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Rosa Maria Egipcíaca, a primeira escritora negra, é destaque no Carnaval da Viradouro

Por Sônia Apolinário
| aseguirniteroi@gmail.com

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No barracão da escola de Niterói, na Cidade do Samba (RJ), o carnavalesco da agremiação, Tarcísio Zanon, recebeu o A Seguir
Tarcísio Zanon 3
A história de Rosa Maria Egipcíaca será contada no desfile da Viradouro, no Sambódromo. Fotos: Sônia Apolinário

Junte o barroco mineiro com efeitos especiais produzidos por arte cinética e acrescente doses generosas de cores em degradé. Em resumo, essa é a receita do Carnaval 2023 da Unidos do Viradouro.

Este ano, a escola que é patrimônio cultural imaterial de Niterói, leva para a avenida um enredo que contará a história de Rosa Maria Egipcíaca, considerada a primeira mulher negra a escrever um livro no Brasil. O livro em questão é a “Sagrada Teologia do Amor Divino das Almas Peregrinas”. São 250 páginas onde ela descreve sua experiência sensorial de contato com Jesus Menino.

Esse é, porém, apenas um detalhe que envolve a trágica vida dessa mulher.

Rosa nasceu na Costa de Ajudá, atual Benim, na nação courana, em 1719. Aos seis anos, foi capturada pelo tráfico negreiro e trazida para o Rio de Janeiro. Foi estuprada e, depois de oito anos de maus-tratos, foi levada para Minas Gerais por um padre. Lá, tornou-se prostituta. Aos 30 anos, após uma doença, iniciou uma fase mística. Rosa deu a si mesma o nome de Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz em homenagem à Santa Maria Egipcíaca que, segundo a lenda, foi também uma prostituta antes das manifestações de santidade.

Adorada por fiéis, Rosa foi acusada de feitiçaria, heresia e falsa santidade, o que a levou ser presa nos Cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, em Portugal. Ela não teria desmentido  suas visões e experiências sobrenaturais e viveu no cárcere até sua morte, em 12 de outubro de 1771.

Além de livros, a vida de Rosa motivou a produção de artigos em revistas acadêmicas. Ela é tida como a personalidade negra do século XVIII com maior volume documental disponível. Ainda assim, é pouco conhecida.

Fantasia da ala “À luz do Encantado reflete o azul”. Foto: Divulgação.

Para o desfile, a Viradouro terá no Sambódromo 2.500 componentes, divididos em 23 alas. Desse total, somente uma foi aberta para a participação de pessoas de fora da comunidade. Para isso, foram colocadas à venda 70 fantasias intituladas “À luz do Encantado reflete o azul”. Foram todas vendidas rapidamente.

Na quinta-feira, 2 de janeiro, Dia de Yemanjá, A Seguir  visitou o barracão da Viradouro, na Cidade do Samba, no Rio de Janeiro, para conversar com o carnavalesco Tarcísio Zanon e saber mais detalhes sobre o Carnaval da escola.

Os carros alegóricos prontos e devidamente empacotados indicam que os trabalhos estão bem adiantados. Este ano, a Viradouro vai encerrar o desfile do Grupo Especial, no Sambódromo, na segunda-feira, dia 20 de fevereiro.

Leia mais: Confira a ordem dos desfiles das escolas do Grupo Especial

O passeio pelo barracão foi feito sob a condição de não se fazer fotos amplas. Somente detalhes de fantasias e de um dos carros alegóricos foi permitido registrar.

Confira a entrevista:

Rosa Maria Egipcíaca foi um dos três temas que você sugeriu para a diretoria escolher como enredo de 2023. Por que foi o escolhido?

Buscamos sempre observar as características da escola e ter temas atuais. Rosa Maria é um enredo feminino. A Viradouro já desfilou várias biografias femininas como Bibi Ferreira (2003), Dercy Gonçalves (1991), Tereza De Benguela (1994). Também tem uma certa aura mística. O componente veste bem esse “papel”, essa fantasia. Lembrando que 80% da nossa comunidade é feminina. Com Rosa, vamos dialogar com a realidade em questões raciais e abordar um tema quase inédito que é o cristianismo preto.

Detalhe: Em 2019, Tarcísio Zanon, então carnavalesco da Estácio de Sá, desenvolveu para a escola um enredo sobre o Cristo Negro do Panamá e foi campeão, o que permitiu a escola sair da antiga Série A (atual Série Ouro) e voltar para o Grupo Especial.

Como carnavalizar uma história tão trágica?

Esse foi o grande desafio. Optei por recortar a história de forma cronológica, não pelo lado da dor, mas pelo lado do enfrentamento. Por exemplo, alguns de seus antigos senhores, se ajoelharam diante dela pedindo que cuidasse dos seus filhos. No período colonial, ela conseguiu ascender cultural, social e financeiramente. Isso é motivador para que outras mulheres se espelhem nesse exemplo. Outro ponto que fez a gente escolher a Rosa como enredo é trazer a público uma personagem que as pessoa não conhecem, que não é estudada na escola. Essa é uma função cultural de uma Escola de samba.

Para evitar que a gente caísse em qualquer cilada, para garantir que contaríamos bem essa história, tivemos a supervisão de duas pessoas: a ativista Luana Génot  e o Luiz Mott que escreveu um livro sobre Rosa Egípcia.

Serão muitas Rosas na avenida?

Dividimos a história em seis fases. Nem todas são representadas por uma pessoa. Uma das Rosas é a Vivi …. As fases são:

A modelo Duda Almeida será Rosa Rainha do Brasil. Foto: Divulgação.

1 – A menina da nação courana

2 – A Rosa vendida para o meretrício, em Minas Gerais

3 – A Rosa bruxa, que é a fase em que ela se converte ao cristianismo

4 – Rosa no Rio, quando é abraçada pelos franciscanos. Ela cria um convento para cuidar de outras meninas e tem a visão do Sagrado Coração. Aqui, é a representação da Rosa mãe, acolhedora.

5 – Aqui seria o final da vida dela, quando é presa pela Inquisição. Porém, na Viradouro, ela não vai para lá. Nós vamos realizar a sua profecia. Ela teve uma visão que o Rio de Janeiro ia inundar e seu convento viraria uma espécie de Arca para salvar os pecados da sociedade. Em outra nau, viria Dom Sebastião para fundar o novo império brasileiro. Os dois se casariam e Rosa se torna, então, Rainha do Brasil.

6 – A canonização popular de Rosa e as festividades que se manifestam na procissão dos tambores, na folia de reis, na congada, na festa do divino. Ela não foi reconhecida pelo Vaticano, mas terá na avenida, a primeira procissão em sua homenagem.

Para o Carnaval deste ano, a Viradouro contratou o casal responsável pela comissão de frente da Mangueira, em 2022. Priscilla Mota e Rodrigo Negri levaram o Estandarte de Ouro no quesito ao fazerem os integrantes da verde e rosa trocarem de roupa, em fração de segundos, ao longo do desfile. Podemos esperar “truques” do tipo na Viradouro?

Eles receberam como missão introduzir, simplificar o enredo. Vai estar toda a história ali, de forma condensada. Com muitos efeitos. Na verdade, os efeitos estarão presentes durante todo o desfile. Vamos usar a arte cinética para dar um olhar hipnótico, místico, em alguns momentos.

Este ano você assumiu integralmente a parte artística da Viradouro. Até então, vinha dividindo os trabalhos com Marcus Ferreira. O que está achando dessa fase solo?

Trabalhar em parceria é gostoso porque você tem apoio. É mais uma pessoa para tomar decisões e temos que tomar muitas decisões o tempo todo e dar direcionamentos. O lado positivo de trabalhar sozinho é não ficar o tempo todo negociando a criação. Me sinto amadurecido e preparado até porque já estou entrosado com a equipe.

Ano passado, a escola ficou em terceiro lugar. Deu para tirar alguma lição desse resultado?

Procurei aprender com as notas e as justificativas dos jurados. Entendi que precisávamos melhorar a colorimetria. Perdemos um ponto porque, na avaliação de um jurado, usamos muito a cor preta. Nosso desfile em 2022 foi em color block. Para 2023, vamos diluir as cores. Viremos em degradê. O vermelho da escola vai perpassar ao longo do desfile, mas haverá nuances e texturas. Posso dizer que será um carnaval texturado. A cor vai nos ajudar a fazer com que um setor entre no outro.

Havia uma grande expectativa, ano passado, em relação ao bicampeonato. Isso atrapalhou?

Expectativa sempre atrapalha porque é algo individual. Eu não gosto de criar expectativas. Agora, estamos em uma competição. Dizer que não está competindo é balela. Todo mundo quer ser campeão. Faz parte. A gente melhora, mas o colega também. Isso é saudável. A competição é motivadora.

 

 

Em 2023, Tarcísio Zanon assumiu integralmente a parte artística da Viradouro.

 

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