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A reportagem do A Seguir Niterói sobre a crescente expansão dos colégios evangélicos na cidade gerou críticas e reflexões em relação ao programa de ensino dessas instituições, num país que consagra a educação laica, sem religião. Leitores do jornal manifestaram suas opiniões nas redes sociais, em especial à respeito da integração entre educação e princípios religiosos, um debate que, em outros tempos, se deu entre os colégios católicos. Como conciliar a visão criacionista e a ciência? Como se dá o ensino que nem sempre encontra as mesmas respostas que se procura nas provas do ENEM?
Veja a reportagem: A expansão das escolas evangélicas em Niterói | A Seguir Niterói
O A Seguir retoma o assunto, entrevistando diretores de dois colégios evangélicos de Niterói: Vinicius Corrêa, sócio-diretor do Colégio Genebra, a rede que mais cresce na cidade, e Fabio Simas, do Colégio Aggregare. Foram conversas separadas, realizadas depois da publicação da reportagem, nos dias 7 e 8 de maio, respectivamente.
O A Seguir entrou nos dois colégios, e pode conhecer as duas escolas por dentro, especialmente o Colégio Genebra, já que Corrêa fez questão de apresentar toda unidade de São Francisco II detalhadamente, demonstrando um grande cuidado com a nossa equipe. Em algumas dessas conversas, abordamos as críticas levantadas pelos leitores, e os diretores puderam oferecer as perspectivas dos educadores evangélicos sobre a relação entre fé e ensino.
Uma das questões relatadas ao A Seguir por uma mãe que matriculou seu filho no colégio Genebra, foi de supostos casos de intolerância religiosa por parte de professores e funcionários do colégio. Vinicius Corrêa, comentou o caso específico de que um professor teria afirmado em sala de aula que apenas evangélicos seriam cristãos.
– Existe uma orientação (de visão religiosa do colégio) clara e direta através dos documentos da escola. Os professores, quando eles entram no colégio, eles passam por um treinamento de cosmovisão cristã. Então, eles são orientados a como falar dos assuntos. Porque os alunos, às vezes, trazem perguntas que são polêmicas. E o professor precisa saber endereçar essas perguntas. Mas, o que eu posso garantir é que cristão é todo mundo que acredita em Cristo – explicou Corrêa.
Para Corrêa, o colégio aceita, sem discriminação, alunos de outras religiões.
– O que eu posso te garantir é que a nossa escola não tem uma exclusividade para público evangélico. Claro que pelo nicho da escola, a maioria dos alunos é formada por pessoas evangélicas, por famílias evangélicas, mas temos católicos, candomblecistas, uma diversidade religiosa aqui dentro muito grande – disse.
O pensamento cristão evangélico, por vezes, diverge do conteúdo cobrado no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Sobre essa questão, o diretor do Colégio Genebra, Vinicius Corrêa, explicou como a escola aborda temas que podem parecer conflitantes com a visão cristã.
– A gente precisa ser honesto com os nossos conteúdos. Então, quando eu falo, por exemplo, de criacionismo, é teoria criacionista. Quando eu falo de evolucionismo, é teoria evolucionista. O que acontece é que uma grande maioria dos colégios, pela militância que existe, vão falar que o criacionismo é uma falácia. Se é uma falácia, o que é teoria? Toda teoria é válida, até que se prove o contrário. Então eu posso, numa aula de ciências, apresentar todas as teorias e falar, eu acredito nessa, mas o que vão cobrar na prova é essa aqui – pontuou.
Fabio Simas, do Aggregare, também comentou sobre a preparação dos alunos para o ENEM dentro do Aggregare.
– Com relação a essas questões que não vão de encontro à nossa fé, nós ensinamos os alunos sobre os dois lados. Olha, no Enem vai cobrar dessa forma, porque, por exemplo, aqui na nossa escola a gente fala de Karl Marx, a gente fala desses pensadores todos, e ensinamos que eles pensaram dessa forma, mas nós (do Aggregare) pensamos assim. O Enem vai cobrar Karl Marx, Weber, vai cobrar essa galera toda, e eles aqui aprendem o que esses pensadores falavam e o que cai no Enem. Mas, sempre explicamos que nós pensamos de outro modo – explicou Simas.
A Igreja da Lagoinha, em Niterói, atualmente chamada de Igreja Novos Começos, é uma das maiores e mais famosas congregações evangélicas da cidade. Sua relação com o Aggregare sempre foi próxima, o que caracterizou popularmente a escola como, “o colégio da Lagoinha”.
Fabio Simas, negou que a escola seja da Lagoinha, mas confirmou que existe uma “parceria” entre as duas instituições.
– Eu e meu sócio somos de igrejas diferentes, e ele é pastor da Novos Começos, então a nossa escola é uma escola cristã, mas ela não é ligada diretamente a nenhuma igreja – disse.
O outro sócio do colégio a quem Simas se refere, é o pastor da Igreja Novos Começos (antiga Lagoinha), Alcir Guimarães. Guimarães e sua esposa, Gabriela Lopes, atuam numa unidade da Igreja Novos Começos no bairro do Leblon, Rio de janeiro.
Em dezembro de 2023, Lopes e o Colégio Aggregare publicaram um vídeo no Instagram, aconselhando seus seguidores.
– Matriculem seus filhos num colégio totalmente cristão, onde eles vão aprender valores e não serão doutrinados – disse Lopes no vídeo.
Mesmo tendo negado que haja uma ligação direta entre seu colégio e a Igreja, Simas explicou como funciona a “parceria” entre o colégio e a antiga Lagoinha, além de pelo menos mais uma outra igreja.
– A gente oferece alguns descontos para quem é membro dessa igreja. Além disso, nós já fizemos eventos lá na Novos Começos usando espaço de lá. E também no projeto, Água da Vida, que é a minha igreja, fizemos alguns eventos lá usando o templo, então na verdade a gente tem uma relação de parceria – explicou.
Felippe Valadão é pastor da Igreja Novos Começos, antiga Lagoinha, em Niterói. Em abril de 2024, ele foi indiciado pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) por crime de intolerância religiosa contra religiões de matrizes africanas.
Através do seu instagram pessoal, assim como na rede social do Aggregare, é possível ver vídeos de Valadão aconselhando seus seguidores e fiéis a matricularem seus filhos no Colégio Cristão Aggregare.
Como publicado pelo A Seguir, em outubro de 2024, os então candidatos à prefeitura de Niterói, participaram de um mesmo culto religioso na Igreja da Lagoinha. No momento em que os dois candidatos se perfilaram abaixo do palco, Valadão leu uma carta e deixou para que eles a assinassem, caso desejassem.
O documento continha, entre outras, as seguintes “propostas”:
“Não permitir, apoiar, estimular, ideologia de gênero contrária à heterossexualidade e orientação sexual contrária ao sexo biológico, em qualquer órgão municipal, principalmente nas escolas públicas”.
“Não permitir a inclusão de questões sobre identidade de gênero e orientação sexual em qualquer tipo de censo”.
“Zelar pela pauta conservadora da família e princípios cristãos”.
Perguntado sobre as falas de Valadão, Simas comentou:
– Com relação ao que o pastor da Novos Começos teria falado ou não, eu não vi, não estava lá, não sei o que aconteceu, então não posso comentar – disse.
Mas, o sócio-diretor do Aggregare fez questão de ressaltar que o colégio respeita todas as pessoas e acredita no tratamento igual, independente da sua escolha de gênero, ou de religião.
– Como eu disse, todos os que vêm para cá sabem que nós somos evangélicos, nossos princípios e nossos valores são bíblicos e todos serão devidamente acolhidos. O que nós cremos é que todas as pessoas são iguais perante a lei. Então, o direito que eu tenho como heterossexual, o homossexual também tem que ter. Mas o que nós não somos aqui é “panfletários” – disse.
Sobre o termo “panfletário”, Simas esclareceu:
– Vou te dar um exemplo. Na época da campanha eleitoral, encontrei uma candidata passando mal na rua, a ajudei, mas quando ela pediu fotos do colégio para a campanha, eu disse ‘Não’. Apesar de eu até ser eleitor dela, eu não misturo as coisas. Aqui na escola, não faço propaganda política para ninguém – pontuou.
Vinicius Corrêa acredita na expansão “natural” e “orgânica” do colégio Genebra, que já possui quatro unidades em Niterói e conta com mais de 600 alunos matriculados.
– Eu quero entregar qualidade. Porque a expansão tem que ser natural, como sempre foi no Genebra. Então, é uma expansão mais orgânica. Por exemplo, hoje eu preciso que as minhas unidades aumentem de tamanho, antes de priorizar abrir mais escolas, contou Corrêa.
Corrêa explicou que a expansão, surge como uma consequência natural da busca por mais espaço para atender à demanda. Recentemente, a unidade 2 do Colégio Genebra de São Francisco, adquiriu um terreno ao lado da escola e as obras de expansão já estão em andamento. Perguntado sobre a possibilidade de abrir mais unidades em cidades vizinhas a Niterói, como Maricá e São Gonçalo, Corrêa explicou:
– Eu não vou baixar o meu preço, que eu considero justo pelo que o colégio entrega. Além disso, não conheço, por exemplo, a “praça” de Maricá. A gente precisa de um estudo antes de abrir uma nova unidade, precisamos de um trabalho imersivo local para ver se as famílias de Maricá vão comprar a nossa visão – disse.
Essa filosofia parece afastar a possibilidade de um modelo de franquias para o Genebra, pois Corrêa acredita que a essência da educação, exige um cuidado e uma segurança que o modelo de franquias não atende. O Legacy School é um colégio evangélico de Niterói que funciona no modelo de franquias. Até o fechamento desta edição, não obtivemos resposta do colégio.
Fábio Simas, por seu lado, mencionou um crescimento constante no número de alunos do Aggregare, ultrapassando a marca de 200 atualmente. Ele também revelou planos concretos para a abertura de novas unidades, embora tenha mantido os detalhes sob sigilo.
– Essa expansão é consequência do reconhecimento da excelência acadêmica da escola, aliada aos seus princípios cristãos. O foco do Aggregare sempre foi ter excelência acadêmica a partir de valores e princípios cristãos – disse Simas.
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