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Na Rua José Clemente 31, no Centro de Niterói, está localizada uma das três Kátia Decorações, uma loja de tapetes, cortinas, papel de parede e outros artigos de decoração. Foi lá que o dono, Orlando Cerveira Francisco, de 82 anos, recebeu A Seguir: Niterói para uma entrevista.
Na conversa ele falou sobre sua origem portuguesa, a chegada de navio ao Rio de Janeiro, sua breve estadia no alto do Pão de Açúcar, a paixão pela mulher e a construção da loja que, atualmente, é gerida por ele, os filhos e uma neta.
Orlando tem a fala calma e se emociona fácil. Ainda no início do papo, seus olhos marejaram ao relembrar quando, em 1957, dentro do navio, ainda menor de idade, avistou terras brasileiras:
– Ao avistar o Rio na entrada da Baía de Guanabara, vi o Forte São João, na Urca, o Forte Santa Cruz, em Niterói, o Pão de Açúcar, no Corcovado e fiquei encantado e deslumbrado. Nunca vi coisa mais linda, e, olha, conheço a Europa e o Brasil quase inteiros. Não há lugar, em belezas naturais, igual ao Rio de Janeiro. Fico numa emoção quando falo desse Brasil. Desculpa estar emocionado. Eu amo este país, conta enxugando o olho.
Ao chegar, o então jovem subiu o Pão de Açúcar e se deparou com um restaurante e uma vista “deslumbrante”, como ele mesmo adjetifica. Pediu um emprego e ficou ali por três anos. Garçom e cozinheiro foram duas de suas funções neste período.
Namorada da Rua Nossa Sra de Copacabana
Quase nunca saía do alto do morro, mas em um dia de folga aproveitou para passear por Copacabana e conheceu uma moça, também portuguesa, com quem se casou anos depois. A jovem mulher, Laura Augusta Pimentel Francisco, não lhe deu bola no início, mas depois da insistência do galanteador aceitou conversar com Orlando e tempos depois se casaram.
Ele lembra que, naquele dia de folga, a viu entrando no prédio onde morava e ele, um jovem romântico, chegou em casa esbaforido, pegou uma agenda telefônica e ligou para todos os apartamentos do prédio até encontrá-la.
– Marquei um jantar, mas, receosa, ela apenas conversou comigo e foi embora, relembra rindo.
Algum tempo depois ele arrumou um emprego de representante de bebida do Rio de Janeiro e saiu da Urca. Guardou parte do dinheiro que ganhava e, além de pagar a dívida da passagem de navio que ainda devia, comprou, junto com a esposa, um terreno no Rio de Janeiro.
Entretanto, o casal não ficou muito na cidade maravilhosa e, devido ao trabalho do português decidiram mudar-se para Niterói na década de 1960. Neste mesmo período, Orlando passou a vender joias de luxo e sustentou a mulher, que deixou de trabalhar logo no início do casamento.
Dez anos depois, estabilizados e com a família crescendo, três amigos o convidaram para uma nova empreitada. Abrir uma loja de tapetes, cortinas e artigos de decoração. Receoso, ele recusou de inicio.
– Eu não queria, eles insistiram e eu acabei aceitando. Entramos quatro sócios, eu falei que não ia participar nos primeiros anos porque não sabia se ia dar certo. Dei o prazo de um ano para isso e depois íamos abrir outra loja e eu assumiria. E assim foi. Inauguramos a primeira, que é minha matriz até hoje, na Gavião Peixoto (em Icaraí). Depois abrimos na esquina da Rua Otávio Carneiro com a Moreira César (nova Paulo Gustavo), esta aqui da José Clemente e em Itaipu, explica.
Negócio de família
Com os anos, o negócio de amigos tornou-se da família Cerveira. Os filhos foram crescendo e assumiram, ainda novos, as tarefas das lojas. A falta de mais um filho, são três no total, fez com que a loja de Itaipu fechasse por falta de alguém da família para gerenciar.
Em uma de suas histórias, Orlando relembra que em suas idas a Portugal, em visita à família, os filhos, ainda com 13/14 anos, eram os responsáveis pelas lojas sem supervisão do pai. E, segundo ele, este talvez seja o principal motivo para que, mesmo formados em outras áreas, o trio decidisse seguir o ramo de decorações.
Orlando demonstra, durante toda a conversa com A Seguir: Niterói, sua paixão pelo país, mas, sobretudo, por Niterói. Seus filhos e ele decidiram permanecer na cidade e aumentar a família, que já conta com mais cinco netos. Uma, inclusive, pegou no batente cedo e administra uma das lojas.
– Niterói é um cantinho do céu, calmo, tranquilo. em todos estes anos, nunca fui assaltado. Na pandemia foram um ano e poucos meses fechados e sem funcionar e a reabertura está regular, conta ele.
Entusiasta da vida, Orlando, aos 82 anos, continua aquele rapaz de 16, que chegou ao Brasil, se deslumbrou e aqui permaneceu.
– Deus quer, o homem sonha e a hora nasce. Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Fernando Pessoa, escritor e poeta português. Foi uma experiência muito boa desde que cheguei aqui, rememora o português.
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