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A Ponte Rio-Niterói e a Rainha da Inglaterra

Por Geraldo Cantarino
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Rainha Elizabeth veio ao Brasil para selar acordo que garantiu a maior obra brasileira – com financiameto no equipamentos e aços da Inglaterra
Rainha Elizabeth II
Rainha Elizabeth participa da cerimônia de lançamento da Pedra Fundamental da Ponte, em 1968. Foto: reprodução

Em novembro de 1968, Sua Majestade a Rainha do Reino Unido, Elizabeth II, deixou o frio de Londres para desfrutar do clima tropical do Brasil. Em uma programação oficial e não oficial, passou onze dias no país, um período bem mais longo do que outras visitas de Estado.

Acompanhada do marido, o príncipe Philip, duque de Edimburgo, e de uma comitiva de mais de trinta pessoas, incluindo nobres amigos, a rainha esteve em Salvador, Brasília, São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro. Por onde passou, atraiu multidões. Sua passagem pela “terra do sol”, como destacou a revista Manchete, despertou o olhar curioso do público e cativou o imaginário popular.

Houve quem considerasse a visita como o maior evento no país desde 1822, quando o Brasil declarou independência de Portugal. Outros foram um pouco mais longe. Associaram a importância do acontecimento à vinda da família real portuguesa para o Brasil, que deixara o porto de Lisboa em 1807 escoltada pela Marinha britânica.

O roteiro de viagem foi movimentado. Elizabeth II foi homenageada com almoços, jantares e banquetes. Andou a cavalo numa fazenda, visitou pontos turísticos e foi atacada por mosquitos no Mirante Dona Marta. Assistiu a Pelé jogar futebol no Maracanã, encantou-se com uma apresentação de samba da Estação Primeira de Mangueira e desfilou de Rolls-Royce conversível pela Avenida Atlântica, em Copacabana, acenando de luvas brancas para cariocas em trajes sumários. Na Avenida Paulista, inaugurou a nova sede do Museu de Arte de São Paulo (Masp).

Na tarde encalorada do sábado, 9 de novembro, uma breve cerimônia foi considerada de grande importância para os diplomatas britânicos. Cercada por um forte esquema policial – “um respeitável Exército”, como comentou o príncipe Philip – Elizabeth II foi até a Ponta do Caju, às margens da Baía de Guanabara. A rainha descerrou uma placa de bronze encravada numa rocha de granito, marcando assim o início simbólico das obras de construção da ponte Rio-Niterói.

Logo em seguida, Elizabeth II visitou o pavilhão de 200 metros quadrados, construído especialmente para a ocasião, onde estava instalada uma grande maquete da futura ponte. Ali, ouviu com atenção as explicações sobre o empreendimento, pelo Ministro dos Transportes, Mário Andreazza.

Nas paredes do pavilhão, diversos painéis ilustravam o projeto. Um deles trazia a reprodução de um documento histórico assinado em Londres, em 1876. Tratava-se do primeiro estudo para a ligação das cidades do Rio de Janeiro e Niterói.

O traçado visionário fora elaborado pelo engenheiro irlandês Hamilton Lindsay-Bucknall, a pedido do rico cafeicultor Bernardo Clemente Pinto Sobrinho, o Conde de Nova Friburgo, que o apresentou ao imperador Dom Pedro II, um entusiasta da ideia. O projeto, no entanto, não chegou a sair do papel.

Para Sir John Russell, embaixador do Reino Unido no Brasil de 1966 a 1969, a visita da rainha foi considerada um sucesso extraordinário. “No sentido emocional, psicológico, político e humano, o impacto permanece enorme, e cresce com o tempo”, avaliou o diplomata em seu relatório da visita, disponível para consulta no Arquivo Nacional britânico, em Londres.

Em tese, a visita da rainha buscava estreitar as relações bilaterais, estimulando o interesse mútuo entre os dois países. Na prática, o objetivo era intensificar as relações econômicas e comerciais, impulsionando as exportações britânicas para o mercado brasileiro.

Nesse sentido, o embaixador fez questão de destacar a inauguração simbólica das obras da ponte como um ato significativo de promoção do comércio e investimentos do Reino Unido. O empreendimento “envolvia um componente britânico de exportação muito importante”, anotou Russell.

Dois meses antes da visita da rainha, o Brasil havia assinado com 16 casas bancárias de Londres, representadas pelo grupo Rothschild & Sons, um contrato de 31 milhões de libras para a construção da ponte na Baía de Guanabara. Foi o maior empréstimo concedido até então pelo Reino Unido ao Brasil.

Além de recursos financeiros, o Reino Unido forneceria também um aço especial para a construção. “Com inauguração prevista para 1971, a ponte será uma nova, duradoura e poderosa lembrança de empreendimento britânico nas áreas de engenharia e finanças – o tipo de empreendimento que há um século havia construído os primeiros portos, fábricas e ferrovias no
Brasil”, relatou o embaixador.

Conforme contrato de abril de 1969, as firmas inglesas Redpath Dorman Long Ltd. e Cleveland Bridge & Engineering Company ficaram responsáveis pela estrutura de aço do vão central da ponte.

Inaugurada em março de 1974 com três anos de atraso, a ponte Rio-Niterói, denominada de “Presidente Costa e Silva” pela Lei 5.595/1970, contou com a participação de mais de 20 empresas nacionais e estrangeiras e 10 mil operários.

Marco da engenharia nacional, é uma das maiores pontes do mundo em volume espacial (área construída). Tornou-se um dos símbolos do chamado “Brasil Grande” da ditadura militar, ao lado da Usina Hidrelétrica de Itaipu, Rodovia Transamazônica, Açominas, Ferrovia do Aço e das usinas nucleares de Angra dos Reis – obras também chamadas de faraônicas.

Assim como outras obras monumentais, a grandiosa ponte não ficou livre de críticas, suspeitas e denúncias. Questionamentos surgiram em relação à necessidade de sua construção naquele momento, à priorização dos gastos públicos, aos inúmeros desafios técnicos e ao elevadíssimo custo.

Não demoraram a surgir, também, indícios de desvios de verbas e de superfaturamento da obra, que no final custou quase quatro vezes mais do que o previsto inicialmente. Vários acidentes de trabalho foram registrados, muitos em função de longas jornadas e falta de segurança adequada, que causaram ferimentos e morte de dezenas de operários.

Um mês após a visita da rainha ao país, o Brasil sofreria o chamado golpe dentro do golpe. Em 13 de dezembro de 1968, o marechal Arthur da Costa e Silva decretou o AI-5 (Ato Institucional n° 5), que concedia poderes extraordinários ao presidente da República. O AI-5 foi considerado o mais brutal diploma da ditadura, mas essa é uma outra história…

Veja a cobertura completa dos 50 anos da Ponte em: https://aseguirniteroi.com.br/especial-50-anos-ponte-rio-niteroi/

* Geraldo Cantarino é jornalista e autor de cinco livros, incluindo Geisel em Londres, lançado em novembro
de 2023 pela editora Mauad X. Natural de Niterói, vive na Inglaterra há 25 anos.

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