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Quais são as principais transformações no cenário urbano de Niterói nos últimos 30 anos? Uma dissertação realizada no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU/UFF) consegue ir a fundo nisso ao recuperar algumas imagens de Niterói no período entre 1964 a 1996.
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A pesquisa propõe a criação de uma linha do tempo imagética que acompanha os principais marcos históricos e as transformações da cidade no século passado, com foco em três momentos: o perfil da cidade enquanto capital do Estado; a fusão dos Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara; e o reconhecimento nacional por índices de qualidade de vida.
De acordo com Gabriel, a pesquisa, que levou à tese “Entre o concreto e o abstrato“, começou com a proposta de compreender as narrativas construídas sobre Niterói:
– O principal motivo para iniciar minha pesquisa foi minha conexão com Niterói, cidade onde nasci e cresci. Fui aluno de graduação na Escola de Arquitetura e Urbanismo da UFF (EAU/UFF) e escolhi este curso para aprofundar meu conhecimento sobre o lugar onde vivi minha vida toda e contribuir para seu desenvolvimento. Durante a graduação, fiz vários projetos de pesquisa relacionados à história de Niterói e, para a minha dissertação, meu foco foi investigar por que a cidade era vinculada à ideia de qualidade de vida.
Niterói completa 451 anos nesta sexta-feira, 22 de novembro, e como parte das comemorações, a cidade reúne uma série de atrações para celebrar a data, como shows gratuitos de Seu Jorge e Pitty, apresentações artistas locais, feiras gastronômicas, mostras de artesanato e áreas de recreação infantil. Outra novidade é a Casa Norival de Freitas, em São Domingos, que será inaugurada no aniversário de 451 anos de Niterói
O A Seguir entra no clima de comemorações com uma série de reportagens que celebram o aniversário da cidade. Convidamos o designer e artista plástico Helio Bueno e colaborador do A Seguir para retratar os personagens da cidade que ele nomeia de “Os brasileiros“. Como parte das celebrações, conversamos com o autor da dissertação “Entre o concreto e o abstrato“, do PPGAU/ UFF, Gabriel Soares (confira abaixo)
Soares explica que sua dissertação busca entender como as imagens são criadas e influenciadas pela individualidade e coletividade. Segundo ele, o processo de construção foi baseado nas leituras ao longo das disciplinas.
A tese teve como recorte um período histórico limitado à segunda metade do século XX. Isso porque um dos objetivos do doutorando e responsável pela pesquisa era entender a vinculação da cidade à ideia de qualidade de vida, que se solidifica na década de 1990.
– O estudo concentrou os esforços em compreender a história por detrás dessa imagem, pontuando alguns marcos temporais que corroborassem com a linha imagética proposta. Por outro lado, esta limitação temporal permitiu um distanciamento histórico necessário para uma análise mais completa e com menor incidência de vieses, visto que os acontecimentos podem ser compreendidos por diferentes ângulos. Assim, ainda que as análises realizadas possam ser reavaliadas por outros pesquisadores, a proposta feita para tese é fruto de intensa pesquisa documental que a corrobora – ressaltou.
Ele cita como marco o período entre 1964 e 1975, momento em que o país vivia uma grande euforia, impulsionada pelo chamado “milagre econômico”. Com a construção da ponte Rio-Niterói, a percepção de progresso refletiu na cidade.
– A construção da ponte gerou uma grande expectativa, com destaque para o mercado imobiliário. No entanto, a obra foi inaugurada em 1974, um ano após a crise do petróleo, que afetou investimentos no país inteiro. Além disso, em 1975 é concretizado o processo de fusão entre os estados do Rio de Janeiro e da Guanabara, iniciado anos antes, finalizando esse período de entusiasmo – analisa o pesquisador.
Para Soares, a transferência da capital estadual para o Rio de Janeiro causou um impacto negativo em todos os aspectos de Niterói.
– A fusão representou um baque muito grande para a cidade e gerou perdas econômicas, políticas e simbólicas. O fato de uma cidade ser capital gera diversas mudanças, tanto de investimento quanto de servidores trabalhando na máquina pública, então Niterói passa de um período de grande euforia para uma época de esvaziamento político e social. Isso provocou uma reflexão sobre a identidade da cidade, que enquanto capital, visava ser uma metrópole, mas que posteriormente à fusão, viu sua capitalidade se perder e se tornar uma cidade da recém-criada região metropolitana do Rio de Janeiro. Neste sentido, o mote adotado era o de Niterói como ‘uma cidade onde viver’, reforçando suas qualidades – destaca.
Interessados nos acontecimentos que mais impactaram a vida urbana de Niterói, convidamos Gabriel a fazer uma análise para além de sua dissertação, ou seja, quais seriam as principais mudanças urbanas da cidade após 1996?
Ele aceita o convite de pronto e afirma que não se restringe apenas à sua dissertação: “meu estudo sobre Niterói é permanente, o que permite que outras leituras se somem às minhas percepções”.
Quanto aos principais marcos de 1996 adiante, ele acredita que a tragédia do Bumba seja um dos episódios mais marcantes vividos em 2010, devido ao alcance da sua repercussão em dimensão nacional.
– Após intensas chuvas, a favela construída acima de um antigo lixão desabou, levando a morte 48 pessoas e deixando diversas famílias desabrigadas. Em minha visão, essa tragédia explicitou o fato de que a qualidade de vida propagada era desigual no território de Niterói, reforçando a necessidade de um cuidado maior com a questão das encostas e das moradias. Tanto, que nas gestões posteriores se observou um grande esforço em equipar a Defesa Civil municipal, tal como investimentos de contenção de encostas, de maneira que hoje Niterói se tornou referência, inclusive com a criação de um Sistema Municipal de Proteção e Defesa Civil – completou.
Não à toa, a partir desse marco, a administração municipal mudou de postura, passando a incluir a redução sistemática da desigualdade social e territorial com maior foco, de maneira paralela ao observado em outros municípios e ao próprio governo federal no século XXI.
Gabriel explica que, analisando a história de Niterói, estes grandes marcos se tornam impulsionadores de transformações, pois buscam novamente “restaurar a autoestima do niteroiense, que culturalmente é reconhecido como um cidadão orgulhoso de sua cidade”. Este, inclusive, é o mote do plano de longo prazo da cidade, o Niterói Que Queremos (2013-2033), que tem como objetivo tornar Niterói “a melhor cidade do Brasil para se viver e ser feliz”.
Do ponto de vista arquitetônico e urbano, no século XXI os vetores de expansão da cidade para as áreas mais distantes do centro continuaram presentes, em especial para Região Oceânica e Pendotiba, que começaram a receber melhorias de infraestrutura, tal como a expansão da rede de abastecimento de água pela então nova concessionária.
Ele pontua que o principal marco de integração urbana, no século XXI é a construção do túnel Charitas-Cafubá, previsto desde o século anterior, que possibilitou a conexão direta da Zona Sul com a Região Oceânica, incluindo a opção pelo transporte público, democratizando assim o acesso entre diferentes regiões da cidade.
– Esses vetores, contudo, são concomitantes ao contínuo adensamento da Zona Sul, principalmente Icaraí e arredores, que ainda concentram o maior volume de movimentação imobiliária da cidade.
Também cabe citar o impacto dos recursos dos royalties para Niterói, cujo volume se acentuou na segunda metade da década de 2010, chegando na casa do bilhão em 2018.
– Considerado o petróleo como algo finito, é importante dinamizar a economia para que não haja um impacto tão grande com a diminuição destes recursos. Uma das estratégias já utilizadas, a criação de um Fundo em que parte das receitas dos royalties é poupado trimestralmente, é inovador e já se provou necessário na criação de políticas públicas no âmbito da pandemia de COVID-19, e pode ser combinado com outras ações municipais.
Por fim, também podem ser observados grandes investimentos em mobilidade sustentável, como as ações direcionadas à expansão da rede cicloviária e a previsão de um novo VLT, que podem resultar na diminuição do uso do automóvel individual, e por consequência, do trânsito.
“Este continua a ser um desafio de Niterói desde o século passado, tal como na maioria das cidades médias e grandes brasileiras”, concluiu.
Gabriel Soares é Arquiteto e Urbanista formado pela Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense – Niterói (RJ), especialista em história urbana e patrimônio de Niterói. Mestrado em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU-UFF) (2020-2022) e Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pelo mesmo programa (PPGAU-UFF) (2023-2027).
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