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Niterói tem 300 mil carros. A cidade convive com esta ocupação faz tempo, a prioridade por aqui não é do pedestre.
Mas a situação tem se agravado nos últimos anos com o aumento considerável de motocicletas que trafegam na cidade.
Já são cerca de 50 mil. Uma boa parcela em decorrência do aumento da demanda de serviços de entrega, a partir da pandemia.
A mudança aparece nas estatísticas com o aumento do número de acidentes. Mas também com um desrespeito recorrente às regras do trânsito – e muitas vezes, da civilidade.
Por exemplo:
Leia mais: Número de motocicletas em circulação em Niterói explode depois da pandemia
O jornalista Giovani Faria, colunista do A Seguir, que observa em suas Andanças a vida na cidade que escolheu viver há quase 50 anos, fez um desabafo depois de tantos “atropelos”.
Ele listou dez cenas que exibem a conturbada relação de motociclistas e moradores.
A moto avança o sinal vermelho na Gavião Peixoto. O pedestre, já no meio da rua, se esquiva e xinga o condutor.
Este, ato súbito, retorna na contramão e, duplamente errado, vai tirar satisfação com quem estava certo.
FDP é o senhor!
E parte lépido e fagueiro com seu animal de aço, em ziguezague.
A moto para no sinal vermelho na Praia de Icaraí. O guarda de trânsito não tira os olhos do celular. O condutor passa sem acelerar, de fininho, fingindo-se de morto, embora vivíssimo, nas costas da autoridade.
Malandro é o gato.
A moto buzina, buzina e buzina enquanto tenta passar entre dois carros. Mas esbarra no retrovisor de um deles.
O motorista grita, tenta tirar satisfação, mas o apressadinho vai embora, empinando a moto, sem capacete e com vistosas sandálias havaianas vermelhas.
A buzina não é estridente, mas repetida três vezes chama a atenção do pedestre que caminha junto ao muro do Campo de São Bento, em plena calçada.
A moto pede passagem por ali, já que não havia espaço no asfalto tomado de carro da Lopes Trovão.
Pode isso, Arnaldo?
O motorista do carro sai da garagem na Herotides de Oliveira e, numa rua de mão única, dá de frente com uma moto na contramão.
A batida não ocorre por centímetros. Errado, o homem do capacete ainda brada:
Preste mais atenção, chefia!
Uma moto para sobre a faixa de pedestre, outra faz o mesmo. Uma senhora reclama.
-Está falando comigo, vovó? – tripudia o gênio da raça.
-Não está vendo a faixa de pedestre? – indaga a senhora, com um misto de ironia e cordialidade.
-Tanto vi que parei sobre ela. Vá para a PQP, veinha – exalta-se, antes de arrancar na segunda marcha, balançando a cabeça.
Com uma mão no guidão e outra agarrada no celular em viva-voz, o capacete vermelho ignora o sinal de mesma cor.
Passa tranquilamente, como se não houvesse amanhã, em plena Paulo Gustavo.
O guarda olha, mas não vê. Faz vista grossa. Afinal, também estava no celular.
Na Domingues de Sá, a moto entra na contramão em plena Gavião Peixoto, para acessar a Octávio Carneiro.
Um senhor observa e reclama com o autor da manobra absurda. E leva para casa uma resposta enviesada.
-Por aqui eu corto caminho – justifica-se o dono da rua.
Sem silenciador, a moto de 300 decibéis acelera para furar mais um sinal vermelho – não será, jamais, o último.
O verde já saiu de cena, o amarelo teve sua vez, e agora o vermelho já brilha a cinco metros do chão – mas a moto nem dá sinal de que vai reduzir a velocidade.
Peralá: mas o sinal tem câmera e, enfim, ele será multado.
Esquece, meu caro.
Ato súbito, em meio a olhares dos pedestres, o capacete azul vira o corpo para o lado, estica a mão esquerda e tapa a placa traseira do possante de duas rodas.
E vai embora, com um risinho sarcástico.
Na mesa da padaria, café com leite, pão com manteiga e três capacetes.
A conversa rola num tom que permite que todos ao redor ouçam. Um festival de bravatas:
Veja a coluna Andanças: Presta atenção, chefia!
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