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Arretado e Barraca da Chiquita: onde comida e cultura nordestinas se encontram em Niterói

Por Camila Araujo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Gastronomia, arte e histórias do Nordeste são garantidas nos restaurantes no Centro e em Icaraí
rest nordestino
Cardápios incluem as tradições regionais mais procuradas do sabor nordestino. Fotos: Camila Araujo

O som do forró ao fundo parece harmonizar perfeitamente com as constantes e ágeis idas e vindas dos garçons que equilibram bandejas cheias de petiscos e torres de chope pelo Botequim Arretado. Em Niterói desde março de 2013, o Arretado, como é conhecido, começou numa portinha, no Centro, próxima ao DCE da UFF, com três funcionários. Com o passar dos anos, a casa de comida nordestina expandiu em espaço e atendimento: são cerca de 80 garçons para atender os clientes que formam fila esperando uma mesa vagar.

Macaxeira frita, carne de sol, queijo coalho e paçoca no pilão chegando à mesa

Gleice Martins, que mora no Centro de Niterói e é filha de cearenses, é frequentadora assídua e faz questão de levar as comemorações da família para lá. Para ela, é um ponto de referência para reunir os amigos, família e vizinhos.

Esta semana eu vim três vezes já. Tudo a gente comemora aqui. Hoje,  por exemplo, estou comemorando o aniversário do meu marido, mas já comemorei formatura, aniversário da minha filha. A gente ama o Arretado. Meu pai todo ano fala “eu quero ir naquele restaurante nordestino”.

Garçom leva a famosa torre de chope de 3,5 litros

– A gente gosta de comer o baião de dois. Às vezes a gente vai na torre de chope, as vezes na caipirinha de seriguela e de frutas exóticas do Nordeste que a gente não tem esse acesso aqui.

O nome é uma homenagem às origens nordestinas de Francisco de Assis, dono do restaurante. Ele veio de Sobral, interior do Ceará, para o Rio de Janeiro aos 16 anos.

– Eu escolhi o nome em homenagem ao Nordeste, porque é o palavreado do nordestino, “Botequim Arretado”. Aí uns três funcionários brincaram “ué, Arretado? Esse nome vai ficar famoso”. É bonito esse nome. Com anos, fui trabalhando e foi acontecendo. Fiz um cardápio bem amplo para a família. Meu carro chefe é a carne de sol. Tem um padrão de qualidade há nove anos. Você come hoje, passa um tempo sem vir na casa, e quando volta, come o mesmo padrão – explica.

Para Gleice, o prato principal costuma ser o baião de dois, acompanhado pela caipirinha de frutas do Nordeste. São as pedidas favoritas em cada visita.

Filho de cearenses de Crateús, o aniversariante da vez, Marco Silva, de 43 anos, reuniu vários convidados no salão do Arretado. O motivo da escolha do Botequim para celebrar é a comida e o atendimento.

Família e amigos se reuniram no restaurante

– É uma casa que te atende bem, tem o produto bom. Toda vez que a gente vem aqui a gente é bem recebido, os pratos são bem servidos, os preços são justos. Por isso que a gente traz a nossa galera para comemorar aqui”, explica.

O atrativo gastronômico do Arretado se mistura com a informalidade do botequim de rua. Há cerca de quatro anos, Fábio Souza, morador do Centro da cidade, frequenta o Arretado. O que para muitos é comida “típica”, para ele é apenas uma comida normal.

Mesas também ocupam lado externo do Arretado

– Eu tenho sangue nordestino, meus pais são de Fortaleza. Então, para mim, a comida do Arretado é uma comida normal, comida nordestina, normal, do dia a dia.

Já a amiga dele Tauani Thomé, de 23 anos, é de Três Rios, mas também mora no Centro de Niterói.

– Eu não sou descendente de nordestinos, mas a minha namorada é e eu aprendi a comer todas as comidas nordestinas com ela. O bolinho de carne de sol é o meu preferido, é incrível. Eu gosto daqui. Tem um bom preço para porções bem grandes – compartilha.

Canto do Peixe

Pensando nos clientes que ficam na fila de espera do Arretado, seu Assis teve a ideia de abrir outro restaurante bem pertinho: o Canto do Peixe, ao lado do Canto do Rio. Inaugurado há oito meses, o restaurante é mais voltado para frutos do mar, mas o cardápio é variado e procura atender a todos os gostos.

Novo restaurante é voltado para frutos do mar

O Canto do Peixe é um bracinho do Arretado. Graças a Deus, lá, sábado e domingo tem fila. E aí, vendo o espaço tão próximo, eu pensei em abrir o leque mais para frutos do mar e camarão, que tem muito no Nordeste. Na pandemia eu usava a fila do Arretado e completava aqui. Hoje eu tenho fila até as 16h, no almoço fica lotado. É a casa da família mesmo, em Niterói.

Rosemeri Tavares, moradora do Fonseca, compartilhou com o A Seguir: Niterói a experiência no restaurante novo.

– Eu já comi um peixe com um casal de amigos e essa semana vim repetir a dose com meu marido, estava com vontade de comer um bolinho de bacalhau. Também quero provar a feijoada, que já disseram que é muito boa também – conta.

Entrada do Canto do Peixe, ao lado do Canto do Rio

Do ponto de vista do empreendedor, Francisco de Assis vê na criação de mais um restaurante, uma oportunidade de gerar postos de trabalho na cidade.

– Estou caminhando para 100 funcionários com muita satisfação, gerar emprego para a cidade e poder ajudar as famílias. Eu não penso só em mim, eu não ando sozinho, dependo muito deles. Então, vim, pequenininho, trabalhando, com uma direção certa. Quem diria que o Centro iria ficar tão conhecido como está? – indaga Assis.

Barraca da Chiquita

Em outro bairro da cidade, um restaurante colorido, iluminado e todo trabalhado nos elementos da cultura nordestina: estampas de chita, chapéu de meia-lua de couro, xilogravura, cordel e até um boi bumbá. A Barraca da Chiquita veio direto da Feira de Tradições Nordestinas de São Cristóvão para a Rua Mariz e Barros, 236, no terceiro quarteirão de quem vem da praia da Icaraí. A casa mistura gastronomia, música e arte do Nordeste.

Barraca de Niterói fica na Mariz e Barros, esquina com Lemos Cunha

Além dos estímulos visuais provocados pelo artesanato espalhado pelo lugar, para comer as opções também são instigantes. Fazem sucesso petiscos como o bolinho do sertão, de aipim com carne seca e queijo, o queijo coalho na brasa com melaço de cana, e os clássicos pratos principais: baião de dois, carne de sol e aipim frito ou paçoca de pilão, carne seca acebolada e purê de abóbora. Suco de seriguela para beber.

Queijo coalho na brasa com melaço de cana e suco de seriguela

Entre as sobremesas, o destaque é da cocada quente com sorvete de tapioca e cobertura de melaço, para comer de colher, direto do prato.

Cocada de colher: sobremesa ideal para dividir a dois

Na Barraca da Chiquita, baião se come e se dança. Um é feito com arroz, feijão, bacon e temperos; o outro, leva instrumentos musicais: o triângulo, a batida da zabumba e o acordeom. Ambos com o toque especial do que a dona Francisca Dias, proprietária do restaurante, chama de “nordestinidade”.

Já faz parte do nosso consumo comer uma carne de sol, um cuscuz, uma chuleta, paçoca de pilão. Eu tenho a preocupação de não perder a origem de como as coisas são feitas e procuro nem inovar muito. Eu estou fora do Nordeste, mas quero imprimir essa nordestinidade que a gente tem – explica.

E é entre uma garfada e outra que o baião vira forró e arrasta casais pelo salão, às sextas e sábados, a partir das 19h e aos domingos ao meio-dia.

Casais caíram no forró ao som do trio que tocava ao vivo

Você come, ouve um forró, dança um forró, aprecia um cordel, uma xilogravura. Não é um produto só, são várias experiências acrescenta dona Francisca.

Para relaxar depois de uma semana de muito trabalho, o sábado à noite da professora Renata Marques, moradora de São Francisco, pedia um programa diferente.

Sempre passamos por aqui, mas é a primeira vez que a gente vem. É um espaço muito acolhedor e a comida bem temperada. Eu sou fã do baião de dois, então toda vez que eu vou num restaurante nordestino eu não abro mão. É o carro-chefe. Eu fico no drink e meu marido na cerveja – conta.

Clássico da casa: baião de dois, carne de sol na chapa, macaxeira frita, queijo coalho e batata frita

A Barraca da Chiquita chegou em Niterói em agosto de 2018 e, para marcar a identidade niteroiense, o salão principal tem até uma xilogravura do Arariboia, feito pelo artista J. Borges. O restaurante completa 42 anos de fundação neste ano, com várias unidades no Rio de Janeiro. Mas a relação com Niterói tem um quê especial, como relata dona Francisca.

– Niterói é tão diferente de tudo, né? E Icaraí foi uma coisa, porque eu fui abraçada pela cidade. O cliente parece que é íntimo, amigo. Nas outras unidades a clientela tem uma característica de ser mais turista. Em Niterói não, o cliente parece mais um vizinho nosso, a relação fica mais intensa, as pessoas se aproximam, se identificam, é um relacionamento diferente.

E não é só de Niterói que vem gente para comer na Barraca. Weskley Roberto, morador de Maricá, é frequentador assíduo e em toda a comemoração de família bate ponto na Barraca.

–  Eu sou de Maricá, mas tenho parentes aqui em Niterói e sempre que eu venho a gente gosta de confraternizar junto, então volta e meia eu venho aqui para a Barraca da Chiquita. Já fiz aqui festa de fim de ano, confraternização da empresa, aniversário da sobrinha, da cunhada. Hoje é formatura da minha sobrinha e a gente veio comemorar aqui também – conta Weskley.

Curiosidades

Tudo começou em 1979, quando dona Francisca saiu de Crateús, no sertão do Ceará, aos 16 anos, e veio para o Rio de Janeiro. Foi na Feira de São Cristóvão que ela se encontrou.

– As coisas que tinham na feira eram as coisas que eu já comia, era o que eu sabia fazer. Eu via minha mãe fazendo aquele tipo de comida. E aí eu comecei a trabalhar lá com uma barraquinha, quando ainda era na rua, não eram essas barracas bonitas de hoje – conta.

Daí veio o nome ‘Barraca da Chiquita’.

– Eu pensava “um dia, quando eu tiver um restaurante, o nome vai ser barraca, porque fala da minha origem”. Com o tempo, as pessoas me perguntavam muito: ‘você tem restaurante?’. Até que eu, junto com a minha família, tive a iniciativa de ir para outros lugares do Rio.

Boa parte dos garçons da Barraca são nordestinos também, exceto por Bruno Mourão Nunes, niteroiense, nascido na antiga maternidade de Santa Rosa, mas filho de um casal improvável, por conta das inimizades históricas entre paraibanos e cearenses. Foi aqui na cidade sorriso, mais precisamente no forró do Raimundão, em Santa Rosa, que a mãe dele, cearense, conheceu o pai de Bruno, paraibano. Hoje estão separados e, segundo o filho, são inimigos mortais.

O garçom niteroiense misturou as origens paraibanas e cearenses

– Eu cresci indo e voltando para a Paraíba e para o Ceará. A última vez foi agora, com 24 anos, antes de casar. Casei com uma carioca e ela não deixou mais eu voltar – conta.

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