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Ao mestre com carinho. Niterói presta homenagem à professora Lúcia Helena Vianna

Por Redação
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Professores, alunos, colegas se emocionam no adeus à professora que amava Clarice Lispector e Carlos Drummond de Andrade
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A professora de Literatura Lúcia Helena Viana. Foto: arquivo de família

O escritor argentino, Ernesto Sábado, conta, no relato de memórias “Antes do fim”, que certa vez, diante de um professor que admirava, se questionou porque ele insistia em dar aulas naquela escola, numa cidade pequena, quando poderia, por sua capacidade, embarcar em outros projetos, avançar por outros territórios. A pergunta ficou martelando na sua cabeça por algum tempo, até que tomou coragem e arguiu o professor, por que, afinal, continuava ali? A resposta foi curta. Se pudesse tocar uma única vida, apenas, já valia a pena.

A professora Lucia Helena Vianna nos deixou nesta quinta-feira (17), aos 78 anos, com a certeza de que valeu a pena todo o percurso, como professora do Centro Educacional de Niterói e da Universidade Federal Fluminense.  Colegas de trabalho, alunos e professores, amigos, fizeram questão de declarar a importância que teve em sua formação e em suas vidas. Uma vocação, que exerceu desde que assumiu a primeira turma, com pouco mais de 20 anos. Apaixonante, como a Clarice Lispector, que tanto estudou e oferecia como inspiração a seus alunos. Hoje, eles mostraram, em inúmeras mensagens nas redes sociais, como a professora tocou a todos.

O currículo

Em 2018, a professora Lúcia Helena Vianna foi homenageada no meio acadêmico pelos seus 50 anos de magistério, uma carreira iniciada em Niterói, como professora de Língua Portuguesa, no Centro Educacional, com passagem também pelo Liceu Nilo Peçanha. E mais tarde na UFF.

Foi de certa forma uma precursora da questão da mulher e das desigualdades sociais. Seu livro “Cenas de Amor e morte na ficção brasileira – o jogo dramático da relação homem/mulher na literatura, sua tese de doutorado, mereceu um prêmio inédito da Casa das Américas, em 96. Um dos seus capítulos  – “A Mulher morta no Quarto” – seria reeditado, em 2016, numa coletânea da University of Wales Press.

 

Lúcia Helena no lançamento de seu livro, em 1999,  com os amigos da “Turma A” do CEN

Lúcia Helena publicou livros, orientou mais dissertações de Mestrado e pesquisas, mas o que mais a mobilizou em toda a sua trajetória foi o contato com os alunos.  Quem recorda é Cecília Carvalho, aluna do CEN, que muitas vezes reuniu em casa “a turma” com a professora. “Ela fez questão, por exemplo, de dedicar a seus alunos um exemplar de seu livro ‘Ensaios sobre Clarice Lispector & Graciliano Ramos, lançado em 2013.”

Formada na UFF, em 65, com mestrado na mesma universidade, obteve o doutorado em Letras (Ciência da Literatura) pela USP em 1983, com a orientação de José Miguel Wiznik. Foi pesquisadora do CNPq e atuou no Conselho da Mulher.

A luta contra o câncer

Lucia Helena lutava contra um câncer, diagnosticado pela primeira vez há 25 anos. Como tudo em sua vida, transformou a doença num aprendizado – e, para muitos, em ensinamento. Para os parentes, amigos que conviveram com a sua fibra, mas também para pessoas que não conheceu e que foram tocadas pelo seu exemplo. A professora participou do grupo Fale Conosco, que ajuda pessoas que convivem com a doença.

O relato é da coordenadora do grupo, a psicanalista Elena Lerner:

Falar da Lucia Helena é como celebrar a vida. Que pessoa luminosa, vibrante e carismática ela era! Nos conhecemos num contexto pesado, recém-diagnosticada de um câncer já muito avançado, com os piores prognósticos. Mas que capacidade ela tinha de transformar os mais assustadores cenários em narrativas cheias de graça, em que usava seu humor e determinação para desacreditar de sentenças de morte antecipadas e driblar o sofrimento. Quanta sensibilidade e sabedoria!

Foi um privilégio conhecer e conviver com Lucia Helena nos grupos de compartilhamento que promovia, nos últimos muitos anos no Conte Conosco. Ela era nossa lenda viva! Obrigada por tudo que tão generosamente nos ensinou!”

As mensagens de professores, alunos e amigos 

Lucia Helena era viúva. Não tinha filhos. Este sempre próxima dos irmãos Lígia e Antônio Sérgio. Mas construiu uma forte relação com seus colegas e, principalmente, alunos. Alguns, compartilharam momentos com a professora desde que a conheceram, em 71, no Centro Educacional de Niterói. Os alunos da Turma A, onde também estudava seu irmão. Muitos manifestaram sua homenagem.

“Triste quinta-feira, 18 de agosto de 2022.

Com a nota do falecimento de Lúcia Helena Vianna foi praticamente impossível não fazer a viagem de volta à adolescência, ao Centro Educacional de Niterói e às aulas de Português,  há 51 anos atrás, quando a professora assumiu, por três anos consecutivos, a turma A. Quis a vida que nossos caminhos assim se cruzassem. E, por mérito da professora, nossos caminhos estiveram desde então atrelados. Creio que ao fundamentar a relação aluno x professor no terreno do afeto, a professora ressignificou o exercício do magistério. E com isso ela emplacou um gol de mestre que reverbera até hoje no coração dos sessentões da turma A.  Ao valer-se dos versos de Drummond numa dedicatória endereçada a seus alunos, respondo à professora que se de tudo fica um pouco, não tenho dúvida de que muito dela está em mim como parte das minhas melhores lembranças. Para sempre viva, querida Lúcia Helena! Professora inesquecível.”

Eduardo Muniz, aluno de toda vida

 

“Lúcia Helena fez parte de muitas fases da minha vida. Memória muito nítida da menina sentada no primeiro banco do ônibus do colégio, lindinha de uniforme completo, até de boina. Filha de d. Dina, excelente costureira, que fez meu vestido de noiva. Professora do Centro Educacional. Presença constante. Sempre a admirei muito por sua delicadeza, cultura e coragem. Amava a vida. Descanse em paz.”

Teresa Kopchitz, professora, colega do CEN

 

“Lucia Helena foi nossa grande amiga desde que entramos no CEN em 1967. Ela era madrinha de Tomasinho e fomos muitíssimo próximos durante muitos anos. Viajamos juntos muitas vezes e ela e Amauri nos introduziram no campismo onde tivemos viagens e momentos inesquecíveis.”

Professores Sandra e Tomás Guisasola

Lúcia Helena e a professora e “colega de acampamento”  Sandra

“Lucia Helena foi muito importante na minha formação e autoestima. Ousou nos ensinar Semiótica junto com Português e Literatura no ensino médio e, devido às suas aulas maravilhosas, me tornei fascinada pela leitura. A sua presença bem-humorada nos fez muito bem! Agradeço muito por me encantar para as suas aulas pela alegria, pelo carinho e por lindos exemplos.”

Louise Lomardo, aluna do CEN

 

“Lucia Helena, era suave, delicada, inteligente e muito bonita. Desde os tempos de Centro Educacional, embora nunca tenha sido minha professora, nós nos aproximamos, talvez em função da amizade dela com Magnólia Brasil, esta sim minha professora, e Laura Padilha. Os alunos a adoravam e os amigos também. Quando estava em sala de aula, sua voz macia se agigantava na argúcia de suas análises.

Anos mais tarde fomos colegas na UFF e  o seu sucesso entre os alunos era o mesmo, sobretudo se o tema fosse Clarice Lispector. Juntas organizamos um livro intitulado Mulher e Literatura, que também contou com a colaboração da colega Maria Bernadette Porto. Nesta obra em dois volumes,  recolhemos um expressivo número de artigos sobre literatura feminina, apresentados no Seminário “Mulher e Literatura” que realizamos na UFF, em 1998.

Lucia foi uma lutadora.”

Livia Reis, aluna do CEN e professora da UFF

 

“Guardarei as melhores lembranças da minha professora tão querida, Lúcia Helena Vianna. Muito do que sou hoje é resultado de todo o aprendizado que tive com ela, em suas aulas de português e de literatura. Com ela, desenvolvi o gosto pela leitura, de Machado a Clarice. Quando saíamos do colégio, caminhávamos todos juntos, os amigos da turma A, rumo ao apartamento de Lúcia Helena, a quem chamávamos respeitosamente de professora, apesar da intimidade que se criou entre alunos e mestra. Sempre nos recebia com sorriso largo e generoso. Ela também sentia prazer na convivência com os alunos. Nós bebíamos direto na fonte do conhecimento, ávidos e curiosos. Nesses encontros descontraídos em sua casa, Lúcia Helena era mais amiga do que professora, mas o aprendizado se dava mesmo fora da sala de aula, embalado pelas conversas e pelas músicas de MPB que ouvíamos juntos. Momentos inesquecíveis e fundamentais para a formação de todos nós, jovens alunos à época. Levamos nossa amizade adiante. Continuamos a nos encontrar com a professora (era assim que eu a ela me dirigia) vida afora, com a mesma admiração de sempre. Saudades dela e de um tempo muito bom.”

Lígia Caputo, aluna e amiga

 

“Minha querida Lúcia Helena de tantos e inesquecíveis bons momentos passados juntas. Você partiu deixando uma saudade estranha, misto de tristeza, por perdê-la e alívio, por saber que está livre desses 25 anos de intenso sofrimento. Que a Virgem Maria e Seu filho, Cristo, Nosso Senhor, a recebam em Sua Santa Glória, onde você, querida Lucinha, merece estar em PAZ, por fim!”

Professora Magnólia Brasil

 

 

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