Alexandre conta que tem 13 funcionários na cozinha, outros foram liberados graças aos programas de assistência da prefeitura. Diz que se não fosse isto teria muita dificuldade para manter a equipe. Agradece a ação do governo. “ Imagine, nunca recebemos nada, e de repente a gente encontrou esta ajuda, na hora certa.” Ele se relaciona com outros donos de restaurantes, no Rio, São Paulo e até no exterior. Conhece bem as dificuldades do setor. Estima-se que 20% do comércio pode fechar as portas. No Rio, o sindicato de bares e restaurantes informou que 100 estabelecimentos já fecharam. Acha que o número pode ser maior. Durante a pandemia foi criado um grupo, “Não deixe fechar a conta”, do qual fazem partes chefes renomados, como Claude Troisgros, Alex Atala, Erick Jacquin, Roberta Sudbrack, Fogaça, entre outros, empenhados no esforço de manter viva a gastronomia brasileira. “Nós vimos, agora, na Europa, nos países que já reabriram a economia, que os restaurantes não conseguiram recuperar o seu movimento. Restaurantes famosos, premiados, que estão com metade do movimento, porque, de cara, perderam os turistas, que é um público importante na Europa.” Segundo ele, os restaurantes brasileiros vão precisar muito de um programa de crédito público. Teme, especialmente, pelos que operam em shopping e pagam aluguel muito alto. “Como vão pagar as contas?”
Alexandre Henriques não para de pensar nas dificuldades e caminhos que terá pela frente. “Ninguém esperava que fosse tão longo, já vamos para 100 dias de fechamento. E hoje já sabemos que o movimento não vai voltar de uma hora para outra, quando os restaurantes abrirem.” Ele diz que a casa tem uma responsabilidade enorme para cuidar da segurança dos funcionários e dos clientes e que os restaurantes só voltam a funcionar se puderem oferecer esta garantia.
– Hoje, a gente trabalha o tempo todo para melhorar a qualidade. Sempre foi uma coisa importante para nós. A gente investiu muito para ter processos, um sistema de compras, estocagem, a limpeza da cozinha, o funcionamento dos salões. Mas a preocupação agora é redobrada. Nós estabelecemos uma série de procedimentos, criamos uma sala de higienização, para receber compras, limpar os produtos, estocar. Luvas, álcool gel, limpeza, limpeza, limpeza o tempo todo – repete, como uma obsessão.
As dificuldades dos restaurantes já vinham de algum tempo. Desde a crise de 2016. Especialmente pela redução de atividade de setores importantes da economia. Problemas de segurança também atrapalharam o movimento. O setor sentia fortemente a crise da economia. A Gruta chegou a ter 120 lugares. Mas já há muito tempo deixou de abrir o anexo do restaurante. E nos últimos meses havia suspendido o funcionamento à noite. Atualmente, tem capacidade para atender 80 pessoas. Mas, com as regras de isolamento, este número deve ser ainda menor.
– A gente tem que avaliar bem o que vamos fazer numa situação destas. Acho que em todos os setores o pensamento é este, como vamos fazer? Porque mudou tudo. Como vai ser? Vou abrir, tirar a temperatura dos clientes, de repente mandar todo mundo de volta para casa porque alguém está com febre…? Vai ser difícil controlar muita gente entrando. E tem o outro lado, vale a pena abrir para trabalhar com 35% da clientela. Talvez seja melhor abrir só mediante reservas. A gente tem ouvido falar nisto, na Europa, até no Rio e em São Paulo. Pode ser uma opção? Porque você precisa garantir que as pessoas tenham segurança…
A preocupação começa em casa. Dona Henriqueta tem 82 anos. Ela costumava ir ao restaurante todos os dias. “Não tinha um bacalhau a lagareira que saísse da cozinha sem ela ver. Desde que começou a epidemia não pisa no restaurante. Ela fica ansiosa, em casa. Ela mede os passos que andou no apartamento e quando a gente vai ver ela avisa: já passei de mil.” Não queria ficar inativa, e no meio de toda a crise, resolveu inventar um risoli. Tanto fez que entrou no serviço de entrega. Faz mais de 100 por dia. “Não para”, diz Alexandre.
A epidemia representou para dona Henriqueta também um retorno a um tempo em que ela não passava nem perto da cozinha. Mas se dedicava à costura. Em Portugal, fez curso de estilista, numa escola renomada, na época, a Madame Justo, e trabalhou produzindo roupas para a Maison Dior. No Brasil, desenhava vestidos de noiva. Quem trabalhava na cozinha, o “chef” da família, era o marido, que cozinhava no Bela Itália, no Rio. Ele abriu dois bares em Niterói e comprou a casa na Ponta da Areia, reduto da comunidade portuguesa na cidade. Mas morreu, pouco tempo depois de abrir o restaurante. Tinha apenas 40 anos. Dona Henriqueta assumiu o negócio. Alexandre tinha sete anos.
– Minha mãe costurava muito. Pouca gente sabe, mas, até hoje, as roupas que ela usa é ela quem faz. Agora voltou a costurar. Faz roupas para a neta, minha sobrinha de sete anos, a Isabela – conta o filho.