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Boa parte do eleitor não tem voto ideológico; quer saber quem pode tornar a sua vida melhor, diz especialista em História Política

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Professor da UFF, Adriano de Freixo , explica a vantagem de Cláudio Castro na disputa para o governo, pelo uso da máquina do estado e alianças regionais
freixo e castro
Na última pesquisa Datafolha, divulgada no dia 29, Castro tinha 44% dos votos válidos, enquanto Freixo tinha 31%. Foto: Reprodução/Internet

Eleições costumam apontar para o futuro, a possibilidade de renovação. Questões emergenciais são colocadas em cheque e é depositado naquele representante o acolhimento de anseios e um plano de governo que atenda, no mínimo, as esferas sociais, a saúde, a economia, a educação e a cultura. As classes populares estão com uma perspectiva muito pragmática. O voto é direcionado para aquele candidato que tem a capacidade de oferecer as condições de melhorar a vida de forma concreta, num ímpeto de sobrevivência. Um modo individualista, que parte do princípio pragmático, e que tem se consolidado com o decorrer do tempo, como aponta Adriano de Freixo, mestre em História Política e professor da UFF.

O que se observa, na contramão do que se espera, é a movimentação de grandes máquinas partidárias, que permite a construção das alianças com os prefeitos, a partir da realização de obras nos municípios. Ações que são visíveis para a população. E é justamente neste ponto que reside o perigo. Isso faz com que alguns candidatos tenham alta penetração em alguns municípios e em outros baixa adesão. Em mais uma eleição polarizada, o especialista analisa os meandros do cenário de disputa atual, fala da dificuldade da esquerda de se consolidar no Rio, dos escândalos que envolveram o governador Cláudio Castro, das ameaças à democracia e de como o resultado, em caso de primeiro turno, para Presidente da República pode impactar a disputa de governador do Rio no segundo turno.

Confira os melhores trechos da entrevista abaixo:

A Seguir: Niterói: No Estado do Rio, pelo que indicam as pesquisas, haverá segundo turno entre Cláudio Castro, bolsonarista, e Marcelo Freixo, apoiado pelo ex-presidente Lula. Castro, porém, lidera com folga. A que o senhor atribui a dificuldade da esquerda no Rio?

Adriano de Freixo: Há uma série de questões que são gerais na esquerda, mas têm algumas que são muito específicas dessa eleição. O primeiro ponto que explica a liderança de Cláudio Castro é que ele é o atual governador do Estado e, sendo candidato a reeleição, já parte com uma grande vantagem em relação aos concorrentes.

O segundo ponto é que o Cláudio Castro conseguiu construir uma ampla gama de apoio, englobando apoios oficiais e oficiosos de todo o espectro político. Por exemplo, mesmo os setores do partido de esquerda têm uma boa relação com Cláudio Castro. Não esqueçamos a proximidade dele com André Ceciliano, presidente da Alerj e candidato a senador. Tanto que quando a gente chega à Baixada Fluminense ou no interior do estado, nós vemos inúmeros candidatos a proporcional da coligação do Cláudio Castro colocando o André como senador nos seus panfletos. Isso não pode ser relevado. É como uma dobradinha informal entre o André Ceciliano e Cláudio Castro. O André, como senador, conseguiu um amplo apoio de políticos das mais diversas orientações ideológicas no interior do estado.

O terceiro ponto é que o Castro chegou em um momento de uma situação econômica melhor no estado que permitiu, por exemplo, fazer obras que são visíveis para o eleitor, principalmente nas cidades do interior. A privatização da Cedae contribui enormemente para isso, dando uma boa capitalizada no estado.

O quarto ponto é que a esquerda sempre teve uma boa base de apoio na capital. Há alguns anos, principalmente no período em que o Lula foi presidente, o PT conseguiu penetrar na região metropolitana e até em algumas cidades do interior. Mas isso foi uma coisa muito momentânea. Teve um período em que boa parte dos municípios da Baixada Fluminense eram administradas pelo PT. O Lindbergh Farias em Nova Iguaçu, Artur Messias em Mesquita, o próprio André Ceciliano em Paracambi. O PT estava administrando diretamente ou participava da coligação que administrava aquele município.

– O que explicaria, por outro lado, o alto índice de rejeição a Freixo?

Chegou a haver um momento em que o PT conseguiu entrar na periferia de certa forma herdando um pouco aquela antiga base brizolista. Mas essa situação mudou com o crescimento do fenômeno do bolsonarismo, que entrou forte nessa base popular e isso toliu um pouco o crescimento da esquerda nos municípios na Região Metropolitana. No interior sempre teve um voto mais conservador, pois é muito mais relacionado a questões políticas locais. As costuras políticas locais que acabam determinado o voto estadual. É quem ela apoia que acaba recebendo os votos. Temos na história do Rio de Janeiro uma sequência de exemplos do gênero.

Isso dificulta, por exemplo, a entrada do Marcelo Freixo no interior do estado, porque ele não tem as grandes máquinas partidárias e a estrutura do poder estadual – que hoje está na mão do Cláudio Castro – que permite construir as alianças com os prefeitos a partir da realização de obras nos municípios. Isso faz com que o voto no Freixo seja muito concentrado na capital e em alguns municípios da Região Metropolitana, onde Marcelo consegue ter uma boa penetração. Niterói é um exemplo, mas o interior continua sendo uma barreira. Na Baixada, há essas dificuldades, com a força do bolsonarismo. O voto evangélico tem um peso muito grande e não pode ser ignorado.

Mesmo que o Freixo tenha moderado seu discurso e se aproximado do centro, ao fazer uma aliança com César Maia, a imagem que foi construída em torno dele ao longo do tempo é a imagem que vem sendo repercutida junto a esse eleitorado evangélico. Questões como aborto, descriminalização das drogas. Questões, inclusive, do âmbito federal. O governador não tem nenhuma ingerência em relação a isso. Aquela premissa de associar defesa do direitos humanos com crime organizado. Essa pauta ecoa muito nos setores conservadores de perfil popular.

– O dinheiro da privatização da Cedae está sendo usado pelo atual governador para reeditar a política da bica d’água?

Esse respiro econômico que o estado do Rio teve nos últimos tempos – e a privatização da Cedae contribuiu para isso – está permitindo a realização dessas obras localizadas. Você constrói uma UPA, reforma uma escola. São obras visíveis para os eleitores. Eses acordos construídos com as lideranças políticas locais permitiram que o Castro, que era um desconhecido até ano passado, fosse crescendo com as vantagens que as últimas pesquisas da Datafolha e Ipec indicam.

– Se o Lula vencer no primeiro turno ou se houver segundo turno, no que esse cenário nacional deve influenciar a disputa no Rio no segundo turno?

Se o Lula ganha no primeiro turno, ele vai querer jogar um grande peso no apoio a aliados ou a candidatos do PT que estão disputando o segundo turno em estados chaves. É bem provável que a gente veja o Lula jogando um peso na eleição de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Bahia, que são estados bastante importantes e, ao que tudo indica, os candidatos do PT ou de partidos aliados estarão no segundo turno. Nesse cenário, seria uma segunda disputa com o bolsonarismo. E essa situação seria positiva para o Freixo porque eles vão poder assumir o discurso de que ele é o candidato do presidente eleito. Para uma parte do eleitorado, isso significa, de forma pragmática, uma boa relação com o governo federal e consequentemente mais recursos para o estado. É um tipo de discurso que cai bem para o eleitor.

A outra situação é que havendo um segundo turno entre Lula e Bolsonaro, haverá uma reedição da polarização nacional nos estados. Porque o Bolsonaro, ao mesmo tempo em que está disputando a reeleição, está jogando um grande peso na eleição de aliados em estados chaves. No caso do Rio de Janeiro, diferente de São Paulo, por essa postura do Castro de ter ligações com inúmeros setores políticos distintos, inclusive com setores do PT, o distanciam um pouco do bolsonarismo raiz, como o Tarcísio tem feito em São Paulo. Eu não sei até que ponto o Castro vai querer associar tanto a sua candidatura à imagem do Bolsonaro. E acho que no segundo turno Castro não mudará de estratégia porque tem conseguido pegar votos de eleitores que pretendem votar no Lula para presidente, então para ele talvez não seja interesse se vincular ao Bolsonaro.

– Você acha que pode ser um pouco conflitante o voto no Lula para presidente e no Cláudio Castro para governador?

Isso ocorre porque para boa parte do eleitor tem um voto não ideológico, e sim, pragmático. O que faz um eleitor votar no Lula? Porque ele tem uma lembrança positiva do governo Lula ou porque ele tem uma imagem negativa do governo Bolsonaro ou as duas coisas. O eleitor mais pobre, que ganha até dois salários mínimos, vota no Lula porque foi um momento na vida dele, quando ele estava economicamente melhor, com acesso a padrões de consumo que ele não tinha tido até então e deixou de ter depois. Esse é o eleitor que acaba sendo beneficiado diretamente por alguma uma obra do governo do estado. Ou que é suscetível à indicação das lideranças políticas locais, aquela troca de favores. O percentual de eleitores que vota ideologicamente é muito pequeno ainda.

Por que, na opinião do senhor, escândalos como o desvio de milhões de reais do Ceperj, com saques na boca do caixa em dinheiro vivo, não tiraram de Cláudio Castro a liderança nas pesquisas?

Diferentemente de 2018, quando a corrupção era o tema central da disputa eleitoral, como um rescaldo da lava jato, a eleição de 2022 não está sendo assim. Não está tendo centralidade. Não para este caso. Ela fala ainda alto para alguns segmentos, como o da classe média, mas o eleitor das classes populares está com uma perspectiva muito pragmática, questão de sobrevivência. Quem eu acho que vai me dar mais condições de melhorar minha vida concretamente? Até porque eles partem do princípio de que todos são corruptos.

Observamos, a nível federal, como o Bolsonaro voltou a usar com muita força a questão da corrupção para tentar evocar o sentimento antipetista e as pesquisas têm mostrado que isso não têm colado, até porque a última Datafolha mostrou que 69% dos eleitores consideram que há corrupção no governo Bolsonaro. Isso explica porque o escândalo da Ceperj não repercutiu para a candidatura do Castro.

– Bem avaliado em Niterói, o ex-prefeito Rodrigo Neves patinou e não saiu do lugar ao longo de toda a campanha, sem conseguir sequer se aproximar de Freixo. Quais foram os problemas para ele, por que não mostrou força?

Acho que o Rodrigo repetiu um pouco o que aconteceu com o Jorge Roberto Silveira há alguns anos. Um prefeito muito bem avaliado na sua cidade, que é, por sinal, a segunda mais importante do estado, mas que não conseguiu se tornar uma figura estadual. No caso do Rodrigo tem uma outra questão, o fato do Ciro patinar nacionalmente contribuiu para o Rodrigo patinar localmente. Eu acho que o desempenho nacional do Ciro dificultou a candidatura do Rodrigo no Rio. Porque o eleitor que vota no Lula, com um voto mais ideológico, vota no Marcelo Freixo. O eleitor conservador ou por questões pragmáticas, vota no Cláudio Castro. Então, em suma, tem uma questão local do Rodrigo, que é a de não conseguir ultrapassar as fronteiras de Niterói e São Gonçalo, e ter uma expressão estadual, além do mal desempenho do Ciro a nível nacional que respinga no Rodrigo em nível estadual.

Embora tenha havido candidatos que são da base do Freixo que estão fazendo quase que uma coligação branca com Rodrigo Neves, mas dentro dos limites de Niterói, como uma campanha não oficial. Foi organizado, inclusive, um ato dos “Lulistas com Rodrigo Neves”.

– Rodrigo Neves se aliou ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, mas também não deu certo. Os dois não convencem o eleitorado de fora de suas cidades?

Nós não estamos vendo um empenho por parte do Eduardo Paes. Ele se alia ao Rodrigo muito por conta do desenho das alianças. Ele está pensando no município do Rio de Janeiro. Para ele seria muito complicado apoiar o Castro, até porque ele tem no seu horizonte vir a ser candidato a governador do estado, então o fortalecimento do grupo do Castro não é favorável a ele, da mesma forma que o fortalecimento do Freixo, pela mesma perspectiva, não interessa. Para ele era interessante partir para uma candidatura que o permitia ter mobilidade para conseguir apoio a nível nacional, que foi o que ele acabou fazendo agora declarando oficialmente apoio ao Lula.

A escolha do Rodrigo Neves, pelo Paes, foi como um cálculo político pessoal, pensando também nas alianças locais dele no Rio de Janeiro. Acho que hoje a capacidade de transferência do Eduardo Paes é um pouco reduzida, porque esse segundo mandato dele está bem diferente do primeiro. O Lula sendo eleito e uma boa relação com o governo federal pode ajudar a capitalizar a cidade do Rio de Janeiro.

– Nunca antes o sistema eleitoral brasileiro foi tão atacado, no caso por bolsonaristas. Qual a maior importância dessas eleições gerais, na sua visão, diante da polarização, da radicalização e das ameaças à democracia?

Hoje você tem um grupo político que coloca em cheque um sistema que vem dando certo há muito tempo, uma sistema no qual esses atores sempre se elegeram. O Bolsonaro faz esses questionamentos como uma espécie de vacina contra o seu fracasso, repetindo a estratégia trumpista. Ou seja, se ele perder, é porque foi roubado. É um pouco a lógica do imbrochável. Isso é uma forma de manter a sua base política radicalizada.

Ao longo de toda a sua trajetória política, o Bolsonaro sempre evidenciou um discurso autoritário e antidemocrático, mas há uma diferença muito grande entre querer dar o golpe e ter as condições de dar o golpe. Hoje essas condições praticamente não existem. Uma coisa é você ter identificação com o bolsonarismo, outra é você dar um passo além que é fazer uma ruptura institucional para sustentar essa posição. Hoje a maior parte das forças armadas tem consciência que uma atitude do gênero seria desastrosa para elas.

Diferente de quando houve o golpe de 64, não há apoio atualmente para isso. O governo do Bolsonaro é muito isolado a nível internacional. O empresariado também não está nessa perspectiva golpista, não porque tem um apreço pela democracia, mas porque sabe que uma ruptura institucional é ruim para os negócios. A instabilidade política é ruim para atrair investimentos estrangeiros. Não há apoio no judiciário, as grandes mídias não apoiam. Acho que as forças armadas, por mais bolsonaristas que estejam, não embarcam numa aventura golpista. Quando o Bolsonaro coloca em dúvida o sistema eleitoral, ele está procurando manter a sua base política mobilizada, para ter uma relevância política e quem sabe negociar uma salvaguarda mais para frente. Porque a preocupação dele, perdendo a presidência da república, é a de enfrentar problemas judiciais.

– Como você acha que ficarão as ruas nos próximos dias? Em caso de primeiro turno ou de segundo? Porque as duas possibilidades podem ser perigosas, né?

Eu acho que hoje já se sente um clima de tensão. Foi uma campanha muito atípica. Muita gente não manifestou as suas preferências políticas com medo de algum tipo de problema e esse medo não é à toa. Dada a enorme quantidade de assassinatos e crimes motivados por ódio político. Há esse temor da base da extrema direita mais radicalizada. Há uma preocupação do TSE com os clubes de tiro. É algo que a gente vai ter que observar com muita atenção nos próximos dias. Se houver conflitos de rua, como a força armada se comportaria? Porque nós temos não só uma bolsonarização das forças armadas, como temos também das polícias estaduais. A maneira como os governadores do estado irão lidar com suas forças de segurança em situações como essa é que vão determinar como vai ser o quadro nos próximos dias.

*Adriano de Freixo é graduado em História (UERJ), especialista em História das Relações Internacionais (UERJ), mestre em História Política (UERJ) e doutor em História Social (UFRJ). É professor do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST – UFF), onde atua no curso de Graduação em Relações Internacionais e nos Programas de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEST) e Ciência Política (PPGCP).

É, ainda, o atual coordenador do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos (PPGEST) e do Laboratório de Estudos sobre a Política Externa Brasileira (LEPEB). Autor e organizador de diversos livros e artigos sobre Relações Internacionais, Política Externa Brasileira e História do Brasil Contemporâneo, dentre os seus principais trabalhos destacam-se os livros “Os militares e o governo Jair Bolsonaro: entre o anticomunismo e a busca pelo protagonismo”, “Futebol: o outro lado do jogo” e “Minha pátria é a língua portuguesa: a construção da ideia da lusofonia em Portugal”; Participou também da organização de obras coletivas.

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