15 de janeiro

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Celular fora da sala de aula: o que pensam profissionais de Educação de Niterói sobre a nova lei federal

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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Diretora do colégio GayLussac e professor da UFF comentam sobre a lei que acabou de ser sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
jovens no celular
As novas regras começam a valer já para o ano letivo de 2025. Foto: Reprodução UFF

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta segunda-feira (13), o Projeto de Lei nº 4.932/2024 que restringe a utilização, por estudantes, de aparelhos eletrônicos portáteis, como celulares, nos estabelecimentos públicos e privados de educação básica durante as aulas, recreios e intervalos. A medida “visa proteger a saúde mental, física e psíquica de crianças e adolescentes”.

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A nova legislação permite exceções apenas para fins pedagógicos ou didáticos, desde que acompanhadas por professores, ou para estudantes que necessitem de acessibilidade. O objetivo é garantir que os dispositivos móveis sejam utilizados de forma equilibrada e benéfica para o aprendizado dos estudantes, evitando os riscos associados ao uso indiscriminado.

A lei também determina que as redes de ensino e escolas desenvolvam estratégias para abordar o tema do sofrimento psíquico e da saúde mental dos estudantes. Isso inclui alertar sobre os riscos do uso imoderado de aparelhos e do acesso a conteúdos impróprios, além de oferecer treinamentos, capacitação e espaços de escuta e acolhimento para detectar situações de sofrimento psíquico.

As regras começam a valer já para o ano letivo de 2025.

– O último Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), de 2022, mostrou um dado interessante. O questionário foi aplicado para estudantes brasileiros e revelou que 80% deles afirmaram que se distraem e têm dificuldade de se concentrar nas aulas de matemática por conta do celular. Então nós temos evidências científicas, de estudos, de pesquisa mostrando a preocupação com o uso desses celulares e desses equipamentos – afirmou o ministro da Educação, Camilo Santana.

Entre os riscos revelados por estudos sobre o uso excessivo de telas e acesso precoce a redes sociais por crianças e adolescentes estão a exposição a conteúdos perigosos e o impacto negativo na saúde mental e física.

Em Niterói

Na opinião da pedagoga e psicóloga Luiza Sassi, diretora do colégio GayLussac, em São Francisco, a nova lei é “importante” por interromper “algo que estava desmedido”. Porém, não vai afetar a rotina da sua escola.

Isso porque, no GayLussac, desde 2005, não se permite uso de celulares em sala de aula. E desde 2021, os aparelhos foram banidos, também, dos intervalos e período de recreio.

Para ela, a lei é um primeiro passo. Porém, o problema é mais amplo:

– O uso pedagógico da tecnologia é bem-vinda. A lei é importante, mas o que vem afetando a saúde mental dos alunos é o uso indiscriminado das redes sociais. Urge uma regulamentação para uso de redes sociais para menores de 16 anos. Não ter celular na escola, somente, não vai resolver o problema

Dependência digital

Professor do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (GSI/UFF), Elton Hiroshi Matsushima concorda com Luiza Sassi. Segundo ele, a exposição sem controle aos aplicativos de celulares gera efeitos nocivos ao desenvolvimento de crianças e adolescentes porque “suas capacidades  de  autocontrole  são  insuficientes  para combater o potencial viciante destes aplicativos”.

– O uso diário, muitas vezes sem controle sobre o tempo de utilização, pode, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), resultar em dependência digital – afirmou o professor que, recentemente, publicou o artigo “Crianças/adolescentes e a internet: ameaças ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional”.

Como os professores e gestores escolares podem se preparar para lidar com a regulamentação nacional sobre o uso de celulares nas escolas?

EHM: Penso que instaurar desde o primeiro dia de aula, instruindo inspetores, professores e restante da equipe a manterem-se vigilantes para detectar o uso do celular. Imediatamente, devem ou recolher à direção o aparelho e somente devolver ao final do turno, ou supervisionar o desligamento do aparelho e subsequente guarda deste na mochila. A nova regra deve ser publicizada e estar visível em diversos ambientes da escola.

Outra ação desejável é a construção de alguma atividade, seja de pesquisa, em que os alunos busquem investigar as consequências do uso excessivo e sem controle dos celulares, ou ainda como funcionam os algoritmos que regem as redes sociais e quais os malefícios que a exposição excessiva a sistemas baseados nestes algoritmos causam; seja de rodas de conversa em que se discuta a partir de relatos como o tempo e a atenção se modificaram ao ser introduzidos os celulares nas vidas das crianças e adolescentes, na direção de criar conscientização destas consequências a partir das próprias experiências delas.

O mais importante é não ser apenas uma atitude repressiva e de proibição injustificada. As crianças e adolescentes devem compreender quais as motivações para esta proteção com relação ao uso indiscriminado do celular.

A criação do projeto de lei é o primeiro passo. O próximo passo é instituir as políticas de conscientização da população sobre os riscos ao desenvolvimento cognitivo e socioemocional das crianças e adolescentes (e até para adultos) do uso excessivo dos celulares, principalmente os aplicativos baseados em algoritmos de captura da atenção. Estas políticas são as que atingirão o ambiente mais importante para o controle do uso excessivo destes dispositivos, o lar. É a família que tem o principal papel neste controle, estabelecendo regras de uso, supervisão de conteúdos, controle do tempo e educação para o autocontrole e consciência sobre os potenciais malefícios.

 Segundo o professor, há uma série de evidências científicas que indicam que o vício em internet, diretamente associado ao uso excessivo de telas (TV, computador, videogame e celulares) altera a conectividade funcional no cérebro e as funções cognitivas e socioemocionais. Os estudos sustentam a ideia de que as questões psicológicas são causadas pela reorganização funcional de amplas redes cerebrais.

– Estudos científicos encontraram diversas alterações no cérebro de quem faz uso excessivo de telas,  como, por exemplo: no cíngulo posterior, cuja atividade está relacionada ao controle da atenção; na ínsula anterior, cuja atividade se relaciona com processos motivacionais e cognitivos; no caudado, cuja atividade se relaciona com, entre outros processos, o controle emocional; e nos lobos parietais, induzindo prejuízos nas tarefas visuoespaciais, na memória de trabalho e controle da atenção. Estes são somente alguns dos achados das pesquisas. – afirmou Matsushima que coordena o Laboratório de Estudos do Comportamento Humano e Animal (LECHA).

Ele observou que, durante a infância até o final da adolescência, muitas funções cerebrais estão em desenvolvimento. Assim, a exposição precoce e excessiva a tecnologias baseadas em algoritmos de captura da atenção ou que entregam gratificação instantânea pode prejudicar esse desenvolvimento. Os algoritmos das redes sociais e os roteiros de recompensas diárias de jogos online “dificultam o desenvolvimento de funções de postergação da gratificação e do manejo da frustração, habilidades essenciais para o comportamento orientado e objetivos a longo prazo”.

Há ainda questões relacionadas com atenção e memória. De acordo com o professor, os dispositivos “competem pela nossa atenção e tempo, sempre oferecendo entretenimento dentro de nossos interesses e motivações”:

–  Sair desse ciclo vicioso dopaminérgico, ou seja, de gratificação instantânea, requer processos cognitivos e socioemocionais bem desenvolvidos, como a capacidade de inibir desejos e anseios, postergar a gratificação, planejar a longo prazo, ou até ficar entediado para poder ser criativo. Crianças e adolescentes ainda estão desenvolvendo estes processos, e, se estão com sua atenção sequestrada por estas tecnologias, não terão oportunidades para desenvolvê-los plenamente. A mera presença de um celular na mesa, mesmo que desligado, já prejudica a atenção de jovens que tentam realizar duas atividades ao mesmo tempo, e até na capacidade de manter conteúdos na memória recente. A presença do celular também afeta as relações sociais, prejudicando a conexão, intimidade e qualidade de uma conversa, além de diminuir a empatia nas interações sociais.

Como saber se uma criança está desenvolvendo dependência digital?

EHM: O critério da Organização Mundial da Saúde (1964) para vício ou adição é a presença de dependência, que é o uso continuado de algo para relaxamento, conforto ou estimulação, acompanhado de ânsia ou desejos de continuar este uso. Esse conceito pode ser aplicado a questões comportamentais, como no jogo patológico, que é o vício em jogos de apostas, embora ainda não haja a classificação da dependência digital como um vício comportamental. 

Os estudos têm identificado certos sinais e sintomas como indicadores da dependência digital. Entre eles, destacam-se: a facilidade em perder a noção do tempo, síndrome de abstinência, distúrbios do sono, negligência com deveres e responsabilidades, prejuízos no desempenho acadêmico, mentira sobre suas atividades online, realizar as atividades online escondido dos pais, isolamento social, preocupações com este uso da internet, e tentativas mal sucedidas em diminuir este uso. 

Outro estudo relaciona o vício em internet com sintomas de ansiedade, depressão, agressividade, e com problemas nos relacionamentos sociais, na atenção e no raciocínio. Embora ainda não haja um trabalho coordenado para determinar estes sinais e sintomas, é importante incluir também a irritabilidade e desregulação emocional, a dificuldade em ficar “sem fazer nada” ou a necessidade de ficar sempre ocupado com alguma atividade, além de prejuízos na atenção concentrada em atividades mais complexas, como a leitura e a resolução de problemas.

 

 

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