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Período de férias escolares, para os guarda-vidas da praia de Itacoatiara, é sempre sinônimo de bastante trabalho. Este ano, porém, o número de resgates feitos, neste mês de julho, está cerca de 40% maior do que o usual. Em menos de 20 dias, foram mais de 100 salvamentos, ou cerca de 30 por semana.
É o que informa o guarda-vidas Thales do Amaral Gomes, de 36 anos, há seis “lotado” em Itacoatiara. Segundo ele, são os adolescentes, da cidade ou de fora, os que mais passam sufoco no mar e exigem resgate.
E muitos, em vez de agradecer pelo salvamento, reclamam:
– Quando percebemos que tem alguém com dificuldades, entramos logo no mar. Muitos dizem que não estavam se afogando, que não precisavam de ajuda e ficam com raiva. Isso porque os adolescentes, geralmente, andam em grupo e ficam com muita vergonha dos amigos quando saem do mar com a nossa ajuda. E justamente porque estão em grupo, eles se sentem mais corajosos para entrar no mar, sem ter a real noção dos riscos. Muitas pessoas também passam por grandes sufocos porque ficam com vergonha de nos chamar – comenta Gomes.
Pranchinha, pranchão, jet sky e até helicóptero são usados pelos guarda-vidas para evitar um afogamento. Itacoatiara, que sempre foi point de jovens, parece que, neste momento, é a praia onde todos querem estar, de acordo com a avaliação de Gomes que não encontra uma explicação “lógica” para o aumento do número de casos de possíveis afogamentos no local – exceto imprudência.
Itacoá é famosa por ter ondas enormes. Não por acaso, é onde está sendo realizada a competição Itacoatiara Big Waves, que atrai os principais surfistas do país para Niterói. Porém, se onda grande, o banhista respeita, o mesmo não acontece quando elas diminuem. E o perigo, em Itacoá, mora mesmo é na vala. São duas “fixas”, que estão sempre lá, independente do tamanho das ondas. E outras que surgem conforme o “humor” do mar.
Como informa Gomes, onde tem morro ou pedra, tem vala. Assim, as duas “fixas” de Itacoatiara são no Pampo e no Costão. Uma vala nada mais é do que uma corrente de retorno, um refluxo de um grande volume de água que retorna da costa para o mar em virtude da força gravitacional. No caso de Itacoatiara, como fica entre dois costões, o local se transforma em uma espécie de cone que tem, na praia, a ponta do funil.
O que torna a vala fatalmente perigosa é um “pequeno” detalhe: onde ela se forma, quase não quebra onda ou quebra com menos impacto. Isso significa que, à primeira vista, o local parece ser o mais “tranquilo” para arriscar um mergulho. Ou seja, a vala é como um “canto de sereia”.
Segundo Gomes, o banhista, geralmente, não percebe que “caiu” em uma vala. O que ele se dá conta, de repente, é que não consegue se aproximar da beira, que está sendo arrastado para mais longe. E nessas horas, bate o desespero, “o primeiro passo para o afogamento”, como diz o guarda-vidas.
– É possível se safar de uma vala, mas, para isso, é preciso se tranquilizar ao máximo. A corrente perde a força no final, no que chamamos de cabeça da vala. Se ficar calmo e boiar, a corrente vai te levar para o final da vala e você vai sair dela, mas estará mais longe da areia. Então, o melhor a fazer é boiar e pedir ajuda para voltar. Ou nadar para o lado, em paralelo à areia, para sair da corrente, que é reta – explica.
Além de ficar em uma região com menor frequência ou mesmo ausência de quebras de ondas, a única “dica” que uma vala dá que permite identificar sua existência é a coloração da água, que fica diferenciada: mais clara ou mais escura, devido à maior profundidade ou pela agitação da areia.
Outra dica bem mais fácil é a sinalização colocada pelos guarda-vidas. Eles não apenas indicam a localização de valas como usam bandeiras de diversas cores para alertar sobre as condições do mar: vermelha (alto risco de afogamento), amarela (risco médio de afogamento) e verde (baixo risco).
Gomes admite que evita usar a verde porque, segundo ele, a percepção do banhista é que, com essa bandeira, o mar está “liberado”. E aumentam os casos de imprudência.
Ele também admite que, quando começou a trabalhar como guarda-vidas, chegou a ficar com raiva de pessoas que se arriscavam no mar, apesar de todos os avisos de que a “maré não estava pra peixe”:
– Não entendia como as pessoas se colocavam em situação de grande risco de vida por vontade própria. Com o tempo, fui percebendo que se tratava, mesmo, de falta de informação, de desconhecimento por parte das pessoas – conta Gomes.
Foi por isso que ele e outros dois guarda-vidas (Wandenberg Araújo e Henrique Bruto) criaram , em 2020, o perfil Salvamar Itacoa, no Instagram, que administram em conjunto.
Lá, eles passam todo tipo de dicas e informações para proteger o banhista contra acidentes. Este ano, eles começaram uma nova atividade: fazer palestras em escolas ou onde quer que sejam convidados para passar dicas de segurança na praia.
Um caso relativamente recente que o trio gosta de relatar, envolve a vizinha praia de Itaipuaçu (Maricá) quando uma família, que apenas caminhava pela beira do mar, levou uma “rasteira” da onda. Todos foram parar na água e caíram em uma vala. O passeio virou tragédia com a morte por afogamento de um dos integrantes da família.
Gomes também costuma contar casos de pessoas que, em Itacoatiara, sobem a pedra do Pampo para tirar fotos e também são jogados no mar pela onda. Até pescador, segundo ele, costuma cair de lá por conta da força da água.
É bom lembrar que um guarda-vidas é um policial bombeiro, ou seja, um militar. Isso significa que, se esses profissionais se depararem com algum banhista que recorrentemente se coloca em risco de afogamento ou se comporta de maneira a colocar outras pessoas em risco propositadamente, eles podem dar voz de prisão para esse banhista.
Gomes, que é Cabo (bem como Henrique, sendo Wandenberg, Sargento) disse que nunca precisou chegar a esse ponto, mas é comum “usar um tom de voz mais forte” para alguns banhistas:
– Tem pessoas que são socorridas mais de uma vez em uma mesma tarde. Nossa missão é fazer com que um lazer tão democrático quanto a praia não se transforme em tragédia por conta de imprudências. É difícil convencer uma pessoa, por exemplo, que o lugar que parece mais calmo, no mar, é o mais perigoso – afirma Gomes, que mora em Itaipu.
Ele jura que, quando mais novo, nunca deu trabalho para um guarda-vidas. Muito pelo contrário. Quando criança, seu sonho era ser bombeiro. Ao fazer um curso de Botinho, “descobriu” que poderia ser um salva-vidas e, por tabela, bombeiro. Descobriu, então, o que iria ser quando crescesse:
– Meu trabalho é a realização de um sonho. Acordo todos os dias feliz para trabalhar – diz.
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