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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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Zé Ketti chora no Palácio dos Jornalistas

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A capa do compacto reproduzindo manchetes de jornais. Tristeza para o grande artista da música brasileira. Foto arquivo pessoal

Uma das entrevistas mais tristes que fiz como repórter de “O Fluminense” aconteceu em 26 de janeiro de 1986. Eu estava diante de uma lenda da música brasileira, o compositor Zé Ketti.

Autor de sucessos e clássicos como “Máscara Negra”, “A Voz do Morro”, “Malvadeza Durão”, “Mascarada”, “Nega Dina” e “Opinião”, Zé Ketti estava completamente arrasado, em desespero, na miséria.

Era dessa forma que o Brasil tratava, e ainda trata, seus mestres. Zé Ketti vivia em depressão, acuado por dívidas, credores e perseguições.

A entrevista aconteceu na sala 606 do prédio Palácio dos Jornalistas, na esquina da Avenida Amaral Peixoto com a Rua Maestro Felício Toledo, no Centro. Zé Ketti arrendara o espaço para instalar um bar.

A dedicatória de Zé Ketti para o jornalista Sergio Torres

Imaginava que o público lotaria a casa com as atrações do samba que planejava trazer. Sonhava com um novo Zicartola, bar do mestre Cartola e de Dona Zica que tanto sucesso fizera no Centro carioca nos anos 60. O próprio Zé Ketti era assídua atração do Zicartola. Uma espécie de mestre de cerimônias presente todas as noites.

Para Zé Ketti, não tinha como dar errado: cerveja de casco, pinga de alambique, petiscos de qualidade e muito samba, a cargo dele próprio e dos amigos que convidaria, como Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Elton Medeiros e os integrantes da Velha Guarda da Portela, sua escola de coração.

Mas deu tudo errado. Os condôminos sentiram-se incomodados com o barulho das rodas de samba e com a circulação de pessoas estranhas ao cotidiano dos escritórios da edificação.

Logo a luz e a água do imóvel ocupado por Zé Ketti foram cortadas, graças à influência de advogados no Judiciário e nas empresas estatais encarregadas da prestação dos serviços públicos. Os fornecedores eram proibidos de entregar as mercadorias. Sem capital, Zé Ketti faliu.

O sambista tinha 64 anos. Ainda viveria até 1999, mas no ano seguinte à reportagem de “O Fluminense” sofreu um primeiro derrame. José Flores de Jesus, o Zé Ketti, naquela entrevista, evidenciou todo o ressentimento que guardava pelo fracasso da empreitada.

Aos prantos, o artista lamentava, ainda, os problemas na prensagem de seu disco novo, um compacto duplo com as músicas “Adeus Laureano, Adeus”, “Colarinho Branco”, “Os Olhos do Brasil” (parceria com Lacyr Vianna) e “Infidelidade” (Lacyr-Zé Paulo e Júlio Carrano)”.

Nenhuma delas fez qualquer  sucesso. Nem poderia. Lançado por uma gravadora desprovida de profissionalismo, o disco tinha um defeito de fabricação que impedia sua audição. São músicas praticamente inéditas, posso afiançar.

Na capa do compacto Zé Ketti listava e reproduzia manchetes de jornais como “O Dia’, “Última Hora”, “Pasquim”, “O Estado de S. Paulo”, “Tribuna da Imprensa’, “O Fluminense” e até os semanários niteroienses “Jornal de Itaipu”, “Opção” e “Sete Dias”. Talvez uma forma de agradecer ao Palácio dos Jornalistas que, inicialmente, tão bem o acolhera.

Ao me presentear com o disco, o gentil Zé Ketti escreveu a seguinte dedicatória: “Ao Sergio com o abraço do amigo Zé Ketti”. Com carinho, guardo o compacto ainda hoje, passados 36 anos. Mas jamais consegui escutá-lo.

 

 

 

 

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