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Após finalizar todas as principais tarefas da manhã, o cantor e compositor Dalto senta em frente ao computador para uma partida de xadrez. A ideia de não contar com a sorte o atrai. O que ele gosta, mesmo, é de colocar a cabeça para pensar. Porém, isso só é possível depois de dar uma bela volta na praia para ver o mar.
– Sou canceriano, né? Eu sou meio chegado nessa história de mar. Eu gosto de ver o mar. Não consigo me imaginar longe dele – afirma o cantor que está com 73 anos.
Não por acaso, Dalto mora perto da praia, em Piratininga, na Região Oceânica de Niterói. Assim como sua relação com o mar, suas composições têm algo de fluido. Segundo ele, compor é algo que “beira a estranheza”. Isso porque a canção, para ele, surge de forma lúdica e espontânea, sem pressão, sem cobranças.
– Eu não gosto de compor nada quando estou triste, com dor. Eu sou anestesista, né? Então, com dor, nada feito – ressalta o artista, que começou a compor aos 17 anos e trabalhou por 2 anos como anestesista.
E completa:
– Quase enlouqueci porque amo criança e morro de pena. Não nasci para isso. Eu era como uma babá para meus pacientes pequenos. Eu gostava muito da Medicina. Sempre achei legal. Eu tinha asma e, olha que doido, a asma acabou me levando até a música clássica – conta.
Carioca, Dalto nasceu na Tijuca, mas aos seis anos se mudou para Niterói, no Ingá, onde vive desde então, apesar de inúmeros convites para morar em outros estados, recebidos ao longo de sua vida. Por conta disso, há quem jure que ele é niteroiense de nascimento.
Para o A Seguir, ele fala do seu enorme apreço pela cidade, da sua relação com a composição, suas principais referências musicais e do seu próximo disco, que contará com cinco inéditas e uma releitura de uma música antiga de sua carreira. O show que dá o pontapé inicial da turnê será em Niterói, em janeiro de 2023. O local e a data ainda serão definidos.
A seguir, os melhores trechos da conversa:
A Seguir: Niterói: Sua música “Muito estranho” completou, recentemente, 40 anos. De que forma essa canção serve de termômetro do sucesso da sua carreira? Você lembra o que estava sentindo quando a compôs?
Dalto: Existem algumas músicas que ficam marcadas em você e às vezes as pessoas até esquecem que fiz outras canções. Eu ainda me espanto com o sucesso dessa música. Ano que vem a canção “Espelhos d’Água” faz 40 anos e “Pessoa” também. Sobre a última, inclusive, estão fazendo um documentário, porque foi a primeira música totalmente gravada com sintetizador, no Brasil.
Acho que no caso de “Muito estranho”, a sensação que tenho é que as pessoas tiveram um momento feliz ouvindo essa música e acho que esse é o objetivo de quem faz música. Eu fazia muitas músicas por dia. Era uma máquina. Sem nenhum compromisso com nada, afinal eu era estudante de Medicina. Fiz a primeira música com meu parceiro querido Claudio Rabello, que já fazia música. Teve um período da minha vida que fazia muitas composições. Acho que Deus abriu a torneira, sabe?
Eu gosto muito de música, desde pequeno. Comecei ouvindo música clássica, erudita. Aqueles compositores impregnaram minha alma de alguma forma. Aquela coisa toda me fez querer fazer música daquele jeito. Eu aprendi a tocar violão sozinho. Tirava tudo de ouvido e a sensação que eu tenho é que eu ganhava as músicas de presente. As letras dão mais trabalho, mas as músicas… Me sinto como escolhido. Eu pego o violão, faço uns acordes e de repente vem a canção.
A madrugada era, para mim, o melhor horário para tocar violão. Eu gostava muito de acordar de madrugada e não dormir mais. Tenho uma música que falo: “Todo mundo se veste de noite”. Na madrugada, você aprende muita coisa. As pessoas que frequentam são meio que mestres. Atualmente, meu horário de compor é de manhã e de tarde, lá pelas 17h/18h. Gosto de compor de manhã porque é quando estou com a cabeça fresca.
Música para mim é a única coisa que não consigo cansar. É meu maior prazer, me dá esperança, me faz sonhar e me deixa em paz. Música é algo muito sério para mim e falar sério é complicado.
Como foi seu primeiro contato com a música clássica?
Minha tia era professora de piano e normalmente, nas férias de julho, eu ficava em casa ouvindo-a dando aula, ouvindo rádio. Não ia jogar futebol com a galera, porque tinha asma e piorava no inverno.
Quando ouvi “Clair de Lune”, do Claude Debussy, pela primeira vez, rolou alguma coisa comigo que eu não sei bem como é. Sabe quando cai um raio na cabeça? A música nasceu ali com força. Costumo dizer que não nasceu pequenininha, mas com 15 anos (risos). Acho que, de alguma forma, eu sempre me mantive desprendido das ordens. Aceito as coisas como elas vêm.
Você tem o hábito de revisitar suas canções ou prefere deixar de lado?
Outro dia Marina (Lima) falou para mim que costuma ouvir meus discos todos e que tem todos eles. Eu falei que ela ouve mais que eu. Não ouço mais minhas músicas, mas tem alguns discos que eu fiz que eu não me importo de ouvir de novo. Já sobre revisitar uma canção, eu faço de outra forma. Eu gosto de pegar algumas músicas que não toco há muito tempo e dar uma forma para elas nos shows. Arranjar elas de novo, dar uma nova leitura… Como se fosse um cantor de blues. Você não canta igual nunca.
E você está compondo um novo disco. Como está o processo?
É um disco com seis músicas, sendo 5 inéditas. A sexta música é uma que gravei e gosto dela para caramba. O disco está no processo de mixagem. Já coloquei voz. Eu estou gostando muito e apaixonado por três canções. Uma delas se chama “Cachorro fujão” que, por acaso, eu fiz para mim mesmo. Eu não estava fazendo para mim, mas quando me dei conta percebi que sim, aí foi até mais fácil terminá-la. Essa música tem a ver com a história de que as pessoas estavam sempre me chamando para fazer show e eu ficava meio arredio. É sobre um cara que precisava estar fazendo alguma coisa, mas fugia disso.
Tem também a “Chapéu perdido na estrada”, que é uma viagem. Uma imagem que me vem muito na cabeça é quando você está na estrada, o chapéu voa e você não volta para buscar. A outra é “Jogos de sedução”. É uma viagem que eu e Claudio (Rabello) fizemos sobre quando uma pessoa não acerta o objetivo.
Para construir um disco você pensa num eixo narrativo ou não é uma preocupação?
Para mim as canções nascem do nada. Eu sempre fiz de tudo: rock, samba, bossa nova, uma balada. Eu gosto de variar os roteiros das coisas. Não gosto de falar de uma coisa só. Gosto de pensar numa forma de falar de amor diferente, sem ser careta, brega ou igual, pensar sobre uma nova ótica.
Você é filho de um letrista. Há uma cobrança interna maior por conta disso?
Não só me ajuda, como sempre me ajudou. Eu sou parceiro do meu pai. Escrevemos músicas juntos. Meu pai foi a maior inspiração para eu estar junto com a música. Ele conhecia todo mundo da bossa nova. Minha casa era muito frequentada por músicos. Ia o pessoal da bossa nova, muita gente mesmo, o Sérgio Mendes. Era uma casa muito alegre musicalmente falando. Eu acho que, no fim das contas, eu seria um médico caretão se não fosse ele.
Como muitos artistas, o início da sua trajetória foi em bares. Teve alguma virada de chave em que você se deu conta de que se dedicaria totalmente à música ou foi algo que foi se construindo lentamente?
Eu me casei muito cedo, então o barzinho era a solução. Porém, eu era um tocador de barzinho diferente do que se vê hoje. Não existia cantar com microfone. A gente sentava em alguma mesa, tocava, bebia de graça e recebia um dinheiro no final da noite. Eu tocava a noite toda sem parar. Às vezes até por 8/ 9 horas. Era uma secura. Talvez tenha nascido assim minha relação com a madrugada, mas entrar profissionalmente na música foi difícil.
Eu estava no meu terceiro ano de Medicina quando a gravadora Odeon me procurou na faculdade e me convidou para gravar uma música. Eu não queria tocar sem banda. Era muito tímido. Até que meu pai e o Claudio Rabello me deram uma força e acabei gravando “Flashback”, que IRA gravou depois. Foi quando virei cantor profissional. Eu não gostei muito não, para ser sincero. Ficar indo para rádio soava algo meio falso. Acho que eu tinha uma noção de troca bem clara na minha cabeça. Os caras pegavam uma música, me colocavam na rádio, davam uma força, mas me incomodava aquela plateia. A única coisa que eu mais gosto hoje, do que antigamente, é fazer show.
Marina Lima diz que suas canções ultrapassam o gênero. O que você pensa sobre isso?
A única coisa que faço questão é de não fazer uma música parecida com outra. Quando eu acho que ela está parecida com outra eu deleto sem pena. Eu não tenho vergonha de cantar uma música que é uma mulher que canta. Se é ela é ela. Não é ele. Eu não vou trocar o pronome. Eu canto como a música foi feita.
Quais são as suas principais referências em termos de sonoridade? O que você consome de música atualmente?
Eu tenho um problema grave em relação a ídolos porque tenho um monte. Toda vez que eu lembro de alguém, são 3 pessoas que me vêm à cabeça porque me ajudaram a cantar ouvindo-os. São eles: Ray Charles, Stevie Wonder e Paul McCartney. Além do James Taylor, entre outros… Caetano Veloso para mim canta qualquer música. Ele não tem medo de música.
E é por isso eu gosto do pop. Ele não tem carteira de identidade, não frequenta nenhum nicho. A praia dele é de todo mundo. A música pop espalha mais. Tem um alcance muito maior. Mirando no coração sempre.
Acho que a música tem que ter uma melodia legal, diferente, com acordes, harmonias e arranjos pensados para agradar. A letra deve procurar lugares que as pessoas ainda não viajaram. Esses lugares estão dentro das pessoas, nas angústias, nos amores. A música pop pode provocar sensações maravilhosas como provar uma comida boa, aquela que te agrada e você nunca vai esquecer dela. Ela agrada porque fala para dentro de você. Até que você olha para o lado e a outra pessoa se identifica também e outra, e outra…. até que ela vira pop.
Você tinha 6 anos quando se mudou com sua família para o Ingá. Por que veio morar em Niterói? Como é sua relação com a cidade?
Eu sou Niterói Futebol Clube. Minha relação com a cidade não dá para explicar em palavras. Vim para cá porque meu pai e minha mãe trabalhavam fora e eu ficava em casa com uma babá e um irmão pequeno. Até que minha avó chamou a gente para morar no Ingá. E nós viemos porque isso tranquilizaria meus pais. E aí eu vim para cá e virou meu país. Tenho muito carinho pela cidade. Tive acesso a muita gente. A música também me ajudou a conhecer as pessoas de Niterói. As pessoas daqui são super afáveis e amáveis. Sempre que recebo amigos de fora, eles ficam impressionados.
E desde então Niterói é seu lar? Nunca morou em outro lugar?
Olha, não faltou foi convite, principalmente para Rio de Janeiro e São Paulo. Mas ninguém tira Niterói de mim. Eu não tenho condição nenhuma de abandonar as pessoas que eu amo. Não consigo imaginar morar longe da praia. Eu tenho que ter acesso à praia. E Niterói tem praias ótimas.
Tenho muita dificuldade de virar um ermitão e ficar por aí viajando. Quando viajei pela primeira vez para a Europa eu vi tantas coisas que imaginei que eram lindas e de fato eram, que pensei que fosse ficar tão feliz, mas eu não estava tanto. Depois entendi que era porque eu queria dividir aquilo com outras pessoas.
Falando em compartilhar momentos, o que você planeja para este Natal?
O Natal aqui em casa é com a família. Nos últimos dez anos depois da meia noite os meus amigos costumam vir para cá. Eu gosto disso. Mas o mais importante no Natal é o aniversariante. Ele é muito importante na vida da gente e eu gosto de festejar esse aniversário, além do meu, é claro…
O que você costuma fazer no fim de semana em Niterói?
Eu sou uma pessoa que adora receber gente. Eu moro numa casa grande. Quando minha casa fica vazia eu fico muito triste. Gosto de ir a lugares que tenham amigos e que não seja uma festa. Um lugar para a gente bater um papo, um barzinho, um restaurante, uma praia, sempre. A Praia de Piratininga tem a vantagem de ser extensa. Gosto de praia assim. Toda vez que estou num lugar assim me sinto numa ilha, aquele mar imenso, o horizonte.
De restaurante, já fui muito ao Seu Antônio na época que não era tão cheio. A comida de lá é maravilhosa. Adoro conversar com ele. Ele é uma pessoa muito boa. Gosto de ouvir histórias. Sou um bom ouvinte. Mas não sou muito de ir para o mesmo restaurante. Frequento vários. Gosto de dar uma variada. E gosto de comer bem. À noite costumo ir para o Jardim Icaraí, mas frequento muito menos bares do que frequentava antes.
E a parte cultural de Niterói, o que te atrai?
Eu era rato de cinema e até hoje gosto muito de ir. O cinema tem um negócio que tem muito a ver com a música. O roteiro me atrai muito. O barato do cinema é quando você vai uma vez, na outra você descobre coisas que não tinha visto, embora estivesse diante dos seus olhos. Por isso, talvez, lembra muito a música.
Acaba que agora com os streamings vai cortando um pouco a onda de ir ao cinema. Tenho ido mais pela indicação, mas antes eu era caçador. E shows eu continuo indo bastante. Niterói tem tido uma oferta cultural muito grande. Me mudei para Piratininga em 1983. Já conheço as pessoas, porque circulei muito pelos lugares. Agora eu ando mais encolhido que um cachorro fujão…
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