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A capixaba Julia Lima de Paula, de 22 anos, se mudou para Niterói há pouco menos de três anos. Mas agora, com o início do censo, se tornou mais popular na vizinhança do Ingá, onde mora. Já se acostumou com a brincadeira dos vizinhos, que dizem que dizem que estão aguardando a sua visita. Diz que vai aceitar o convite. Como recenseadora do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ela vai tocar o interfone de vários prédios para pedir para ser recebida.
No dia 1 de agosto, o IBGE começou a coletar dados para o próximo Censo Demográfico. O último foi há 12 anos. Até outubro, serão investigados cerca de 78 milhões de domicílios particulares permanentes do país. O trabalho será feito por 183 mil recenseadores. Desse total, 501 estarão em Niterói. No momento, porém, somente 350 estão nas ruas da cidade.
A diferença, segundo Luiz Carlos Lima, coordenador de área de Niterói do IBGE, é que muitas pessoas que fizeram prova e passaram para fazer o trabalho, simplesmente, desistiram no meio do caminho – situação que se repete em outras localidades. Muitas, inclusive, deixaram de ir mesmo após receberem treinamento. Resultado: o IBGE fez novas convocações, dentre os aprovados, e vai começar uma terceira rodada de treinamento para buscar concluir o quadro de recenseadores da cidade.
Julia não toca um único interfone de forma aleatória. Antes de começar seu trabalho, o pesquisador do IBGE escolhe o setor (área formada por 300 unidades domiciliares) onde irá atuar, o mais próximo possível de sua própria residência. Conhecer moradores do bairro, porteiros e síndicos ajuda e muito a abrir portas. No caso dela, tem sido comum os próprios porteiros e zeladores de prédios interfonarem para as unidades anunciando a presença da pesquisadora. Nessas horas, o mais comum é o “Abre-te Sésamo”.
– Até agora, já passei por todo tipo de situação, desde ser recebida com cafezinho e bolo até ser olhada com muito desprezo e, claro, também não fui recebida em vários lugares – conta Julia.
De acordo com Carlos Lima, até o momento, Niterói está apresentando um alto grau de recusa em receber os profissionais do IBGE. Medo relacionado com violência? Não necessariamente, na sua opinião:
– A recusa em receber o recenseador é porque a pessoa não quer participar, mesmo. Acha que a informação dela não vai fazer diferença, mas faz. As informações de todas as pessoas são importantes. Tem gente também que não quer perder cinco minutos – observa ele que entrou no IBGE em 1980 como recenseador.
Detalhe: é possível responder às perguntas do recenseador pelo próprio interfone do prédio. Quem preferir descer, ao invés de deixar o pesquisador subir, sem problemas também. Outro detalhe: Julia voltará ao endereço para obter as respostas até o último dia previsto para fazer o trabalho.
Quando Julia é recebida, só na hora em que ela vai aplicar o formulário é que fica sabendo se fará, naquele domicílio, a versão simplificada ou não. O questionário básico é composto por 26 perguntas e leva, no máximo, cinco minutos para ser respondido. O outro é o da amostra e será aplicado em aproximadamente 11% do total de domicílios do país, ou seja, cerca de 8,5 milhões. Quem é “premiado” com esse questionário, terá que responder a 77 perguntas, o que leva cerca de 20 minutos.
Para ajudar a abrir portas, em Niterói, o IBGE está fazendo reuniões com associações de síndicos ou mesmo com representantes “avulsos” de prédios. O objetivo é informar previamente a identidade dos recenseadores que visitarão os respectivos locais. Carlos Lima relata que alguns síndicos estão fazendo cartazes com as informações sobre o recenseador (a) do local e colocando nos elevadores, para facilitar a informação. O que não é possível prever com antecedência é a data em que o pesquisador estará no local.
Por contrato, o recenseador deve trabalhar 25 horas semanais. Sua remuneração, porém, é por produção. Cada pesquisador tem um aparelho que o ajuda a aplicar o questionário, mas também informa para o IBGE sua localização em tempo real – e todos são monitorados, diariamente.
Dos atuais 350 recenseadores de Niterói, 50 moram em comunidades. Da mesma forma que o IBGE se “apresenta” para os síndicos dos prédios, faz o mesmo com as associações de moradores das comunidades. Segundo Carlos Lima, a prefeitura também está ajudando a criar pontes, nessas localidades.
– Buscamos fazer o possível para que o recenseador trabalhe com tranquilidade, em todos os lugares. Nas comunidades em que já chegamos, até o momento, não tivemos problemas e o nível de recusa em responder às perguntas está sendo pequeno, diria, que as comunidades estão sendo bastante colaborativas – comenta Carlos Lima.
Lenda urbana
Uma amiga que Julia já recenseou foi a professora Bruna Alves Silva, de 29 anos. Ela recebeu o A Seguir Niterói no seu apartamento, no Ingá, na segunda-feira (15). Das quatro moradoras do local, somente uma não “acreditava” que recenseadores de fato existiam.
Pois no dia em que Julia foi lá, quem não estava em casa? Ela mesma, é claro. Esse “detalhe”, porém, não impediu que a pesquisadora aplicasse o questionário também na “incrédula”:
– Nós ligamos e ela respondeu tudo por telefone – conta Bruna – Quando Julia contou que seria recenseadora ficamos na expectativa da visita dela. Por sorte, estávamos em casa e fiz questão de oferecer café com bolo. Eu queria que caísse para nós o questionário grande, para ela ficar mais tempo, mas foi o pequeno.
Bruna diz que teria recebido um pesquisador do IBGE, mesmo que fosse desconhecido por saber o tipo de trabalho que fazem. Ela admite, porém, que ficou mais satisfeita (e tranquila) por ter recebido a amiga.
Apresentação correta
Estudante de Letras na Universidade Federal Fluminense (UFF), Julia se mudou de Vila Velha (ES) para Niterói (RJ) para estudar. Na cidade, fez prova para recenseadora do IBGE quase como forma de manter uma tradição de família e também ganhar um dinheiro extra. Ela conta que vários parentes, na sua cidade natal, já fizeram esse trabalho. Alguns, depois, foram efetivamos pela instituição.
– Lembro do Censo de 2010. Eu era pequena, mas queria responder todas as perguntas, quando o recenseador chegou na minha casa. Achei tudo muito legal – recorda.
Mesmo com uma certa intimidade com o tipo de trabalho que iria fazer, ela admite que ficou muito nervosa no primeiro dia – que, por sinal, foi péssimo, segundo ela.
Na sua opinião, seu principal erro, na época, foi não se apresentar de forma correta:
– Eu estava com muito medo e cometi muitos erros ao me apresentar. Eu dizia que era representante do IBGE e ninguém me atendia. Ninguém quer saber de representantes. Até que respirei fundo e disse que era do IBGE. A partir daí, as pessoas começaram a me dar atenção. Ou seja, a escolha das palavras é muito importante. Quando a primeira pessoa me deixou entrar na casa dela foi que ganhei confiança.
No caso em que não foi muito bem tratada pelo morador, foi outro momento de respirar fundo, engolir o sapo, e seguir em frente. Outras vezes, se deparou com pessoas que queriam muito conversar. Houve um momento em que se comoveu com uma senhora que precisava muito estar com alguém, por conta de uma situação traumática que tinha vivenciado e calhou de ser ela a tocar o interfone.
– Nesse momento de pós pandemia e pré eleições, é complicado o primeiro contato. Há receio por parte das pessoas. Então, eu preciso ter cuidado e carinho para abordá-las. É só dessa forma que é possível quebrar a resistência das pessoas. Essa pesquisa não é só uma questão de estatística. É uma forma de contar um pouco da história do país, contar quem são os brasileiros. É com gentileza que vamos contar essa história – disse Julia.
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