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‘Descendo a Alameda’ tem muita história pra contar

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Música de trio nascido e criado no Fonseca circula em grupos de mensagens, contando as histórias e cenários do bairro
Cadu Pacheco, Renato Badeco e Carlos Alberto Gomes- músicos que cresceram no Fonseca. Fotomontagem- Arquivo pessoal
Cadu Pacheco, Renato Badeco e Carlos Alberto Gomes: músicos que cresceram no Fonseca. Fotomontagem: Arquivo pessoal

Alameda, Largo do Moura, Bairro Chic, Palmeira, Caixa D’água, Morro do Céu. Esses são alguns dos cenários descritos com muita propriedade e poesia por Cadu Pacheco, Renato Badeco e Carlos Alberto Gomes, na música “Descendo a Alameda”, que leva o ouvinte a dar um passeio pela vida cotidiana no Fonseca. A composição, que circula nos grupos de mensagens, conta histórias cotidianas do bairro da Zona Norte que não aparece nos cartões postais, mas que acontece e vibra com todas as qualidades do subúrbio, com seus cenários e histórias característicos, como os campeonatos de cafifa, os botecos do Leão e do Portuga, além do clássico futebol na Palmeira.

Um dos compositores da canção, Renato Badeco cresceu no bairro, e atualmente mora no Barreto, com a esposa. Músico há 17 anos e amigo de longa data dos dois parceiros de composição, contou pro A Seguir: Niterói detalhes sobre as histórias e personagens que aparecem na música em homenagem ao bairro onde cresceram:


A Segui: Niterói: A letra faz parecer que estamos andando pelo Fonseca e passando pelos lugares, vendo as pessoas que vocês descrevem. Vocês cresceram no bairro? As situações são experiências pessoais, ou vocês também resgatam histórias de moradores antigos?

– Eu, o Cadu e o Carlos somos três amigos, moradores do Fonseca a vida toda. Hoje, o Cadu hoje mora em Portugal, o Carlos agora mora em Icaraí, e eu casei, fui morar no Barreto, mas ainda frequento rotineiramente o Fonseca, minha mãe mora lá, e o bairro não saiu de mim.

Nós temos um grupo chamado Turbulentos, e durante a pandemia, compusemos 10 músicas. O Carlos Gomes é quem faz muitos poemas, muitos textos, então geralmente as letras têm o start com ele, e eu e o Cadu chegamos com a melodia.

Essa música do Fonseca, especificamente, nossa… há mais de 10 anos, eu, o Cadu e o Carlos, e outro amigo nosso, o Gabriel Policarpo, estávamos fazendo samba em Saquarema, e aí surgiu esse refrão “Fonseca, Fonseca… Muita história pra contar/ Quando eu desci a Caixa D’água no 49 circular”…. a gente brincou com esse refrão, e morreu. Nunca mais fizemos nada. E, durante a pandemia, a gente quis fazer um samba em homenagem ao Fonseca. O Carlos começou com a letra, o Cadu arrematou outras partes, eu fechei com outras, então esse samba é bem dividido, cada um fez uma parte, e fomos pensando em elementos interessantes que tinham a ver com o Fonseca, inclusive de antigamente.

Nossos pais moraram no Fonseca. O pai do Cadu morava lá, o pai do Carlos tinha uma pensão no Ponto Cem Réis… então, nós temos uma história que se confunde com a história do bairro.

Música conta causos e descreve o Fonseca da Caixa D’água até o Ponto Cem Réis.
Foto Edvan Miranda.

O vídeo está circulando por aplicativo de mensagem, e caiu no gosto dos moradores. Vocês pretendem gravar um vídeo?

– A gente nunca decidiu gravar, o que aconteceu foi que no processo, eu sempre organizo, gravo e mando no grupo. Só que, durante o processo de gravação, nós conversamos sobre com algumas pessoas, como um tio do Cadu, até pra não escrever besteira. Quando acabamos, nos sentimos da obrigação de compartilhar com esse tio. Não pretendíamos que a música circulasse, mas esse tio deve ter enviado pra algum grupo de amigos, do Fonseca, e a gente perdeu o controle.

Quando foi a noite, recebi a música por mensagem por um contato. Como era só um áudio, eu peguei uma foto antiga da Alameda, fiz a legenda, coloquei nossos nomes pra ficar registrar que a gente fez naquela data. E aí, a gente recebeu uma enxurrada de mensagens de pessoas que ouviram a música e moram ou moraram no Fonseca e se identificam com alguma parte da letra.

Quem era dona Darcy?

A gente escolheu um nome que pudesse fazer referência aos dois gêneros. A gente usou pra descrever uma pessoa, que não vem ao caso quem seja, mas que é um personagem conhecido no Fonseca. Não quisemos citar o nome, pra não expôr a pessoa, o que é até perigoso hoje em dia.

Qual é o ponto de encontro favorito de vocês: Verdinho ou Amarelinho?

Antigamente, ali no Bairro Chic, era muito comum em dias de Fla x Flu, por exemplo, o Verdinho ter só flamenguista, e o Amarelinho, só tricolor, digamos assim, ou vice e versa. Mas era uma festa, até porque o lugar era muito família. Já fui muito ver jogo lá, e ainda vou, quando o mundo voltar ao normal, porque eu gosto, mas acho que essa coisa de torcida esfriou. E pessoalmente, eu prefiro o antigo Verdinho, atual Feijão de Corda.

Os bares da música ainda existem? O do Portuga, na Palmeira, e o do Baiano no Ponto Cem Réis.

Sim, eles existem. O do Baiano, eu acho que não existe mais, mas o Bar do Portuga ainda existe, a pesar de ele ter morrido. A gente fez uma brincadeira, pra homenagear o Bar do Portuga, que não fica exatamente na Palmeira, fica na Oscar Fonseca, que é a continuação da São Januário, atravessando a Alameda. A Palmeira fica no final da São Januário, e tem sim um bar de um português ali. Mas o Bar do Portuga de quem a gente queria falar era um que fica na esquina da Oscar Fonseca com a Travessa do Maia. Depois, a gente até ficou sabendo que ele faleceu um pouco antes de fazermos a música.

O Bar do Leão é um bar que existe na esquina da São Januário com a Alameda. É um bar conhecido, fica cheio de gente, eu mesmo já bebi ali. Fica sempre um monte de bebum lá. Abre muito cedo, e é daqueles bares que até fecham, mas fecham bem tarde.

Conhecem alguém que tropeçou caiu no valão, voltando do bar do Leão (que aliás, ainda existe)?

Eu já ouvi histórias de gente que saiu do Bar do Leão e caiu lá, mas ver eu nunca vi. Histórias, sempre ouvi.

Onde vocês soltavam cafifa e jogavam futebol?

Eu sempre fui fraco com cafifa, mas eu gostava de soltar. Quando meu pai se separou da minha mãe e foi morar na Penha, no Rio, eu levava muita cafifa pra eles lá, porque no Rio é aquela pipa, com rabiola, e eles adoravam raia, pião, morcego, as cafifas daqui. Eu morava na rua São Feliciano, paralela à Alameda, atrás da Caixa Econômica, e ali era um ponto muito bom, então eu soltava por ali. O Cadu e o Carlos eu acho que não, não sei nem se o Cadu soltava cafifa. Eu ainda soltei, apesar de não ser dos melhores, não.

Futebol eu joguei na Palmeira, várias vezes quando era mais, moleque, e na própria São Feliciano, mesmo. Ali tem um condomínio, onde eu morava, que tinha uma quadra que vivia cheia de gente. Vinha gente do Morro do Eucalipto, do El Dourado… E jogava também no Marajoara, que tinha uma quadra conhecida.

A música exalta as características bairristas da Zona Norte, e mostra a Niterói suburbana, de antigamente. Vocês ainda enxergam o bairro dessa forma? Na sua opinião, o que mudou ao longo do tempo?

A música de fato fala um pouco da Niterói de antigamente, mas eu acho que a música, assim como o personagem tem um trajeto cíclico, de sair lá da Caixa D’água, descendo a Alameda, passando nos pontos que a gente consegue contar na música, passar lá pelo Ponto Cem Réis e voltar, acho que a história é cíclica, de um modo geral. As micro-histórias e as macro-histórias são cíclicas, na minha cabeça, e acho que de certo modo a gente consegue manter algumas raízes do subúrbio de Niterói.

Nostalgicamente, quando eu passo por ali, eu ainda vejo muita coisa, como o Horto, ou aquela casa muito antiga que parece que agora vai virar um Centro Cultural, que inclusive estou esperando ansiosamente, acho um projeto muito legal. Era uma casa de um latifundiário, já que o Fonseca era um bairro de latifundiários, até porque era um lugar que tinha um rio, que foi forjado ali, e como gente rica é esperta, eles construíram tudo em volta do rio, por que era bom. Então, a região do Fonseca era uma região muito nobre antigamente, quando Niterói começou a ser habitada, quando começou a se interiorizar, por causa do rio.

E óbvio, não tem como não falar de violência. O bairro é um bairro com muita violência por causa de guerra de facção, na Vila Ipiranga, Santo Cristo, do outro lado, a Bernardinho, a própria Caixa D’água, a Palmeira, lá dentro, mas também é cíclico. Tem épocas em que o Fonseca fica muito tranquilo, até por conta das guerras acalmarem. Já peguei muita fase em que o Fonseca estava bem tranquilo, e outras em que estava impossível, de você ficar com medo de ir na rua. Mas isso é cíclico.

Outra coisa e de que a gente não falou foram as enchentes, que fazem a Alameda virar um mar, principalmente no verão, onde eu muitas vezes já fiquei preso, não conseguir chegar em casa. Mas isso é cíclico também.

O Fonseca sempre foi um subúrbio de Niterói, e antigamente, na década de 1990, não tinha muita coisa, não tinha banco, mercados grandes, por exemplo, mas hoje tem, então é um bairro que, de certo modo, como é muito populoso, já está tendo um olhar para esse lado comercial. Mas eu acredito que o Fonseca ainda tem uma raiz bem forte desse clímax dos bairros antigos, do malandro suburbano. São todas características bairristas da Zona Norte.

Confira a música Descendo a Alameda, de Renato Badeco, Cadu Pacheco e Carlos Alberto Gomes:

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