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Em busca da rabanada perfeita

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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A aposentada Marly Avilez, de 86 anos, compartilha sua receita, na família há três gerações. Revelamos seu ingrediente secreto: afeto
bread tray with cinnamon and fried sugar, typical Brazilian dessert called rabanada
Item quase obrigatório na ceia de Natal, a rabanada ocupa espaço cativo na mesa do brasileiro. Foto: Reprodução

A resposta vem em coro quando o assunto é o item mais famoso da ceia de Natal. Poucas receitas simples deram tão certo e não se restringem às datas festivas como a rabanada. Quem poderia imaginar que as fatias grossas de pão amanhecido umedecidas com leite, mergulhadas em ovos batidos e fritas em óleo, e depois cobertas por açúcar e canela, poderiam dar tão certo? A rabanada ultrapassa gerações e seu modo de preparo ganhou novos ares com o passar do tempo. Também em versões recheadas, com doce de leite, nutella, chocolate, baunilha…

As tradicionais, porém, seguem ocupando um lugar cativo na ceia de Natal e no dia seguinte, no café da manhã. Há ainda quem goste da rabanada acompanhada de uma fatia de queijo, para “quebrar” o doce. Frita, sim, porque é mais saborosa, mas sem absorver muita gordura. E não se engane quem pense que não tem toda uma técnica para isso.

A aposentada Marly Avilez, de 86 anos, faz a rabanada com receita que ultrapassa três gerações. Foto: Livia Figueiredo

– Antigamente a gente fazia muita rabanada com o pão “dormido”. Era algo muito comum, para não desperdiçar. Isso principalmente para as pessoas que tinham filhos e precisavam alimentá-los. Tem gente que faz assim ainda até hoje. A rabanada deve ser feita com pão dormido mesmo, na falta do pão de rabanada, porque o pão francês fresco absorve muita gordura. Além do mais, como o pão de rabanada está muito caro, às vezes as pessoas optam pelo pão francês. É importante falar que o pão de rabanada é específico no feitio dele. Ele não pode ter a casca aberta – explica a aposentada Marly Avilez, de 86 anos.

E por que não pode ser feito com pão fresco?

O pão fresco pode deixar a rabanada gordurosa porque o pão está mais macio e não maçudo. Um paralelo pode ser traçado com algo similar a derramar uma calda em um bolo. Dona Marly explica:

– Se você pegar um bolo solado ou maçudo e colocar uma calda nele, ela não será absorvida. Já quando o bolo está mais “fofo”, mais macio, a calda é melhor absorvida.

A receita da rabanada, que Marly faz até mesmo fora da época natalina, essa com o pão “dormido”, ultrapassa três gerações. Ela vem da sua bisavó, que era casada com um português. Inclusive, suspeita-se que a rabanada possa ter origem em Portugal. Há, porém, quem defenda que a iguaria foi criada na França.

A receita da rabanada inclui, geralmente, leite, mas pode ser feita com vinho também. Ao invés de banhar o pão no leite, banha-se no vinho. Ele deve ser adocicado. Não pode ser seco. Se optar pelo leite, ele precisa estar em temperatura ambiente. O leite, que pode ser desnatado ou integral, deve ser colocado em uma tigela e pode ser acrescido de açúcar branco, demerara, ou a receita pode seguir sem açúcar. Marly coloca uma colher de sopa de açúcar para cada 1 litro de leite.

Já o pão pode ser próprio de rabanada, que vende no mercado, ou francês. Ele deve ser cortado em rodelas, em fatias médias. Após fatiado, deve ser banhado levemente no leite na parte de frente e de trás. Isso deve ser feito em todas as rabanadas para que se tenha tempo hábil de absorver o leite de modo a ganhar mais sabor.

Após essa etapa, as fatias devem ser molhadas nos ovos batidos e colocadas, instantaneamente, na frigideira para fritar, uma de cada vez. Em relação aos ovos, atenção: não podem ser batidos como em uma omelete. Em seguida, as rabanadas devem ser escorridas em papel-toalha. E por fim devem ser passadas em uma refratária com canela e açúcar a gosto.

– Mas sem leite condensado! Fica muito doce. Já basta o açúcar que coloco no leite – diz Marly

O modo de preparo ultrapassa gerações. Veio da bisavó de Marly, dona Mariquinha, que era casada com um português. Depois foi questão de tempo para a receita se perpetuar na família. Foi passando de mãe para a filha: passou para a vó Agripina e depois para Yeda, sua mãe; sua filha e agora chega à neta de Dona Marly.

– Antigamente a nossa ceia era mais um lanche: bolinho de bacalhau, salada de fruta, sanduíche de patê, queijo de cuia e, claro, não podia faltar rabanada. Depois, quando meus filhos estavam quase na faculdade, passou a ser jantar. Gosto de fazer rabanada sempre no dia 24, para ficar fresquinha. Não gosto de rabanada no café da manhã. E se acompanhada, só de queijo. Nada de café! Gosto de sentir o sabor da rabanada de forma plena, sem disputas! – comenta, rindo.

As rabanadas de Dona Marly. Foto: Livia Figueiredo

Afeto

A rabanada para Marly é o que mais se aproxima da nostalgia. Ela lembra dos tempos da casa cheia, que cozinhava para a família; do pai que gostava da rabanada feita com vinho, das pessoas que apreciavam, das horas na cozinha em busca da suculência perfeita e a partilha com aqueles que ama.

– Eu amo rabanada. Não consigo enjoar. Mas tenho consciência. Não dá para comer sempre. É muita fritura, faz mal. Importante, inclusive, controlar a temperatura do fogo. A frigideira não pode estar muito quente. Gosto de fazer rabanada até hoje porque é algo que me dá ânimo. Dá trabalho, mas quantas coisas na vida que não gostamos e mesmo assim fazemos e que dão trabalho? – completa.

Foto: Livia Figueiredo

A rabanada no mundo

É possível encontrar variações da rabanada em diversos cantos do mundo, como o “Eggy bread”, na Inglaterra, o “French toast” nos EUA, e o “Pain Perdu” na França. No século XV, o prato começou a ser indicado para auxiliar em recuperações pós-parto. Vem daí a origem de um dos seus nomes alternativos: fatia de parida. Naquela época, dizia-se também que a rabanada aumentava a produção de leite materno.

Criadas para aproveitar o pão amanhecido, as rabanadas já existiam pelo menos desde o Império Romano, e eram conhecidas como “Pan Dulcis”. Sua receita mais antiga se encontra no livro de Apicius, gastrônomo do século I, como “aliter dulcia”, algo como “outro prato doce”. Na receita, a indicação era: “corte o pão fino, retire a crosta e quebre-o em pedaços bastante grandes. Mergulhe no leite e no ovo batido, frite em óleo, cubra com mel e sirva.”

A história 

As rabanadas se popularizaram na Idade Média por ser uma boa forma de reaproveitar o alimento – o que está relacionado também à simbologia cristã para a receita. O pão velho e rançoso – literalmente “pain perdu” ou pão perdido – mergulhado em leite e ovos e frito em chapa quente com gordura, tornou-se um prato desejado por todas as classes do período medieval.

As variações

Algumas receitas substituem o vinho por leite, e outras prescindem da água, molhando as rabanadas só com mel quente. Com frequência acompanha-se de canela e cravo da Índia. Outras versões utilizam casca de limão ou de laranja ralada para aromatizar o leite, e para o toque final, um pouco de açúcar de canela.

Em Portugal, alguns dos formatos mais populares das rabanadas são as tradicionais, as rabanadas com vinho do porto, as rabanadas com calda e as rabanadas à poveira. Elas são preparadas de forma muito similar às torrijas ou torradas da vizinha Espanha. A rabanada em Portugal se chama “Fatias de ovos” ou “Fatias Douradas”.

Mais recentemente surgiram também as versões veganas que substituem o leite de vaca por leite de soja e os ovos por farinhas de grão de bico, farinha de soja ou outras leguminosas.

Na França o pain perdu (“pão perdido”), não é frito em azeite abundante, mas sim em manteiga ou numa chapa. No Reino Unido e em países de língua inglesa, bem como no Japão, é conhecido como “French toast“.

Na Colômbia, Chile e Equador são conhecidas como “tostadas francesas“. Na Guatemala se chamam “tostadas a la francesa“; e na fronteira norte do México “pan francés“. Na Argentina e Uruguai há uma forma mais simples de fazer rabanadas – que podem ser chamadas nestes países “torrejas” -. É ela:  umedece-se com leite migas de pão comum, formando um bolo, que é passado pela gema de ovo batido. Depois de frito, polvilha com açúcar.

Rabanadas à la Dona Marly

Modo de preparo:

  • Corte a baguete em fatias médias;
  • Em uma refratária, misture o leite de vaca, uma colher de sopa de açúcar branco ou demerara e mergulhe as fatias de pão até que elas estejam bem molhadinhas, mas sem banhar muito no leite;
  • Em outra refratária, bata os ovos;
  • Passe as fatias de pão molhadas de leite nos ovos batidos;
  • Frite em óleo quente e escorra as rabanadas em papel-toalha;
  • Em seguida, polvilhe com canela e açúcar a gosto;
  • Sirva quente ou coloque na geladeira para servir gelada.

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