conquistou a preferência do casal pelo lugar.

– Gostamos de viajar, conhecemos vários lugares, mas quando a gente volta, vê que não tem comparação. Só aqui tem essa vista e esse clima caloroso – observa Tiago.

Caminhando ainda mais para frente, em direção à entrada para a praia da Boa Viagem, Eduardo Medeiros é o porto seguro de nadadores e remadores, no final dos seus treinos.  No local, ele vende água de coco também há cerca de 20 anos.

Eduardo conta que viu sua freguesia aumentar bastante depois que os integrantes do grupo de funk Leleks tiraram uma foto com ele, na sua barraca. Tempos depois, foi surpreendido com a visita de Valéria Valenssa, a eterna Globeleza, que acabou também sendo garota propaganda do seu coco.

Foto: Amanda Ares

Quando pega a fruta para abri-la, o sorriso largo de Eduardo dá lugar a um semblante bem mais sério. Nessa hora, segundo ele, a concentração tem que ser total porque o manejo com o facão é sempre perigoso. Valdecir, por exemplo, conta que se cortou várias vezes, quando começou seu negócio. Diz que, por sorte, nunca precisou levara pontos.

Coco aberto, poucos comem a fruta. Desperdiçar, porém, nem pensar. Afinal, a “carne” do coco é preciosa para quem produz picolé ou doces caseiros. No caso de Valdecir, ele doa tudo para seu vizinhos.

Eduardo conta que o coco vendido na região, geralmente, vem da Bahia e apresenta muita água e “carne” bem branquinha.

Se é verdade que as pessoas saem de casa sem dinheiro, mas nunca sem o celular, então, a água de coco do passeio está garantida. Os vendedores estão, cada vez mais, aceitando pix – todos na Boa Viagem aceitam, além de cartão e até dinheiro. Na semana passada, o coco custava R$ 6 em Icaraí e R$ 5 na Boa Viagem.

Moradora de São Gonçalo, Jandira da Silva, no seu primeiro dia de férias, foi passear por Niterói. Seu ponto de partida foi uma caminhada pela Boa Viagem. A água de coco escolhida para saborear e se refrescar foi a do Valdecir.

– Gostei do cantinho e do atendimento. Passa um sentimento carinhoso com todo mundo e isso é muito bom – diz Jandira ao justificar sua escolha. Ela se surpreendeu quando soube que a banana era cortesia, mas declinou da oferta.

*Colaborou Amanda Ares

 

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