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Silvia Fonseca

Silvia Fonseca é jornalista e trabalhou por 30 anos no jornal O GLOBO, onde foi Editora Executiva. Tem pós em Gestão de Redação, tem uma consultoria em soluções de mídia e é sócia fundadora do A Seguir: Niterói. Nasceu em Minas, mas mora em Niterói há 32 anos.
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Viver em Niterói é uma merda, mas é bom

orla icaraí
Para não dizer que não falei de flores, taí uma vista linda da cidade e um de seus trunfos: a cultura, representada pelo MAC

Como Tom Jobim disse certa vez sobre o Rio,  viver em Niterói é uma merda, mas é bom. A cidade não é o melhor lugar do mundo para se viver. Alguém precisa dizer isso a esta velha senhora, que chega  aos 450 anos parecendo uma mocinha mimada e complexada. Quer ser melhor em tudo, sem ser.  Embora seja bastante boa em muito.

Temos praias lindas, mas sujas. Temos lagoas agonizando. Temos ciclovias mal traçadas, trechos de ciclofaixas em que não cabem  sequer a bicicleta e seu dono. Alguém explica como pode a Praia de Icaraí não ter uma ciclovia em toda a sua extensão?  Há postos de saúde e hospitais com problemas graves de atendimento e de infraestrutura. Choveu dentro do posto do Vital Brazil,  que está caindo aos pedaços. Faltam vagas nas escolas. Pretos e pobres morrem em tiroteios a taxas alarmantes. Moradores de rua se multiplicam nos bairros, doentes e famintos.

Apesar de seus 450 anos, você nem tinha nascido na  época da política do Pão e Circo, Niterói, mas não acha que está vivendo de muitos shows e pouca saúde, pouca educação?

A esta altura de sua existência, dava para ser mais sábia e realista, minha senhora. O apagão do fim de semana não vai apagar os problemas que uma cidade com tanto dinheiro dos royalties do petróleo ainda tem. Nem o desabamento do palco da festa que não houve, na Praia de Icaraí, parece ter sido causado apenas pela ventania forte prevista vários dias antes. É melhor investigar, além de dar graças aos Deuses por  não ter acontecido uma tragédia na cidade, já marcada por outras como o incêndio do circo e o morro do Bumba. Melhor abrir os olhos, Niterói, sem proselitismo e sem reacionarismo.

De que adianta estar com os bolsos cheios ao chegar aos 450 sem pensar no futuro, minha senhora? Você foi mais bela, mais segura e mais limpa quando jovem. Todo mundo é. O país também mudou, o mundo mudou. Estamos envelhecendo e ficando mais expostos às dores pelos erros do passado. Aliás, como tem suportado essa sensação térmica beirando os 50 graus? Não quer plantar mais árvores,  dona Niterói?

E será que não temos mais tempo para recuperar  lagoas,  praias,  florestas,  ruas,  postos de saúde,  escolas?

Também não dá para continuar dizendo por aí que é o melhor  lugar do mundo  com este trânsito.  Abafa o caso, não dá. Em diversos horários ao longo do dia fica impossível não xingar até sua avó pelo nó que não desata, os carros que não andam.  E não há transporte público eficiente. O que são aquelas pistas exclusivas para coletivos na Região Oceânica completamente desertos, sem ônibus, e que por isso são  usados por corredores e ciclistas? E as filas nos pontos? As empresas não são cobradas ou fiscalizadas como deveriam. Há excesso de veículos nas linhas de mais visibilidade e falta de ônibus nas mais longas, deixando a população a ver navios.

Uma velha senhora rica, com orçamento recorde de R$ 5,8 bilhões este ano, tem também uma desigualdade grande. Renda per capita alta em Icaraí, uma das mais altas proporcionalmente do país, e uma população miserável nas áreas menos assistidas. São mazelas do Brasil todo, evidente. Mas precisava ser assim num município de apenas 500 mil habitantes com esse orçamento gigante?

Não queria parecer amarga.  Nem você é. Sabia que te chamam de Cidade Sorriso (que coisa mais cafona!!!!!)? Mas confetes me incomodam mais. Tem de deixar a vaidade de lado para envelhecer bem, querida.

De qualquer forma, no dia do seu aniversário, vamos lá admitir que nossa Niterói tem mesmo a vista mais bonita do Rio (risos), tem o agradável  Campo de São Bento no meio dos prédios de Icaraí, a Serra da Tiririca, trilhas e praias fantásticas. O Caminho Niemeyer é um luxo, como um luxo também é a cidade valorizar a cultura e seus artistas. Temos os bolinhos de bacalhau dos nossos restaurantes portugueses (melhores que os do Rio), temos italianos, cerveja artesanal gelada em todo canto, o peixe na areia de Itaipu, a UFF, e até as barcas (se arrastando em problemas) que nos levam para o outro lado da Baía de Guanabara desfilam lá seus encantos.

Minha jovem senhora Niterói, parabéns pelos 450. Que viver aqui seja bom enquanto dure. E não faz mais  merda: pensa no seu futuro.

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