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Celio Alzer, o prazer do vinho e das boas histórias

Por Luiz Claudio Latgé
| aseguirniteroi@gmail.com

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Sommelier de Niterói que ajudou a divulgar o vinho no Brasil morre aos 78 anos
Celio Alzer
O sommelier Celio Alzer, e a paixão pelo vinho. Foto: Luiz André Alzer.
Jornalista, professor, escritor, sommelier, enólogo, produtor musical, apaixonado por jazz… As paixões de Celio Alzer transbordavam qualquer garrafa de vinho. Quem teve a chance de sentar com ele numa mesa de restaurante em Niterói, ou acompanhar algum de seus cursos, se deliciou muito além da taça que ele oferecia. Teve a chance de percorrer outras terras e conhecer um pouco da história da humanidade. Celio era dono de uma cultura impressionante.
 
O escritor americano Raymond Carver escreveu um livro de contos, tornado um clássico, e que nos provoca desde o título, tirado de uma das suas histórias: “Sobre o que falamos quando falamos de Amor”. O japonês Murakami, apaixonado por corridas de longa distância, pediu licença à família do americano para escrever o seu “Sobre o que falamos quando falamos de corrida”. Acho que podemos usar o mesmo recurso, sem pedir licença a ninguém, para falar sobre o que falamos quando falamos de vinho. Ou melhor, sobre o que falava Celio Alzer quando falava de vinho.
 
Os amigos relembram que sua primeira paixão era o jazz. Tinha um programa na Rádio Jornal do Brasil, no início dos anos 80. Se interessou pelo vinho quando pouca gente falava da bebida no Brasil. Até pouco tempo antes, as importações eram restritas e o produto se encontrava bastante limitado, em oferta e qualidade. Quando o chef e sommelier Danio Braga criou a Associação Brasileira dos Sommeliers (ABS), Celio Alzer rapidamente se juntou a ele. “Fizeram uma boa parceria”, lembra a crítica de gastronomia do Globo Luciana Fróes. Desde então, segundo ela, nunca mais beber e falar sobre vinho foi o mesmo.
 
Falar de vinho era um ritual. Como se sentar à mesa com as taças adequadas, escolher o rótulo certo e deixar o vinho descansar. Sem pressa, sem ansiedade, no tempo da fruição da bebida e do momento. O vinho tem uma história, cada garrafa reflete uma cultura, o terreno, o tempo. Fala de lugares distantes. É o que tentamos capturar quando sacamos a rolha para sentir o vinho. Alzer sabia deixar o corpo sentir o vinho. Usava os sentidos para consumir a bebida.
 
Celio Alzer era professor da ABS desde 1985 e presidiu a associação em 1992 e 1994. Apresentou com Danio Braga o programa “Falando de vinhos” na Rádio JB. Escreveu livros como “Tradição, conhecimentos e prática dos vinhos” e “Falando de vinhos”. Foi responsável, durante décadas, pelas cartas dos melhores restaurantes de Niterói e de muitos do Rio. Não é exagero dizer que ajudou a levar o vinho para a mesa dos niteroienses e cariocas.
 
É possível que você tenha encontrado Alzer em algum momento, em restaurantes da cidade. Pode topar com a sua assinatura em lugares como a Torninha. Ou Bazzar, no Rio. Ou no Pátio Havana, em Búzios. Ou no supermercado Zona Sul, onde deu consultoria entre 2013 e 2016. Nem se deu conta, mas muito do que falamos sobre vinho falamos por causa de Celio Alzer.
 
Qual a melhor escolha? A sua, diria, sem nenhuma pretensão de ser dono da verdade. Mas sempre tinha uma história para ajudar na decisão, apoiado no conhecimento das regiões produtoras de vinho, especialmente as da Itália, que visitava com grupos que queriam saber mais sobre a bebida. Tinha a paciência e a postura do professor, de provocar, de fazer pensar, e não fugia dos pedidos de sugestões, sempre muitos nos seus cursos e, às vezes, fora deles…
 
Digo isso porque fiz alguns desses pedidos. Muitas vezes, o filho dele, o jornalista e escritor Luiz André Alzer, tinha que ajudar os amigos que pediam alguma indicação. Alzer, liga para o seu pai e pergunta qual o vinho temos que pedir para acompanhar tais pratos.” Dizíamos em tom de brincadeira. Invariavelmente, menos de quinze minutos depois, Alzer ligava de volta com alguma sugestão. Tinha essa ligação com o pai, e editou pela Máquina de Livros, da qual é sócio, o último título dele: “Feitos um para o outro – os vinhos perfeitos para combinar com 1.304 pratos.”
 
Um para o outro. Essa é a ideia de falar sobre vinhos. Se dar a chance de conhecer, descobrir, apreciar, secretamente, e querer contar, como a descoberta de um lugar, uma paisagem, um momento, um refúgio. Dividir e compartilhar.
 
Uma vez acompanhei um curso do Celio Alzer. Nunca pensei em fazer um curso de vinhos. Mas tinha todas as razões para querer ouvir o Celio. Eram três encontros na ABS. Uma viagem pelas regiões da Itália. Me lembro de muitas histórias, mais que dos vinhos. O vinho produzido só em safras excepcionais, o terreno que produz de um lado vinhos caríssimos, de outro garrafas medíocres. As formas de produção, de corte, as videiras, o armazenamento, o engarrafamento. Me impressionou muito a história de um vinho do Sul da Itália, produzido, segundo uma tradição de mais de três mil anos, em ânforas de terracota, um vinho mais “alaranjado” que o normal, único, daquela região. Saímos juntos da classe. Perguntou se eu tinha gostado. Falei que me encantou a história do vinho nos vasos de barro. Ele sorriu. “Mas, o vinho não é tão bom, você sabe, né?“ A ressalva era cabível: Celio Alzer fazia o vinho parecer melhor do que era. E a vida também.
Celio Alzer tinha 78 anos, foi internado no Hospital São Lucas, em Copacabana, para trocar um stent que levava no peito. Pegou Covid-19. Morreu nesta segunda, 7.

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