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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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Tempo, tempo, tempo… por favor, desacelere!

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Corria o ano de 1972…

A bem da verdade, alto lá: meio século atrás, na meninice, o tempo passava devagar demais, alargado, preguiçoso. Um dia durava uma eternidade. Entre a manhã e a noite não havia apenas uma tarde, mas longas horas, quase eternas. Era uma espécie de solstício diário. Jogar bola depois do almoço e retornar para casa antes de escurecer era como disputar um campeonato inteiro.

O tempo entre os aniversários não era como hoje: mal entramos numa idade já estamos comprando velas para a próxima. Riscava a idade em cadernos, paredes, árvores e lá ela permanecia uma eternidade antes do numeral seguinte. E o Natal? Eram centenas de dias – quiçá milhares – entre uma árvore acesa na sala e a mesma velha de guerra no ano seguinte. O tempo parecia jogar a favor. Cada idade tinha, como numa partida empatada na decisão, uma bela prorrogação, um bônus da juventude.

Na escola o tempo era infinito. Lento como pernas numa areia movediça. De março a dezembro, eram duas dúzias de meses. A criançada começava o ano letivo de um jeito – rosada das férias, cabeleira curta, pequerrucha, atarracada. Ao fim do mesmo, alguns já ferravam no namoro, outros cresciam tanto a ponto de quase enterrar uma bola na cesta de basquete. O tempo permitia ver nossas mutações no corpo.

Enfim, o ano de 1972, como outros tantos ali a seu redor, corria lento como nunca, longo como sempre. O fim de tudo – como as memoráveis férias escolares – estava sempre longe, distante, a perder de vista e só chegaria sabe lá deus quando. Até a morte parecia assim: jamais chegaria.

Lembro-me de ter ido visitar uma fazenda em Visconde de Imbé, entre as cidades de Trajano de Moraes e Santa Maria Madalena, no interior do estado do Rio: saímos muito cedo, em carro lento e estrada ruim. Chegamos a tempo de ainda ver a ordenha das vacas. Depois, cortamos e chupamos cana de açúcar, almoçamos no fogão a lenha, jogamos bola, colhemos frutas. Sim, ainda teve banho no açude, café da tarde com broa de milho, sol se pondo entre as montanhas. A noite trouxe mais vagalumes do que estrelas.

– Hora do jantar – ouvi minha mãe, da janela da cozinha da fazenda, chamar a garotada que pulava amarelinha depois do pique esconde.

Sobremesas mil, hora da despedida, de novo a viagem no velho carro na estrada de chão afora, rumo a Nova Friburgo. Pode-se dizer, de verdade, numa boa, com precisão, que aquilo tudo durou apenas um dia? Era a própria eternidade. Fosse hoje, uma semana num hotel fazenda passaria mais depressa.

Talvez por isso, quando caminho nos dias atuais nem quero saber do tempo percorrido. Deixo isso de lado. Ele não é mais o mesmo de antigamente, corre demais, perde os freios, arrasa os ponteiros, se desgoverna. Virou inimigo. Mal acordo, faz-se noite. Mal almoço, o sino toca ao longe na hora da Ave-Maria. Mal durmo, o dia amanhece engarrafado entre buzinas.

Por isso, para não controlar o incontrolável tempo, quando caminho evito celulares, aplicativos, relógios, cronômetros, marcas, recordes – nada que brigue com o passar dos segundos, minutos, horas… Eu quero mesmo, bem devagar como aquele sem-fim-forever-eterno 1972, é correr mundo.

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