8 de maio

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A expansão das escolas evangélicas em Niterói

Por Filipe Bias
| aseguirniteroi@gmail.com

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Busca por valores cristãos impulsiona abertura de colégios evangélicos na cidade; veja o depoimento de pais e professores
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Colégio Cristão Genebra, a escola que mais cresce em Niterói, com quatro unidades. Foto: Filipe Bias.

Niterói, tradicionalmente conhecida por seus colégios católicos, como Salesianos, Abel, Assunção e São Vicente de Paulo, assiste a uma nova dinâmica no cenário educacional: a multiplicação das escolas cristão-evangélicas. Um dos nomes que mais se destaca nessa expansão é o Colégio Cristão Genebra, que há pouco tempo abriu sua quarta unidade em Niterói, tornando-se a rede de ensino cristã com mais unidades na cidade.

Os anúncios das escolas evangélicas chamam a atenção nas ruas da cidaDe. Além do Genebra, outras instituições com orientação evangélica marcam presença em Niterói. Entre elas, está o Colégio Cristão Aggregare, diretamente ligada à igreja Lagoinha. E o Legacy School, que nos últimos anos também abriu mais de uma unidade na cidade.  O A Seguir identificou ainda outras escolas evangélicas tradicionais em Niterói, o Colégio Adventista, Colégio Colabore, Smirna Creche Escola e Creche Escola Âncora.

Valores cristãos

O Genebra, assim como as outras instituições citadas, tem adotado uma comunicação que enfatiza seus princípios cristãos como um pilar central de sua proposta educacional. Em seu site, o Colégio Genebra diz que, “Cristo e sua palavra ocupam o lugar central de todo o calendário pedagógico e das atividades da escola, reforçando a centralidade da fé em sua proposta educacional”. Essa ênfase na cosmovisão cristã, presente na escola, busca atrair pais que compartilham desses valores e procuram uma formação religiosa além do ensino tradicional.

É o caso de Letícia Pereira. Mãe de um menino de cinco anos, ela relata que a prioridade de encontrar um colégio cristão a fez esperar pela abertura de uma unidade do Genebra perto de sua casa. “Colégio cristão pra mim era prioridade por conta de valores. Na idade do meu filho, sendo sincera, eu não estou tão preocupada com a parte pedagógica”, explicou.

Segundo Letícia, a maior preocupação dela e do marido, era colocar o filho num lugar onde ele tivesse ensinamentos que batiam com a cosmovisão cristã da família deles, “nosso maior objetivo é que nosso filho aprenda a ter valores (cristãos) para o seu desenvolvimento social”, disse.

Letícia também compartilhou sua experiência com a Legacy School, onde matriculou o filho após uma breve passagem pelo Genebra. “A parte cristã do Legacy estou achando mais forte que no Genebra, que tinha pouco”. Segundo ela, o fato do Legacy contar com cultos semanais e professores mais evangélicos foi crucial para trocar o filho de colégio. “A professora lá (no Legacy School) é muito cristã, então ela traz sempre alguma coisa voltada pra alguma lição da bíblia e isso tem agradado muito a gente”, ressaltou.

Legacy School. Foto: Filipe Bias.

Outra mãe, que preferiu não se identificar, compartilha de um sentimento parecido, embora sua experiência com o Colégio Cristão Genebra tenha sido marcada por críticas. “Eu resolvi matricular meus filhos em um colégio cristão evangélico porque, embora não seja evangélica, eu queria passar a eles princípios um pouco mais fortes, valores, queria menos militância, queria fugir um pouco dessa coisa progressista que o mundo está, e que invadiu as escolas nas últimas duas décadas no Brasil”, disse.

Ela ainda contou que achou muito interessante a proposta educacional apresentada pelo colégio, mas apesar da busca por valores, a experiência dessa mãe revelou aspectos que considerou “problemáticos”. Ela relata uma atmosfera religiosa excessivamente fechada e comportamentos intolerantes por parte de alunos e até mesmo professores em relação a outras crenças.

– Achei muito fechado, uma escola muito fechada, que fala que muita coisa é pecado, na verdade eles usam mais o termo: que não é de Deus”.

Segundo ela, já houve perguntas para os alunos na sala de aula do tipo: “qual é a religião de vocês?” Só para saber quais crianças da sala de aula eram de fato cristãs-evangélicas. “A minha filha, por exemplo, ficou um pouco constrangida, porque uma outra criança falou que é católica, e algum funcionário da escola falou que não queria saber, então a professora meio que disse que o cristão era só quem era evangélico”.

A mãe também critica a qualidade do ensino e a organização da escola, contrastando com a proposta inicial que a atraiu. Problemas de comunicação, falta de atenção aos alunos e uma aparente prioridade por questões financeiras foram alguns dos pontos levantados por ela. “A escola não é o que ela prometeu em termos de ensino, a escola só pensa em dinheiro, é só dinheiro, cobra tudo, todas as festas são pagas a parte, eles só pensam na marca Genebra e não nas crianças”, ressaltou.

Colégio Cristão Genebra, unidade Icaraí II. Foto: Filipe Bias.

Educação e Fé

Claudia Carletti, outra  mãe de um aluno do Genebra, oferece uma perspectiva diferente, enfatizando a proposta pedagógica e a integração da fé como pontos positivos. “A princípio o peso maior ao escolher uma escola para o nosso filho foi a proposta pedagógica norteada por princípios cristãos e que olhasse o nosso filho de forma integral”, disse.

Claudia também elogiou a parte educacional do colégio. Ela contou que a educação deve ir além da simples transmissão de conhecimento e ser um processo que integre princípios bíblicos e valores eternos à vida cotidiana de seus alunos. “Uma escola tem que formar reformadores da fé e da sociedade, o Genebra, além de cultivar um ambiente de fé e conhecimento, também proporciona aos seus alunos senso de propósito, identidade e pertencimento”.

O A Seguir tentou contato com o Legacy School e o Colégio Cristão Aggregare, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição. Da mesma forma, representantes do Colégio Cristã Genebra, procurados para comentar sua expansão e proposta, informaram estar em um congresso em São Paulo, o que segundo eles, impossibilitou a entrevista.

Colégio Cristão Aggregare. Foto: Filipe Bias.

Educação laica

O crescimento das escolas evangélicas em Niterói não passa despercebido pela comunidade acadêmica e pelos profissionais da educação. Thiago Monteiro, professor de geografia formado pela UFRJ e mestrando na mesma instituição, acompanha de perto esse fenômeno. Para ele, a expansão dessas escolas reflete a potência política e econômica alcançada pela comunidade evangélica nos últimos anos.

– Quando tratamos de ensino e de educação, sempre existirá um projeto político-pedagógico em vigor. A comunidade evangélica possui um grande volume de agentes políticos em todas as esferas políticas brasileiras, a presença dessa comunidade na Educação nos indica mais uma faceta do seu poder político e da sua estratégia de crescimento e expansão -, pontuou.

Essa ascensão, segundo o professor, levanta importantes preocupações para os profissionais da educação, especialmente no que diz respeito à Constituição Brasileira, à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e à Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Monteiro ressalta o princípio da laicidade do Estado brasileiro, que garante a liberdade religiosa sem favorecer ou discriminar nenhuma crença, “a educação em um Estado laico deve assegurar uma formação cidadã dos alunos, que os preparem para a pluralidade das relações humanas, ou seja, o respeito e a solidariedade entre os diferentes”, disse.

A partir dessa visão, Monteiro demonstra apreensão em relação à forma como temas sensíveis e complexos presentes na sociedade brasileira podem ser abordados nesses colégios, “tratando-se do histórico de algumas alas da comunidade evangélica, apoiada em práticas de violência contra religiosos que não são cristãos, contra outras comunidades como a LGBTQIAPN+, contra os direitos das mulheres e contra os movimentos sociais, nota-se uma contradição entre as suas práticas e os objetivos primários da Educação”, alertou.

Monteiro ainda questiona se o ensino das escolas evangélicas é capaz de contemplar as diversas disciplinas presentes na educação brasileira, “no caso da geografia, como se dá o ensino do conflito entre Israel e Palestina, já que a comunidade evangélica brasileira possui um apreço pelo Estado Sionista de Israel, responsável pelo genocídio do povo palestino que é composto também por cristãos e judeus?”, questiona.

O professor termina fazendo mais uma reflexão, “um quadro de funcionários 100% cristãos em sua totalidade, possui capacidade de trabalhar um conteúdo como esse (conflito Israel – Palestina), além de inúmeros outros, de maneira ampla, considerando as diferentes culturas e construções históricas?”.

Novo Cenário

O aumento no número de escolas evangélicas em Niterói reflete uma tendência mais ampla observada no crescimento de locais religiosos dessa denominação na cidade. Uma matéria publicada pelo A Seguir em fevereiro de 2024, baseada em dados do IPEA, revelou que a maioria dos endereços religiosos em Niterói são de templos evangélicos, representando cerca de 70% do total de igrejas e templos, que somam 1.099 instituições.

A expressiva presença de templos pode estar diretamente relacionada ao aumento do número de escolas com essa orientação, atendendo a uma demanda crescente por uma educação que esteja alinhada com a fé professada por uma parcela significativa da população niteroiense, que se acompanhar a média nacional, ultrapassa os 30% da população, segundo pesquisa Datafolha de 2020.

Esse cenário aponta para uma possível reconfiguração do panorama educacional na cidade, com as escolas evangélicas se aproximando ou até ultrapassando o número de colégios católicos, que historicamente tiveram uma presença marcante na formação de gerações de niteroienses. A busca por valores religiosos na educação, impulsionado pelo crescimento da comunidade evangélica, parece ser um fator determinante nessa nova dinâmica.

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