12 de maio

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Clubes de leitura em Niterói crescem como espaço de troca e resistência cultural; confira algumas iniciativas

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Na contramão do consumo rápido de conteúdo, livrarias, cafés e centros culturais independentes promovem encontros para resgatar a força da leitura fora das telas
Clube do livro NMT
A banca de café em frente à Praia de Icaraí, Não Me Torra, já está indo para a décima edição do clube de leitura. Foto: Acervo pessoal/ Não Me Torra

Na leitura, o tempo não exige performance. A dinâmica de um clube de leitura hoje em dia é de se dar mais valor, tendo em vista a forte concorrência: redes sociais como Tik Tok, Instagram, X, Youtube que absorvem o tempo com seus algoritimos precisos e em meio a uma timeline infinita.

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Em Niterói, os clubes de leitura surgem tanto em espaços culturais quanto em iniciativas independentes, com encontros regulares para debater livros escolhidos de forma democrática pelos participantes.

Os clubes são feitos em clima informal, com muito café e croissant, em frente à Praia de Icaraí. Foto: Acervo Pessoal/ Não Me Torra

O A Seguir conversou com três representantes de iniciativas independentes: uma livraria, um café e um centro cultural.

Confira as entrevistas abaixo:

Nos encontros presenciais, o olho no olho, a troca, após um período debruçado em uma obra revelam que ainda há espaço para investir em uma atividade longe das telas. Isso reflete uma tendência existente, mas pouco comum, do desacelerar do tempo e do culto ao hiperfoco, onde o livro é o protagonista e narrativa é humana.

A tecnologia tem facilitado a organização e divulgação desses clubes, com muitos grupos recorrendo às redes sociais como ferramenta para anunciar livros, locais e horários dos encontros, além de compartilhar impressões sobre as leituras, ampliando o alcance e a participação.

Com vocês, os clubes

O clube “Ler em casa” do centro cultural Casa 264 vem inovando com parcerias com editoras independentes e vale drink para o debate. Foto: Acervo Pessoal/ Casa 264

Como uma forma de subversão do tempo que combina arte, expressão e literatura e um pouco de sinestesia, com o tato do passar das páginas e o cheiro delas guardadas ou recém folheadas, os encontros presenciais têm resgatado a magia dos livros.

A leitura é uma forma de subverter o tempo. É uma forma de parar. Parar a produtividade, parar o scroll infinito, parar. Na era da imagem, a palavra ganha força, numa tentativa de “recuperar alguma imaginação”. E ainda assim, quando as redes produzem algum conteúdo sobre leitura, é sempre sobre a lógica da mercadoria: os mesmos livros, autores conhecidos, mesmas editoras — afirmou Bia Rodrigues, diretora artística e gestora do Centro Cultural Casa 264, em São Domingos.

Na Casa 264, o clube de leitura nasceu ainda na pandemia, enquanto o espaço passava pelo longo trajeto de projeto e obra. O encontro era online numa época em que essa era a única forma de contato.

O formato atual do clube já surge em um movimento contrário: resgatar a presença física dos encontros, dos debates; o olho-no-olho.

Como funciona

A proposta parece desafiadora: o participante não escolhe o livro. Ele é escolhido, como num clube de assinaturas. Para isso, a Casa 264 fechou parceria com a Mórula, editora carioca independente, que tem em seu catálogo diversos gêneros, autores conhecidos como Luiz Rufino e Conceição Evaristo; e não-conhecidos. A gestora do Centro Cultural faz a seleção dos livros, chama um mediador ou mediadora para conduzir e o debate começa.

Nós enviamos o livro para a casa do participante, um convite com a data da mediação e um vale-drink. Assim, a pessoa pode ler, falar sobre literatura, escrita e cotidiano e se divertir tomando um drink na nossa Casinha. Na primeira edição, o livro escolhido foi Como recuperar a imaginação”, de Julia Limp, uma dramaturga carioca. Por ser dramaturgia, muita gente nunca havia lido o gênero e adorou a experiência. 

As inscrições para a próxima edição do projeto vão até essa segunda (12) e será realizado no dia 31 de maio, das 17h às 19h. O formulário de inscrição pode ser preenchido pelo link.

Bia ressalta a importância da resistência do projeto em tempos de massificação da redes: mesmas leituras, mesmas percepções diferentes, mesmas escolhas para todos os clubes. E ressalta sobre o alto custo de impostos:

Hoje é mais difícil fazer escolhas mais arriscadas por conta dos impostos altíssimos sobre os livros. As pessoas querem comprar o que já ouviram falar que é bom

Quando pensou no Clube “Ler em casa“, Bia imaginou que poderia ser difícil formar um público que se propusesse a ler de forma tão aberta. Mas se surpreendeu quando viu que ainda tinha gente que está aberta à experiência.

E um público atento é algo revolucionário. Quando alguém se inscreve no clube da casa, esse alguém também fez uma escolha consciente: contribuiu com um  projeto de um centro cultural independente, em parceria com uma editora independente, lendo autores independentes. O livro é escolhido por nós, mas olha quanta coisa bonita esse leitor/leitora escolheu antes, né?”

Em uma calçada em frente à Praia de Icaraí, com uma vista panorâmica da Baía de Guanabara, são vistas cadeiras de praia espalhadas em torno de uma banca charmosa de café, a Não Me Torra. E é justamente nesse clima de descontração, mas ao mesmo tempo de foco, que se forma um outro clube de leitura em Niterói.

O olhar atento dos participantes do clube de leitura da Não Me Torra. Foto: Acervo Pessoal/ NMT

Renata Barlim, publicitária e microempresária da Não Me Torra, diz que o clube foi um sucesso imediato.

— Parecia que esse espaço estava sendo esperado por muito tempo pela comunidade NMT, nossas listas sempre esgotam com muita rapidez e as discussões são sempre muito ricas e com públicos variados, mas sempre tem aquelas carinhas repetidas que não perdem nenhuma edição. E já realizamos nove!

A prioridade, segundo Renata, costuma ser para autores brasileiros, mas em algumas edições foram liberados estrangeiros também. Nomes como Carla Madeira, Socorro Acioli, Aline Bei, Hang Kang, Stenio Garde, entre outros, já foram temas das rodas.

Ela acredita que as redes sociais são ótimas aliadas, inclusive para a divulgação de literatura e conexão virtual entre as pessoas, se usadas com respeito e limites.

Isso não impede que exista um grande movimento de consumo na geração Z, que contempla o universo offline, os conteúdos físicos estão ganhando espaço novamente, como livros, revistas, álbuns de fotos e até encontros para clubes do livro.

Acredito muito na mudança e na percepção das gerações, a sociedade é cíclica e tudo se conecta e se compõe. Perceber essas mudanças me traz uma certa nostalgia e esperança de que as pessoas ainda conseguem se enxergar fora de um story.

Nas edições anteriores, o critério de seleção das obras era por votação dentro do grupo do clube, mas a partir da edição de maio, a curadoria será feita pela Renata.

A proposta é selecionar livros que ela acredita que tenham discussões importantes para o cotidiano e que possam abrir espaço para compartilhar diversos olhares sobre um mesmo assunto.

O próximo encontro será no dia no domingo, dia 25 de maio, às 10h. A obra escolhida foi a do premiado Stênio Gardel e se chama “A palavra que resta”. É uma leitura simples com uma história densa. Ainda há vagas disponíveis, basta entrar no grupo, acessando o Instagram da NMT, e se inscrever.

Como profissional de comunicação também, não costumo abominar redes sociais, acredito muito no equilíbrio. O criativo é uma habilidade que só o ser humano é capaz de ter e isso já nos deixa muito à frente de tudo. A percepção da arte é individual e só o sentir é capaz de traduzir e produzir. Então, a valorização do encontro fortalece o criativo, a comunidade em um contexto social, os artistas independentes e sou uma grande fã do olho no olho. Nenhum virtual é capaz de substituir isso.

Inaugura ainda na pandemia, em março de 2022, a Livraria Ponte, no Ingá, uma das poucas representantes das livrarias de bairro, realiza 3 clubes do livro. E, ao mesmo tempo, concilia parceiras com outros clubes organizados por pessoas e instituições diversas.

A livraria Ponte está na estrada dos clubes de leitura há muito tempo e segue se reinventando. Foto: Reprodução

As parcerias e os clubes mantidos pela Livraria são fundamentais para manutenção de uma comunidade em torno do livro e leitura. Nosso clube de ficção surgiu há 3 anos, o de poemas e o Pontilhado (Infantil) irão completar 2 anos agora no final deste semestre. A livraria necessita de ter uma comunidade ao seu entorno e os clubes surgem para isso criar laços —  afirmou o livreiro e fundador da Ponte, Raffaele Calandro.

A novidade desse ano é que o clube de ficção trouxe uma proposta de viagem ao mundo: África Oriental e Austral, Europa Central do Leste. No último encontro que tivemos, a livraria ousou e resolveu propor a leitura de um escritor russo contemporâneo e foi sucesso.

O clube de ficção é o mais consolidado por ser o mais antigo e ter um formato mais clássico. Já o “Poesia” e “Pontilhado” estão construindo um público cativo. Para participar de um dos clubes, basta acessar o link.

O clube Poesia é mediado pela escritora Melina Galete. Neste ano, já foi lido o livro “Paragens” da Patrícia do Amaral Borde, escritora nascida aqui em Niterói. Também foram temas de debate: “Sal”, da Mar Becker e “Risque esta Palavra” da Ana Martins Marques, ressaltando as autoras da literatura brasileira.

Já o Pontilhado retomou os clássicos das histórias infantis e suas releituras. Os encontros sempre com contação e atividades são ótimas pontes para aproximar as crianças da literatura.

— Os clubes permitem isso, o revivamento das histórias, das narrativas, permitem as trocas. O mercado editorial é o ponto central da ‘vida’ de um livros. Depois deste período, o livro é escanteado nas prateleiras. O clube tem o poder de dar uma nova luz sobre estas obras. Normalmente trazemos os livros do momento, não lemos os mais lidos, não buscamos os mais premiados, buscamos uma diversidade de editoras, de narrativas. E essa pluralidade é maravilhosa para o nosso debate.

Rafalle lembra que no Tik Tok há um nicho de booktokers muito interessante que é uma forma potente de aproximação com os jovens leitores.

— Infelizmente ainda não temos a capacidade de dialogar com esta ferramenta, mas é algo de desejamos. É um desafio para uma livraria pequena se fazer presente nestas redes, pois é difícil organizar e programar um conteúdo voltado para as mídias. Há um uso muito nocivo destas ferramentas, mas utilizá-las para promover encontros voltados para a literatura é importante. A literatura é parte central da minha vida, é um trabalho e também lazer.

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