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É muito provável que em algum momento da vida você tenha visto algum trabalho do artista gráfico Helio Bueno. Durante 38 anos, ele atuou na produção de artes e vinhetas do jornalismo da TV Globo. Agora, radicado em Niterói, dedicado a projetos mais pessoais, tem a chance de apresentar o seu trabalho como ilustrador e cartunista. Um traço muito pessoal, que começou a desenvolver ainda menino quando uma vizinha o levou para mostrar seus desenhos a Ziraldo. E que rendeu livro com texto de Tom Jobim.
Helinho, como é chamado pelos amigos, apesar de ter 1,90 m, escolheu a cidade para viver, há nove anos. Mora perto da Serra da Tiririca e gosta das praias de Camboinhas e Itacoatiara. Não perde o olhar na paisagem, nas visitas à Boa Viagem e à Fortaleza de Santa Cruz. Mas lamenta não poder dizer que conhece bem a cidade, ainda guarda uma lista de lugares que quer conhecer. “Não passaria no teste do melhor ‘italiano’ da cidade”.
A pandemia fez com que mergulhasse ainda mais nas ilustrações. A produção tem sido intensa – e os temas, os mais variados. Da política às cenas cotidianas, capaz de subverter com uma ponta de nonsense e humor e forte apelo a reflexão. “É um momento muito confuso, que desmonta certezas, estabelece novas conexões e no qual as coisas ganham dimensões improváveis.”
O traço de Helinho vai nos ajudar a enxergar a vida e a cidade nas páginas do A Seguir: Niterói. Uma colaboração que vai colorir a vida da cidade. Seja bem vindo.
O começo de tudo
Helio Bueno começou a se interessar pela ilustração nos tempos de escola. Quando tinha apenas 14 anos, viu no jornal uma foto do Presidente Costa e Silva e resolveu, despretensiosamente, fazer uma caricatura. Após algumas pinceladas, logo percebeu que levava jeito para o ofício, mas não imaginava o quanto isso iria determinar os rumos da sua vida.
– Comecei a experimentar sem técnica nenhuma e fui fazendo testes. Fiz algumas colaborações para o Jornal de Ipanema, o Monitor Mercantil também. Depois, quando surgiu o Pasquim, em 1973, eu fiquei maluco e vi que era aquilo que eu queria fazer – conta.
Helio entrou para faculdade de Belas Artes em 1974, quando uma amiga, que morava perto de Ziraldo, sugeriu que ele apresentasse seu portfólio para o cartunista, que foi um dos fundadores do Pasquim. O jornal era um símbolo da resistência ao regime militar e da contracultura, por onde passaram, entre outros, os cartunistas Henfil, Jaguar e o jornalista Paulo Francis. Hélio bateu na porta de Ziraldo, como quem não quer nada, para apresentar suas ilustrações. Nesse dia, Ziraldo o apresentou oito livros de referência de ilustradores de ponta, os melhores do humor internacional. Até que Ziraldo pediu para que levasse seus desenhos no escritório do Pasquim.
Assim, Helio começou a levar os desenhos conforme Ziraldo ia divulgando no Pasquim. Com essa experiência, foi conhecendo mais pessoas e fazendo colaborações para diversas publicações, como os jornais Última Hora, o Globo, Jornal do Brasil e uma revista da Manchete. Até que, em 1978, entrou para a TV Globo. O que era para ser um período de experiência de três meses acabou se tornando uma trajetória que durou 38 anos, um grande laboratório.
O trabalho na Globo
No auge do desenvolvimento da televisão brasileira, Hélio foi trabalhar na TV Globo, onde começava a se desenvolver toda uma nova linguagem audiovisual, com a elaboração de vinhetas, artes, ilustrações e toda uma série de recursos eletrônicos. Na Globo, Helio foi responsável pela criação de uma séria de ilustrações e chegou a ser editor chefe do departamento de Arte da Central Globo de Jornalismo e Esporte.
– Eu fui aprendendo. Precisava de agilidade para o dia a dia, por se tratar de um noticiário. Naquela época não tinha computador, então a gente tinha que fazer tudo na mão: as ilustrações, os mapas com assuntos diversos para ilustrar o telejornal. Com o tempo, novos recursos foram sendo incorporados com os computadores e o videografismo se desenvolveu e hoje é uma das marcas da emissora. No jornalismo, a arte é uma contribuição fundamental para a compreensão da notícia, difícil imaginar o noticiário sem as ilustrações – conta.
Hélio se aposentou na TV em 2016. Desde então se dedica a um trabalho mais autoral, que exibe em suas páginas nas redes sociais, no Facebook e no Instagram.
Digital x papel e lápis
Helio faz ilustrações tanto no computador quanto de forma manual, com bloco de desenho, papel, com tinta, enfim, um trabalho mais artesanal.
– Gosto muito do desenho no papel, à mão livre, mais solto. No computador dá para fazer, mas no papel ele fica bem expressivo. Eu fui criado no papel. É que nem livro. Para mim, livro tem que ser no papel. Quando o desenho é feito no papel, você observa melhor a dimensão do traço, aumenta, borra um pouco. Ele é meio irregular. Eu costumo ter preferência pelo rápido, ligeiro. Já o computador oferece mais a sensação de limpeza. Eu gosto das duas ferramentas, mas ainda prefiro o papel – destaca.
Temáticas diversas
Helio conta que não se apega a nenhum tema específico e que está sempre aberto para fazer ilustrações de assuntos variados. Ele explica que gosta de estar atento ao que está acontecendo e aos assuntos que estão mais palpitantes para dissecar os temas de modo que as pessoas possam entender de alguma forma. Uma das intenções do seu trabalho é atiçar a curiosidade e despertar o interesse, de forma leve.
– Para mim, o que interessa é a ideia que vem. Às vezes surgem ideias mais na linha do nonsense, de temas mais leves. Mas também tem a parte política que é mais contundente. Eu acho que guardo um pouco isso do Pasquim. De certa forma, isso mostra para as pessoas o que está acontecendo, porque está havendo um desmando, então é uma crítica política, o humor pelo humor – sublinha.
Influências
Helio relembra a época em que morava em Ipanema e frequentava uma livraria perto de sua casa. Foi lá que ele comprou um livro do Jaguar chamado “Átila, você é bárbaro” , com o tom irônico, clássico do Jaguar, e recorda ficar encantado com as ilustrações. São várias as referências, mas Helio destaca uma das maiores: Saul Steinberg, cartunista norte americano, nascido na Romênia. Colaborou para a revista New Yorker e tinha um tom muito crítico e representativo quanto à questão social. O francês André François é outra inspiração. Ronald Searle, uma referência para diversas gerações. Raymond Savignac, conhecido pelo seu toque simples e estilizado, próprio da arte naïf. Outras referências são o Javier Zabala, o argentino Jorge González, o Cássio Loredano, um dos grandes caricaturistas do Brasil e, claro, o Chico Caruso.
Helio tem dois livros publicados, sendo um sobre animais em extinção, uma parceria com Ernani Diniz Lucas, mais conhecido como Nani, que ficou responsável pelo texto do livro, e outro de contos, chamado “O Gato Azul”. O primeiro, publicado em 1997, conta com prefácio de ninguém menos que Tom Jobim.
– Uma coisa engraçada foi que eu perguntei para o Tom quanto ele me cobrava e ele disse que eu jamais teria dinheiro para pagá-lo, mas que faria mesmo assim. O Tom sempre gostou dessa parte ecológica. Nos encontramos no Plataforma e estava a maior algazarra, Jaguar também estava lá. Ele foi muito simpático e agradável. Eu tenho até hoje o original guardado com a dedicatória. Já o “Gato Azul” quem fez o prefácio foi o Jabor – conta.
Tempos urgentes
Em tempo de imediatismo, o cartunista fala da importância da imagem, que costuma reter mais a atenção do leitor e permanecer por mais tempo na memória.
– Com a ilustração a pessoa bate o olho e já tem um entendimento. O poder da ilustração é atrair as pessoas para o que você quer dizer. Hoje em dia a paciência das pessoas está se esgotando. É tudo na urgência, na pressa. A questão da charge é que ela marca.
Helio fala que preza muito pelo traço simples e admite ser um desafio alcançar a simplicidade. Ele dá como exemplo o trabalho do Picasso, que sempre teve como sonho desenhar como uma criança.
Quanto ao processo criativo, costuma ficar bem atento ao que está acontecendo ao seu redor, se informar bem para formar um bom repertório. Ele diz que costuma buscar referências em sua rotina, tendo como inspiração a vegetação do entorno de sua casa, em Várzea das Moças, onde mora desde 2012. Também costuma consultar bastante a internet para fazer seus estudos e pesquisas.
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Relação com Niterói
Helio mora em Niterói desde 2012; escolheu a cidade para viver, ao pé da Serra da Tiririca, um lugar tranquilo, depois de tantos anos na agitação do trabalho no Rio de Janeiro. O cartunista conta que frequenta às vezes as praias de Itacoatiara e Camboinhas. Gosta da vista na Fortaleza de Santa Cruz. E de vez em quando circula por Icaraí, pelo Campo de São Bento e pela praia das Flechas e Boa Viagem. Está esperando a pandemia passar para explorar mais recantos interessantes da cidade.
Nascido e criado no Rio de Janeiro, ele passou a maior parte da vida em Ipanema. Era frequentador assíduo da livraria Argumento, mas agora ele diz que pretende se refugiar na Livraria da Travessa, além conhecer mais os centros de arte de Niterói.
Feitas as apresentações, Niterói vai ter a chance de conhecer melhor o trabalho de Helio Bueno. O artista se junta ao A Seguir: Niterói para ilustrar com seu traço, a vida, a cidade, nossos desafios, perdas, esperanças. O cartunista irá colaborar com ilustrações, charges e devaneios de tempos pandêmicos e não-pandêmicos.
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