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Ataques com armas de fogo praticados por alunos e ex-alunos, em geral, são normalmente associados ao bullying e exposição a situações violentas, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem. Essa é uma das conclusões do estudo “Violência Escolar: Discriminação, Bullying e Responsabilidade” feito pela Universidade Federal Fluminense.
O tema do estudo da UFF tem se mostrado mais do que atual. Há oito dias, uma professora foi esfaqueada e morta por um aluno de 13 anos em uma escola de São Paulo. Investigações detectaram situações de bullying na raiz da motivação do crime.
Nesta quarta-feira (5), um novo caso voltou a chocar: uma creche foi alvo de ataque de um homem de 25 anos, em Blumenau (SC). Ele pulou o muro armado com uma machadinha e atacou. Quatro crianças, de idades entre 4 e 7 anos, foram mortas. O invasor se entregou para a polícia e foi preso. A motivação ainda é um mistério, mas há estudos acadêmicos que dão algumas pistas.
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Esse caso mais recente evidenciou a necessidade dos estabelecimentos de ensino adotarem práticas preventivas de segurança. Em Niterói, o colégio Gay Lussac faz um trabalho, neste sentido, desde 2015.
– O Brasil não tem uma cultura de prevenção de segurança – observa Luiza Sassi diretora do colégio.
No estudo da UFF, coordenado pela professora Valdelucia Alves da Costa, foi avaliado o processo de implementação das Políticas Públicas de Educação Inclusiva no Município de Niterói, com base em cinco escolas públicas no que se refere à inclusão de estudantes que sofrem com a manifestação da violência expressa pelo bullying e o preconceito.
A professora aponta que os resultados da pesquisa revelaram que a própria escola pode produzir violência, com destaque para as regras disciplinares, “nem sempre discutidas de maneira coletiva para que os estudantes entendam seu sentido e a necessidade do aprendizado para se orientarem e viverem em comunidade”.
A docente acredita que instituições de ensino precisam promover um clima que não amedronte ou reprima a voz dos estudantes.
– Estudamos a manifestação da violência que se volta para aqueles estudantes que não se enquadram nas ‘características ideais’ impostas pela sociedade de classes. São os estudantes negros; com orientação religiosa diferente, sobretudo de matriz africana; pessoas com deficiência; LGBTQIA+; gordas e outros tipos de características que não costumam ser bem-vindas no meio social. São fatores culturais e históricos, muitas vezes trazidos de casa, que levam a manifestações do preconceito – afirma Valdelucia.
Ela lembra um relatório publicado no final de 2022, intitulado “O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental”, sobre a situação das escolas nos últimos anos.
A professora observa que um ponto importante considerado pela análise é que, dos 16 ataques ocorridos no Brasil, desde 2000, quatro deles aconteceram no segundo semestre do ano passado, um número alto considerando a extensão do período.
Sinalizado pelo próprio documento, esse aumento foi relacionado à crescente manifestação de ideias antidemocráticas e ao avanço da extrema direita no Brasil.
Sobre essa questão, a professora acredita que a difusão de ideais opressores “contribuem para o estabelecimento de um clima cultural com potencial violento”:
– Os jovens, em seu processo de desenvolvimento social e psicológico, tornam-se vulneráveis a essas ideias, sobretudo quando familiares e professores não se atentam para isso e não promovem debate sobre o respeito a quem apresenta diferenças. Esclarecer o que é a democracia e o que se contrapõe a ela contribui para o desenvolvimento autônomo e, assim, o agir consciente e de maneira solidária. A escola tem significativa responsabilidade a respeito disso – conclui a professora.
Estar atento a “pistas” , por mais insignificante que possam parecer, é uma dentre várias medidas que fazem parte de uma política de segurança estabelecida pelo colégio Gay Lussac desde 2015.
Práticas de avaliação de risco, regras para uso de aparelhos celulares e redes sociais na escola, orientações relacionadas à entrada de visitantes, treinamento e reciclagem anual dos colaboradores, tudo isso fazem parte da chamada Salvaguarda adotada pela instituição.
Faz parte dessa política que zela pela proteção e segurança das crianças no ambiente escolar, a realização de simulações tanto de incêndio como de proteção contra invasões (o lockdown).
– Na escola, temos vários códigos que nos informam sobre várias questões. A cor de um crachá, por exemplo, é um código. Em relação às simulações, os alunos são informados que elas acontecem, mas quando um alarme é disparado, não sabem se é simulação ou real. Isso é necessário para que o treinamento seja levado a sério e não encarado como uma brincadeira – explica a diretora Luiza Sassi.
Ela admite que fazer um trabalho com grande foco em prevenção não é fácil. Requer muita atenção e um constante aprimoramento. Por conta da experiência que o colégio adquiriu no tema, todos os anos, geralmente, em agosto, é realizado o Seminário de Salvaguarda. O evento é aberto a toda a sociedade e conta com a participação de instituições como Ministério Público, conselhos tutelares e outras escolas de Niterói.
– É importante que se crie uma rede de proteção à criança e ao jovem – observa Luiza.
Baseada na sua experiência, ela dá três dicas de ações que considera fundamentais para ajudar a prevenir ações de violência em escolas:
1 – Rigor nas regras e na execução dos protocolos implantados. Isso significa não abrir exceções de nenhum tipo. Principalmente, nas regras de ingresso à escola.
2 – Atenção. Nunca negligenciar as pistas dadas pelos alunos. “Não dá para minimizar nada que venha de uma criança ou adolescente. Uma fala, um gesto, para tudo é preciso ter um olhar atento e sempre fazer o registro de uma preocupação.
3 – Agir. Principalmente quando se detecta situações de bullying. “Existe escola sem situação de bullying? Não. O que se faz diante da situação é que é importante. E quanto mais cedo se identifica a situação, melhor. Daí a importância do olhar atento”.
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