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Diretora da Niterói Livros, a jornalista e escritora Chris Fuscaldo fala dos planos da editora

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Niterói Livros terá aplicativo com todo o seu acervo digital; diretora conta sobre nova sala na Biblioteca Parque, sua trajetória e o livro sobre Belchior
A escritoria, jornalista e diretora da Niterói Livros, Chris Fuscaldo : Foto- Rafael Catarcione
A escritoria, jornalista e diretora da Niterói Livros, Chris Fuscaldo / Foto: Rafael Catarcione

Nascida e criada em Niterói, a jornalista Chris Fuscaldo, mestre e doutora em Literatura, está em sintonia com o nosso tempo, em que as ações são multimídia, multiplataforma: é escritora, cantautora, pesquisadora musical e, agora, Diretora da Niterói Livros. A sua trajetória profissional sempre esteve em diálogo com a cultura. A música, então, carrega no seu DNA, herança do pai músico. É com este respeito à produção cultural que chega à Niterói Livros e, em pouco tempo, já prepara o lançamento de todo o acervo digital do selo.

A ideia é que o público tenha acesso ao grande acervo da cidade. O primeiro passo veio com a criação das redes sociais da Niterói Livros, que até este ano não existia no mundo virtual. Nas redes sociais, a Niterói Livros conta um pouco da história dos mais de 60 títulos e convida o público para o convívio com as obras. Semanalmente, há uma série de leituras de títulos que fazem parte do acervo da editora. O quadro intitulado “EuLeioNiteróiLivros” convida escritores, pesquisadores e outros profissionais para ler fragmentos de obras consagradas.

– A gente está se preparando para comemorar os 30 anos do selo e a ideia é que a cidade ganhe um acervo digital, um resgate da memória da cidade. Iremos criar um aplicativo em que as pessoas possam navegar e interagir com os livros, como mais ou menos o que propõe o streaming. No momento estamos em fase de testes, mas a previsão é que ele seja lançado ainda neste ano. O aplicativo será disponibilizado tanto para Android como para IOS. Eu aceitei o convite para ser Diretora da Niterói Livros com a intenção de pensar em políticas públicas de leitura, para devolver à população esse investimento – explicou.

Aplicativo de literatura

A ideia do aplicativo surgiu após uma conversa de Chris com Mariane Torres, coordenadora da Curitiba Lê, um aplicativo, feito durante a pandemia, que disponibiliza livros de autores de Curitiba e de domínio público.

– Eles colocam no formato que remete ao streaming: compram o direito autoral durante um tempo e o livro fica disponível por esse período. Eu achei genial! Logo pensei que precisamos disso em Niterói, porque não entramos na questão da distribuição de venda e ao mesmo tempo temos um acervo digital que pode ser cultivado, no formato de e-book. Estamos escaneando livro por livro. Trabalho de formiguinha mesmo. E contratamos uma empresa de desenvolvimento de aplicativo. Todos os livros do acervo da Niterói Livros ficarão disponíveis e a ideia é que a gente atualize com frequência para trazer também livros de domínio público e de outros autores que não tenham feito a edição com a gente. Mas isso é um próximo passo – ressaltou.

Segundo Chris, a ideia é que o aplicativo funcione como uma espécie de Kindle, para que os usuários possam criar perfis e avaliar os livros, oferecendo o maior intercâmbio de informações no próprio aplicativo e, em um futuro, quem sabe, investir na gamificação.

Niterói Livros ganhará sala na Biblioteca Parque

A Niterói Livros ganhará ainda este ano um espaço físico para centralizar todo o acervo do selo. A sala ficará localizada dentro da Biblioteca Parque, no Centro de Niterói. A ideia é que seja um espaço aberto ao público para eventuais debates e palestras. A sala ficará ao lado da Niterói Discos, que possui quase 200 títulos. No momento, a Biblioteca Parque está fechada devido à pandemia, mas a previsão é que a sala seja inaugurada ainda neste ano, em novembro, para comemorar o aniversário da cidade.

– Com a pandemia arrefecendo, a gente já tem pensado em eventos presenciais, de forma que a gente também possa dar pitadas no virtual. Acho que é o momento de trabalhar o passado do selo, organizar essa memória para depois começar a trabalhar o futuro. Eu tenho uma frase que uso desde o meu discurso quando ganhei um prêmio pela minha discobiografia sobre os Mutantes, que é: “sem passado não tem presente e, muito menos, projeção de futuro”. A gente precisa do passado para evoluir. Isso é o que está acontecendo no momento com a Niterói Livros – ressaltou.

Profissional multimídia

Como jornalista, Chris pegou a transição do impresso para o digital e participou de algumas campanhas de redes sociais para uma empresa de São Paulo. Cobaia da tecnologia por definição própria, ela diz que participou de quase todas as transições, a do impresso para o digital e o surgimento das redes sociais foram algumas delas. “Só não participei da virada da máquina de escrever para computador”, falou, rindo.

Chris atua como jornalista de música desde 1999 em jornais, revistas e portais (Extra, O Globo, Rolling Stone, MTV), com passagem também pela rádio. Autora dos livros “Discobiografia Legionária” (2016), “Discobiografia Mutante: Álbuns que revolucionaram a música brasileira” (2018) e “Viver é melhor que sonhar: Os últimos caminhos de Belchior” (2021), Chris Fuscaldo é também diretora da editora Garota FM. É formada em Jornalismo e em Letras. Mestre e doutora em Literatura, Cultura e Contemporaneidade, Chris sempre foi muito interessada em música e, por isso, procurou pautar sua carreira sempre neste sentido.

Foto: Divulgação

Herança familiar

– Eu brinco que tudo é culpa do meu pai e da minha mãe. A do meu pai é a música. Ele é engenheiro, mas sempre teve banda. Minha relação com a música vem dele. Ele me estimulou a isso, desde quando eu era muito nova. Quando meu pai colocava os instrumentos na sala para a gente tocar era meu irmão que ia, mas quando era para ver um documentário sobre a história do rock, entrevistas, era eu que ia. Eu gostava de aprender, assistir, estudar. E minha mãe me colocava para fazer tudo: jazz, ballet, inglês, sapateado, teatro, violão, canto. Em tudo que eu demonstrava qualquer curiosidade ela me colocava para fazer aula. Quando eu fiz 15 anos, percebi que fazia de tudo um pouco – destacou.

Sua trajetória no jornalismo começou em Niterói em uma revista da cidade chamada “O Cais” e em um portal de Itacoatiara. Em ambos, Chris era colunista da área de música, fazendo resenhas de discos, shows, curiosidades dos bastidores e artigos de música em geral. Contudo, seu primeiro estágio foi na rádio JB FM, para trabalhar com notícias de todas as editorias. Mas a indicação do seu gestor na época permitiu o primeiro contato com a música, de modo mais formal. A oportunidade foi na GloboNews.com, onde ficou por dois anos. Depois de alguns freelas para portais de São Paulo, como MTV e o site Flash, foi trabalhar como repórter na área de música no jornal Extra. Neste período, Chris conta que se catapultou sua relação com a música, com a apuração de rua, consolidando sua experiência como repórter e entusiasta da música e da cultura, de forma geral. Chris conta que cursou Jornalismo pensando na ideia de ser escritora. Sempre consumiu muitos livros sobre a história da música e, desde sua adolescência, o interesse pelos bastidores era latente.

– Eu descobria um cantor e queria ler sobre ele, me aprofundar mais. Lembro quando conheci Caetano me apaixonei e já quis logo ler sobre ele. Procurei uma biografia sobre ele e, de quebra, sobre o movimento da Tropicália. Depois eu conheci Zé Ramalho e descobri que não tinha nenhuma biografia sobre ele. E eu fiquei: ué, e agora? Como eu vou conhecer a história desse cara? Porque não tinha muita coisa no Google na época, era uma pesquisa manual. E ai veio o insight de fazer um livro sobre a história dele. Eu tinha 24 anos quando fui até ele e pedi permissão para escrever uma biografia sobre ele. Mas quando me deu a autorização, teve a história do Roberto Carlos, de proibir biografias. E eu fiquei sem conseguir emplacar meu livro. Ele está em andamento até hoje, porque é um processo mais lento, porque é mais caro, já que exige todo um trabalho de campo e ainda não tenho uma editora apoiando…

Chris escritora

A ideia de fazer o mestrado e doutorado, na sequência, foi um pouco estratégica, já pensando no seu trabalho como escritora. Era uma forma de juntar o gosto pelo estudo, interesse pela música, com o objetivo final de se tornar escritora.

– O meu primeiro livro foi a discobiografia da Legião Urbana. Esse foi um insight que eu tive porque fui convidada para escrever os textos dos encartes de todos os vinis da banda que estavam sendo relançados pela gravadora, na época. Acabou que os textos geraram um conteúdo muito maior do que planejava. Era a visão do estúdio para fora, diferente do que era proposto pelas biografias. Acabei transformando no livro Discobiografia Legionária. E, dois anos depois, fiz a discobiografia dos Mutantes. A discobiografia é interessante porque os técnicos de som e os produtores ganham um protagonismo que eles não costumam ter nas biografias comuns. E eles sabem muito porque o estúdio é o grande momento de intimidade do artista. Eles trazem nuances, curiosidades que ninguém contou. E são esses detalhes que permitem entender mais sobre a música, o seu contexto – destacou.

Falta de protagonismo da mulher

Em 2018, Fuscaldo foi convidada pela UBC (União Brasileira de Compositores) para ajudar em uma pesquisa sobre o dia da mulher. Durante a pesquisa, identificou que as mulheres eram responsáveis apenas por 14% da arrecadação dos direitos autorais. Quando foi ver no ECAD percebeu que as mulheres detinham apenas 8% dos direitos autorais no Brasil, enquanto os homens possuíam 82,46%. Naquele ano, as mulheres arrecadaram 91,72% a menos que os homens e apenas cinco faziam parte da lista dos maiores arrecadadores do país, na qual 93 homens figuravam.

– Percebi que tinha algo errado: eu havia sido tocada pelas tantas histórias das cantoras que compõem, mas vinha estudando os números gerais do mercado da música e, neles, estavam incluídos instrumentistas, arranjadoras, produtoras e todas as profissionais que trabalham com música. Pedi ao Ecad, então, uma nova lista, na qual só figurassem cantores e compositores brasileiros que arrecadaram direitos autorais em 2019. De novo, surpreendi-me, pois os números mudam um pouco e as porcentagens continuaram praticamente a mesma. Foi então que eu tive a ideia de entrevistar cantoras para entender essa história, entender as experiências pessoais dessas mulheres. Escolhi sete cantoras veteranas, Anastácia, do forró, Joyce, da MPB, Sandra de Sá, da black music e por aí vai – explicou.

Toda essa pesquisa virou tema de sua tese de doutorado, que ganhou fôlego também depois que Chris trabalhou como roteirista e pesquisadora de um programa chamado “Mulheres do Brasil”, sobre mulheres cantoras e compositoras brasileiras, exibido pelo Canal Bis.

Mas foi no programa de doutorado de Letras que Chris conheceu o jornalista Marcelo Bortoloti. Após algumas conversas, combinaram fazer juntos o livro sobre o exílio do Belchior. A pesquisa começou em 2015 e, quando eles estavam indo para estrada, em 2017, Belchior morreu. Foi um ano de viagens, traçando todo o seu percurso. O livro foi feito em quase dois anos e foi lançado em abril deste ano. A pesquisa do livro, inclusive, servirá de base para o documentário que está sendo preparado pelo Canal do Brasil, em parceria com a Globo Filmes, sobre o cantor e compositor.

– A história do exílio do Belchior não é tão simples como a mídia colocou. Acho que a repercussão sobre o desaparecimento foi pouco cuidadosa. Trataram ele como criminoso. Tinha muita complexidade ali. E eu resolvi me aprofundar sobre essas questões junto do Marcelo, com a proposta de um road book. É um recorte dos últimos dez anos dele. Mas sentimos a necessidade também de explicar as origens dele, então fomos à Sobral e à Fortaleza entrevistar amigos dele da escola e da faculdade. E a partir de alguns relatos, descobrimos que um dos projetos de vida dele era ser santo. O livro reuniu mais de 100 entrevistas. Falamos com pessoas que abrigaram Belchior durante o seu exílio. Mas a gente não queria oferecer uma resposta definida e, sim, a opção do leitor acreditar na teoria que ele quisesse. A gente acredita que o exílio dele foi motivado por uma cascata de acontecimentos, a rejeição da mídia, entre outros fatores.

Foto: Divulgação

Relação com Niterói

Diferente do pai, Chris nunca foi bairrista. Quando era adolescente seu plano era percorrer outros locais e não ficar estagnada em Niterói. Mas durante a faculdade de Jornalismo, no Rio, fez o caminho inverso e foi se encantando pelas sutilezas de Niterói.

– Eu tinha um pouco essa sede de sair e querer conhecer o mundo. Não era bairrista. Achava isso um pouco cansativo. Mas na época da faculdade eu comecei a me apaixonar por Niterói. Comecei a olhar para o MAC, a igrejinha da Boa Viagem, a Fortaleza de Santa Cruz, o Parque da Cidade, as trilhas, a praia de Itacoatiara… Quando eu comecei a ir à praia no Rio percebi que não era a minha praia, eu me deslocava para vir para Itacoatiara. Para mim não tem nada igual. Fazia também muita rodinha de violão no pátio do MAC, show na Cantareira. Isso no final dos anos 90 e início dos anos 2000. Gosto muito também do Theatro Municipal. Em Niterói tudo é mais perto, é uma cidade mais tranquila. Gosto muito da gastronomia daqui também. Acho que é uma cidade que está cada vez mais próxima do que eu gosto.

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