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O Carnaval de rua começa neste fim de semana, em Niterói. Com a folia, os pernaltas voltam à cena, em bandos. A até 90 centímetros do chão, esses gigantes foliões levam para as ruas um certo ar de circo. Começaram a aparecer de pouco em pouco, nos blocos cariocas. Agora, formam grupos cada vez maiores e coloridos e desafiam a gravidade sambando nas alturas.
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Os pernaltas são, atualmente, doses de alegria extra na folia das ruas. Em Niterói, são presenças certas no desfile da Sinfônica Ambulante que, este ano, será no dia 17 de fevereiro pela orla de Icaraí, a partir das 16h.
Na cidade, a oficina de perna de pau Flutuandas ganha entusiasmo extra com a proximidade do Carnaval. Mesmo quem procura as aulas sem planos para desfilar em blocos acaba se animando com a ideia conforme a folia se aproxima e ensaiar (muito) faz parte.
Desde 2019, Flau Leal ensina como se tornar pernalta, em Niterói. Ela, que tem 25 anos, jura que absolutamente qualquer pessoa pode andar com uma perna de pau. O único pré requisito é não sentir medo de altura, mas há quem procure a oficina justamente para se livrar desse e outros medos.
Flau conta que era encantada com pernaltas desde criança. Fez teatro, estudou palhaçaria até chegar na perna de pau e transformar o acessório em seu ganha pão. Ela participa de eventos, dá aulas e produz as pernas que vão de 30 centímetros a 90 centímetros e custam, em média R$ 580. Produzir a maquiagem e a fantasia faz parte do show.
Para ela, este ano não vai ser igual àquele que passou. Flau sofreu um acidente de moto e quebrou o pé. Amigos pernaltas estão ajudando a tocar a oficina, sob sua supervisão, que acontece semanalmente, na praça Nilo Peçanha, em São Domingos. No comando das aulas estão os Trigêmeos Pernaltas, com o apoio do Raphael Corrêa, Marcela Sertã e Bianca Vales.
E pensar que Flau já caiu do alto de suas pernas de pau, mas nunca havia se machucado.
– Eu já cai algumas vezes da perna. Geralmente, por conta do pé que entra em algum buraco, na grama. Em nenhuma das vezes me machuquei e a primeira coisa que ensino para quem chega na oficina é, justamente, como cair sem se machucar – disse ela que, atualmente, tem 20 alunos.
Segundo ela, logo na primeira aula já é possível dar uns primeiros passos com a perna de pau. Andar com segurança e desenvoltura, porém, pode levar até 3 meses. Para quem chega, o recomendável é usar a de 70 cm, “que já tem uma altura considerável e dá boa mobilidade”. Crianças começam com alturas entre 30 cm e 50 cm. Quanto mais baixa a perna, mais rápido e ágil será o pernalta e mais “fácil” será sambar.
Flau conta que, este ano, finalmente convenceu a mãe, que tem 50 anos, a fazer uma aula:
– Eu sempre falei que é menos difícil do que parece. Ela, então, resolveu arriscar. Ela ficou muito nervosa, mas aprendeu a andar rápido e já estava até dançando. Com o meu acidente, ela desanimou, apesar de não ter tido relação com a perna de pau.
Sobre o “boom” de pernaltas nos blocos de Carnaval, Flau não sabe muito bem qual seria a origem. Se há um “culpado”, acredita ser a Orquestra Voadora, grupo criado em 2008 por músicos que se apresentavam em diversos blocos carnavalescos do Rio de Janeiro.
Se a Voadora deu visibilidade às pernas de pau e criaram as primeiras oficinas, não é, porém, pioneira na presença de pernaltas em desfiles. Esse crédito deve ser dado ao bloco carioca Escravos da Mauá. Criado em 1993, na Zona Portuária, sua comissão de frente sempre foi formada por gigantes foliões. O bloco foi extinto durante a pandemia do Coronavírus.
Em Niterói, a Sinfônica Ambulante teve o mesmo papel que a Orquestra Voadora teve, no Rio, na difusão da arte da perna de pau. Desde 2015, o grupo papagoiaba mantém oficinas e quem tem planos de desfilar com a fanfarra precisa participar dos ensaios com muita disciplina.
– De 2017 para cá, a demanda por aprender a andar na perna de pau cresceu. Quando vai chegando o Carnaval, a procura por aulas aumenta ainda mais – afirma Flau que, para dar um sinal verde para um aluno participar do Carnaval, precisa estar convencida da segurança dele com as pernas de pau, além dele ter aprendido a cair com louvor.
Luciana Moura Andrade, 42 anos, servidora pública federal:
“Eu tinha medo de altura, mas tinha curiosidade de andar em uma perna de pau. Eu tinha medo a ponto de não conseguir andar em uma passarela. Depois da pandemia, uma amiga começou a fazer a oficina de perna de pau e eu resolvi experimentar uma aula. Acho que quis me desafiar e buscar vencer meu medo de altura. Já tem mais ou menos dois anos que faço aula de perna de pau. Comecei com perna de 50 cm. Subi me segurando nas grades da praça. Na primeira aula, já dei uns passinhos, mas fiquei com muito medo de cair. Eu realmente achava que não ia conseguir. Demorei uns meses para andar de forma relaxada. Ainda sinto um incômodo com as pernas de pau, mas relaxo e vou. Agora, uso perna de 70 cm e não penso em aumentar. Com a perna de pau também reativei um lado meu que estava esquecido. Eu me formei em indumentária, na Faculdade de Belas Artes da UFRJ, mas a vida me levou profissionalmente para outro caminho. Agora, fazendo as fantasias, estou resgatando esse meu lado e está sendo muito bom. Ano passado, saí na Sinfônica pela primeira vez. Foi muita emoção. Fiquei nervosa porque é diferente do ensaio, tem muita gente, é na rua. Mas nós ficamos dentro da corda, o que nos dá proteção, evita que alguém passe pelo meio da gente. Quando a música começa, não dá para pensar em mais nada, só em seguir o bloco. O desfile durou 4 horas e eu nem percebi. Mas, no dia seguinte, eu estava toda destruída (risos). É maravilhoso curtir o bloco de cima. É até mais fresquinho. Não quero outra coisa e, este ano, estarei no desfile outra vez”
O que é mais difícil: descer ou subir na perna de pau?
“Descer é o que me dá mais receio, apesar de ter várias técnicas para isso. Nós treinamos muitas quedas.Tem que saber cair para ter uma confiança maior para andar. Mesmo assim, descer é o que me dá uma aflição maior”.
Juliana Taddei, 30 anos, confeiteira:
“Comecei a fazer as aulas em março do ano passado. Eu tinha vontade de andar de perna de pau há tempos porque sempre achei muito bonito. Eu gosto muito de Carnaval e achava lindo os pernaltas nos blocos. Quando conheci o bloco Terreirada Cearense, no Rio, me apaixonei de vez. Na minha primeira aula, fiquei o tempo todo abraçada em uma árvore. Fiquei apavorada. A primeira vez dá muito medo, parece muito difícil. Na segunda aula, não achei tão difícil, sei lá, parece que o corpo já tinha se adaptado às pernas de pau, e consegui andar. É uma sensação muito gostosa e acho que vira um vício. De vez em quando, vou a alguma praça só para andar de perna de pau. Eu uso perna de 70 cm e penso em chegar a 90 cm ou mesmo 1 m, que deixa o movimento mais lento. Este ano, pretendo sair em um bloco. Sei que rua é outra dinâmica. Até agora, não cai, mas confesso que gostaria de já ser “batizada” para não correr o risco de cair pela primeira vez no Carnaval. Meu filho tem 3 anos e quando fizer 5, eu vou levar para aprender a andar na perna de pau. Meu marido acha tudo legal, apoia, mas não quer experimentar (ainda). Encaro tudo como diversão, mas estão começando a surgir oportunidades de trabalho que, por enquanto, repasso para colegas. Vamos ver. O que está acontecendo é que já estou ficando com vontade de aprender a costurar, para fazer as fantasias. Esse é um mundo imenso, cheio de pessoas de corações enormes”.
O que é mais difícil: descer ou subir na perna de pau?
“Não vejo muita dificuldade entre subir ou descer porque fazemos isso apoiado”.
Edauro Vidal, 63 anos, aposentado. Um dos fundadores do bloco niteroiense Mancando de Ré (apresentação parada, dia 3 de fevereiro, às 16h, na Américo Oberlander, em Santa Rosa).
“Quando eu tinha meus 10 anos, eu fazia e brincava com perna de pau por conta de um amigo mais velho, que também brincava com perna de pau. Eu fazia a perna com madeira que encontrava na rua, em Santa Rosa, onde sempre morei. Isso ficou de lado e, sempre que via um pernalta em um bloco eu sentia algo. Eu gosto muito de Carnaval. Vi um amigo como pernalta na Sinfônica e disse para mim mesmo que, no ano seguinte, eu também estaria no bloco. Foi uma forma de resgatar aquela brincadeira de criança Comecei a fazer aula em novembro do ano passado. Na primeira aula, senti medo, mas já consegui andar e fiquei impressionado comigo mesmo porque achei fácil andar. Acabei caindo, mas porque não estava acostumado com tanto esforço. Fiquei cansado. A perna de pau desencadeou muitas coisas em mim. Eu estava sedentário. Passei a fazer pilates. É um ganho de vida que a perna de pau está me dando, um sentimento de ainda ser capaz, ainda poder fazer coisas, em função da limitação natural da idade. No Mancando de Ré, fico emocionado, sempre que começa eu choro. Com a perna de pau, sinto um êxtase. Uso pernas de 70 cm e não tenho vontade de aumentar porque essa altura facilita andar e brincar no bloco. Vou sair na Sinfônica e sei que estarei cuidadoso, mas estarei me divertindo. Ver o bloco de cima é maravilhoso ainda mais para mim que tenho 1,68 m de altura (risos). Vejo a admiração das pessoas quando me encontram andando de perna de pau, por conta dos meus cabelos brancos. Em todos os ensaios da Sinfônica eu fico em êxtase”.
O que é mais difícil: descer ou subir na perna de pau?
“Descer é mais estranho”.
Juliana Crispim, 40 anos, Assistente Administrativa. É a amiga que “carregou” Luciana para as aulas de perna de pau:
Comecei a fazer aulas em abril de 2022. Eu tenho mania de fazer listas e fazer oficina de perna de pau era uma vontade antiga porque eu via os pernaltas sambando nos blocos e ficava encantada. Então, um dia, coloquei a oficina na minha lista. E fui fazer aula. E adorei. No primeiro dia, fiquei o tempo todo agarrada na grade da praça, mas dei uns passinhos. Levei dois meses até conseguir andar sozinha. Estou usando perna de 70 cm. Andar de perna de pau foi importante para me mostrar que nós colocamos empecilhos para fazer coisas. Quando estou caminhando com a perna, não penso em nada, vivo o presente, é quase uma meditação. Muda a lógica da sua cabeça. Nunca pensei que iria cair, mas cai em dezembro e quebrei o braço. Tinha uma criança na aula, fiquei mais atenta com ela, me desconcentrei, tropecei e acabei caindo. É isso, caí porque perdi o foco. Então, no momento, não estou praticando, o que não significa ficar longe do Carnaval, vou sair no chão, mesmo. Vou fazer uns enfeites para colocar no braço quebrado. Eu senti medo na primeira aula, mas também estava muito feliz por estar fazendo a aula, então, na balança, foi mais felicidade do que medo. Sinto que abri um portal de possibilidades, que não posso colocar obstáculos no que quero fazer. Às vezes, a gente se esquece de sonhar. Sou colega da Juliana da faculdade de Belas Artes da UFRJ e fazer os figurinos está me reaproximando dessa minha formação em indumentária, que é algo que eu gosto muito de fazer. A perna de pau está me ensinando a conseguir testar novas coisas”.
O que é mais difícil: descer ou subir na perna de pau?
“Para mim é descer. Sempre tive dificuldade maior para descer, nas aulas. Para subir tem banco, parede, tudo serve de apoio”
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