Uma das entrevistas mais tristes que fiz como repórter de “O Fluminense” aconteceu em 26 de janeiro de 1986. Eu estava diante de uma lenda da música brasileira, o compositor Zé Ketti.
Autor de sucessos e clássicos como “Máscara Negra”, “A Voz do Morro”, “Malvadeza Durão”, “Mascarada”, “Nega Dina” e “Opinião”, Zé Ketti estava completamente arrasado, em desespero, na miséria.
Era dessa forma que o Brasil tratava, e ainda trata, seus mestres. Zé Ketti vivia em depressão, acuado por dívidas, credores e perseguições.
A entrevista aconteceu na sala 606 do prédio Palácio dos Jornalistas, na esquina da Avenida Amaral Peixoto com a Rua Maestro Felício Toledo, no Centro. Zé Ketti arrendara o espaço para instalar um bar.
Imaginava que o público lotaria a casa com as atrações do samba que planejava trazer. Sonhava com um novo Zicartola, bar do mestre Cartola e de Dona Zica que tanto sucesso fizera no Centro carioca nos anos 60. O próprio Zé Ketti era assídua atração do Zicartola. Uma espécie de mestre de cerimônias presente todas as noites.
Para Zé Ketti, não tinha como dar errado: cerveja de casco, pinga de alambique, petiscos de qualidade e muito samba, a cargo dele próprio e dos amigos que convidaria, como Paulinho da Viola, Nelson Sargento, Elton Medeiros e os integrantes da Velha Guarda da Portela, sua escola de coração.
Mas deu tudo errado. Os condôminos sentiram-se incomodados com o barulho das rodas de samba e com a circulação de pessoas estranhas ao cotidiano dos escritórios da edificação.
Logo a luz e a água do imóvel ocupado por Zé Ketti foram cortadas, graças à influência de advogados no Judiciário e nas empresas estatais encarregadas da prestação dos serviços públicos. Os fornecedores eram proibidos de entregar as mercadorias. Sem capital, Zé Ketti faliu.
O sambista tinha 64 anos. Ainda viveria até 1999, mas no ano seguinte à reportagem de “O Fluminense” sofreu um primeiro derrame. José Flores de Jesus, o Zé Ketti, naquela entrevista, evidenciou todo o ressentimento que guardava pelo fracasso da empreitada.
Aos prantos, o artista lamentava, ainda, os problemas na prensagem de seu disco novo, um compacto duplo com as músicas “Adeus Laureano, Adeus”, “Colarinho Branco”, “Os Olhos do Brasil” (parceria com Lacyr Vianna) e “Infidelidade” (Lacyr-Zé Paulo e Júlio Carrano)”.
Nenhuma delas fez qualquer sucesso. Nem poderia. Lançado por uma gravadora desprovida de profissionalismo, o disco tinha um defeito de fabricação que impedia sua audição. São músicas praticamente inéditas, posso afiançar.
Na capa do compacto Zé Ketti listava e reproduzia manchetes de jornais como “O Dia’, “Última Hora”, “Pasquim”, “O Estado de S. Paulo”, “Tribuna da Imprensa’, “O Fluminense” e até os semanários niteroienses “Jornal de Itaipu”, “Opção” e “Sete Dias”. Talvez uma forma de agradecer ao Palácio dos Jornalistas que, inicialmente, tão bem o acolhera.
Ao me presentear com o disco, o gentil Zé Ketti escreveu a seguinte dedicatória: “Ao Sergio com o abraço do amigo Zé Ketti”. Com carinho, guardo o compacto ainda hoje, passados 36 anos. Mas jamais consegui escutá-lo.