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A mãe pós-pandemia: casa, trabalho e ensino remoto

Por Livia Figueiredo
| aseguirniteroi@gmail.com

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Ex-professora do Colégio Pedro II, mãe de três filhos, Claudia Almada relata ao A Seguir: Niterói as mudanças de hábitos provocadas pela pandemia
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A professora Claudia e sua filha, Bia. Foto: Arquivo pessoal

Se há alguns anos se falava em jornada dupla – ou tripla – das mulheres, que conciliavam o trabalho com a maternidade, a pandemia desconstruiu as dimensões espaciais, numa fusão onde vida profissional e pessoal passaram a se confundir. O resultado foi uma rotina árdua e mais extensa, principalmente para as mães, que tiveram que se desdobrar com a educação dos filhos dentro de casa. A mãe pós-pandemia se multiplica “em todas as telas”.

Claudia Almada é ex-professora do Colégio Pedro II. Mãe de três filhos, moradora de Icaraí, ela é a entrevistada do A Seguir: Niterói  neste Dia das Mães, que carrega as marcas e aprendizados da pandemia. O trabalho remoto trouxe uma série de benefícios: fugir do trânsito, trabalhar com roupas mais confortáveis, mais horas de sono, entre outros. No entanto, a adaptação para o ensino online não foi fácil na maioria dos casos e junto dela vieram novos desafios. A gestão de conteúdos, a defasagem do ensino, o senso de responsabilidade que se amplifica, a autonomia que se despertou em alguns estudantes e a falta de compromisso em outros.

Claudia conta como foi a experiência do ensino remoto com sua filha mais nova, a Bia, a adaptação a uma nova escola, os novos hábitos e o que representa a maternidade em sua vida. “A maternidade desconstrói as nossas certezas” e revigora a mulher. Confira a entrevista:

A Seguir: Niterói: Você sempre quis ser mãe? O que te preenche na maternidade?

Eu sempre quis ser mãe, tanto que sou de três. O ponto mais legal da maternidade é a desconstrução das nossas certezas. A gente começa a ser desafiada sobre as nossas crenças, aquilo em que a gente acredita, além da possibilidade que a gente tem de aprender com o outro. Maternidade exige uma escuta atenta do filho: o que ele está precisando, demandando naquele momento, quais são os pontos em que você precisa reajustar o rumo. Educar não é fácil, mas a gente deve partir do princípio que também somos educados pelo outro. É uma experiência mútua. Ser mãe é uma mudança radical na forma de ver o mundo.

Quais foram os principais desafios que você teve de enfrentar como mãe no período da pandemia?

– Acho que, no primeiro momento, houve um surto coletivo. As pessoas não sabiam o que podiam fazer. Muita gente adoecendo, pessoas morrendo de complicações da Covid. Acho que a questão psicológica abalou a todos. Eu lembro que cheguei a comemorar o aniversário da minha filha. Ela estava fazendo 13 anos e uma semana depois foi decretada a pandemia da noite para o dia. Isso deixou todo mundo muito perplexo. O primeiro desafio foi administrar esse grande susto, esse medo, a questão psicológica pesou demais. Em que medida a escola ia entrar na vida das pessoas? Havia como ter escola naquele momento se a situação que envolvia a vida era muito mais urgente? Acho que foi muito tentativa e erro. Aqui em casa a gente não sonega notícia nenhuma. O meu marido é médico, então ele ia para o hospital e voltava para casa. A gente ficava muito preocupado com o estado dele porque sabíamos que ele ia adoecer em algum momento por conta da grande exposição ao vírus. A questão do isolamento dele, de a gente não poder chegar perto, tudo isso pesou muito. Eu entrava para varrer o quarto dele de máscara e de luva. E depois, em que medida eu vou deixar de ser mãe e ver os resultados que a escola me proporciona e participar ativamente nisso? Minha filha não sabia ter aula online, tampouco eu sabia. Nunca preparei uma atividade online porque estou aposentada desde 2018.

Embora eu sempre tenha estudado com ela, eu nunca tive esse desafio. Ficava na dúvida se assistia aula com ela ou não. Às vezes ela tinha vergonha de ligar a câmera. Nem a escola sabia direito o que iria propor num momento tão único da história da humanidade. Muitos pais tiveram uma preocupação com a assimilação do conteúdo. Eles comentavam que a escola não estava dando matéria direito. Isso me deixou atônita até certo momento, porque os pais estavam muito preocupados como as crianças seriam avaliadas. Eu me lembro de conversar com vários amigos, que sabem que sou da área da educação, mas eu estava tranquila porque sabia que a escola iria repor aquele conteúdo. Eu imagino que tenha sido muito mais difícil para meus amigos que estavam com filhos na alfabetização ou no terceiro ano do ensino médio. A minha filha estava indo para o sétimo ano, então é mais confortável. É uma série que você sedimenta muita coisa, mas são conteúdos que vão ser reciclados, então eu desencanei dessa história de conteúdo.

Como sua filha lidou com o formato virtual das aulas?

– A escola pedia para a câmera ficar ligada e ela demorou a se adaptar. Mas no geral, ela soube lidar bem. Acho que calhou com esse momento urso na toca que o adolescente tem. Já as aulas de inglês foram mais rapidamente adaptadas. Eu fiquei muito impressionada. Acho que o curso de inglês já tinha o know-how do formato online, então eles só se reorganizaram. Foi um ano que ela deslanchou no inglês. Fora isso, ela jogava muito online e se comunicava com os amigos virtualmente.

Em que medida sua bagagem como professora ajudou a sua filha nos momentos mais difíceis na adaptação para o online?

Isso ajudou bastante porque eu não fiquei presa na quantidade de conteúdo que ela teria, nem ao tipo de avaliação. Eu me prendi a observar a progressão dela, especialmente em relação à autonomia dela, porque a aula online demandou muito mais autonomia do que ela estava acostumada a ter. Eu fui tentando direcioná-la para esse caminho, mas eu não ficava fiscalizando toda hora para ver se ela estava cochilando ou assistindo aula. Não tive esse tipo de preocupação. Ela tinha vergonha de ligar a câmera, de fazer perguntas. Mas era um momento de avaliar outras questões. E essa autonomia veio, mas isso porque a gente tinha como prover os recursos tecnológicos para ela. Esse período trouxe à tona as nossas grandes desigualdades, que a gente sabia que existiam, mas não era escancarado. A evasão escolar foi altíssima e eu duvido que a gente consiga trazer muitos desses jovens para as escolas. Os recursos tecnológicos não foram oferecidos em muitas das vezes.

Apresentação sobre o ciclo do café após uma viagem que a escola fez ao Vale do Paraíba. Foto: Arquivo

A professora de certa forma cumpre um pouco o papel de mãe, do senso de responsabilidades, do respeito. Como era essa dupla jornada para você na época em que ainda dava aula no Colégio Pedro II?

– A gente tenta aconselhar quando percebe que o aluno está fazendo alguma coisa que vá atrapalhar a vida dele no futuro. Neste sentido, a gente assume o papel de mãe porque a gente quer o melhor para ele, como para nossos filhos. Às vezes a gente  vira uma espécie de confidente dos alunos, quando eles compartilham questões muito íntimas e delicadas. Assim como a mãe tem que ter muita escuta com o filho, o professor também tem que ter com os alunos. Respeitar o ponto de vista deles.

Quais foram alguns dos pontos positivos do modelo remoto?

– Como ela teve pouca demanda na escola, pode se dedicar aos interesses que tinha há muito tempo, mas não tinha a oportunidade antes. Ela se tornou uma grande leitora de sagas de aventura. Eu acho que isso foi um ganho. O currículo escolar toma tanto tempo que às vezes não sobra para fazer o que a gente gosta. E o aprendizado humano passa muito pelo querer. Se você quer aprender a fazer brownie, por exemplo, você vai procurar tutorial, vídeo no Youtube, vai se dedicar aquilo. A vida escolar não dá muito essa escolha e nem pode dar. É um delírio pensar que tudo deve ser do gosto do estudante, mas às vezes não há muito tempo dele eleger o que gosta mais. Foi uma espécie de currículo paralelo para ela. Nós estabelecemos algumas metas de ver filmes clássicos, como “E o vento levou”, “Tubarão”, “O Grande Gatsby”. Ao mesmo tempo, em contrapartida, ela me apresentava os filmes de anime. Pude trazer alguns hábitos de cuidado no espaço em que ela habita, como arrumar a cama, varrer o próprio quarto, molhar as plantas, até para ocupar o dia. Eram dias longos, né? E minha filha terminou o Ensino Fundamental no Miraflores e esse ano foi para o Colégio Pedro II.

Como foi esse período de adaptação à nova escola para ela?

– O corpo docente do colégio Pedro II é muito bom. São pessoas muito estudiosas que estão sempre propondo novas atividades extracurriculares, como bolsas de pesquisa. Tem uma riqueza de aprendizado. Eu fiquei lá como professora de 1995 a 2018. Não é exatamente apenas o conteúdo, mas a experiência de vida de estar imersa ali naquele contexto de pessoas de diferentes classes sociais, de diversos pontos da cidade, então a troca é muito rica. Acho que ela não teve dimensão da saudade até o momento em que ela voltou ao presencial. Quando eu perguntava se ela não estava com saudade da turma, ela dizia que estava bem. Porém, no momento em que a escola voltou a funcionar, em 2021, a turma vizinha dela retornou ao presencial de forma completa e na turma dela ninguém tinha voltado. Depois de algum tempo só voltaram três alunos na turma dela. Com isso, ela ficou muito amiga do pessoal da outra turma. Ela sai com eles até hoje. Eu percebo que algumas crianças que voltaram neste ano ao presencial tiverem dificuldade de se ressocializar com amigos de anos atrás. E eles se distanciaram em um momento da vida que a gente fica muito diferente, muito inconstante, que é a adolescência.

Apesar dessa inconstância, vocês se dão super bem pelo que descreveu. O que mais você gosta de fazer com a Bia, além de maratonar filmes e séries?

– Sempre que pode a gente vai andar de bicicleta no Campo de São Bento. Isso tudo começou com uma grande forçação de barra minha porque ela é muito preguiçosa para se movimentar. E eu acho que a gente tem que cuidar da saúde da gente sempre que pode. Isso virou um programa nosso. Agora ela já fala: “poxa, mãe, hoje estava um dia tão bom para um pedal”.

Foto: Arquivo

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