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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
Publicado

Sabotagem

graficaaa

“Demitam já o energúmeno!! Agora!! Descubram quem fez isso e botem no olho da rua!!! E por justa causa!!”

Os brados surpreenderam os jornalistas que estavam na Redação de “O Fluminense” naquele início de tarde da primeira metade dos anos 80. Ainda mais partindo do dr. Alberto, presidente do Grupo Fluminense de Comunicações.

Alberto Francisco Torres, que desde a sua morte batiza a Praia de Icaraí, onde morava em um prédio na altura da Itapuca, era um homem sério. Nunca o vi sorrir. Vestia-se de terno preto, gravata sóbria. Falava em tom baixo, quase ao pé do ouvido. Daí o assombro dos jornalistas com tamanha gritaria.

Mas o que causou a ira do velhinho, como era chamado à boca pequena na empresa?

Vamos aos fatos. Na véspera, dr. Alberto participara com extenso discurso da posse de uma juíza no fórum de Niterói. Após a solenidade, que acompanhei como repórter, seguiu para a Redação a fim de orientar a edição da reportagem. Para ele, era questão de honra noticiar bem as ocasiões em que discursava.

Após ler o texto que escrevi, dr. Alberto fez as habituais adaptações, redigiu o título e mandou que o assunto fosse publicado com destaque na primeira página. Com foto aberta da magistrada.

O próprio dr. Alberto preparou a legenda: “A competente doutora juíza Fulana de Tal (não lembro o nome dela) tomou posse no Fórum de Niterói”.

Enfrentávamos um período de vacas magras na empresa. Os salários atrasavam todo mês. Todos nós vivíamos às custas de vales retirados na boca do caixa do departamento financeiro. Na fila do vale, partilhavam as agruras da carestia os gabaritados editores do jornal e os mais humildes funcionários.

Saíamos todos com os bolsos cheios de notas sebentas, de valores miúdos, recolhidas nos guichês dos anúncios classificados instalados na portaria. Era uma situação bem degradante, avalio hoje, passados quase 40 anos. Tinha gente que, quando vinha o salário, não tinha mais nada a receber.

Entre os habituais frequentadores da fila do vale estavam os gráficos, responsáveis pela impressão de “O Fluminense”.

O pessoal do parque gráfico, nos fundos do prédio do jornal, localizado diante da rodoviária Roberto Silveira, era politizado. Insurgiam-se contra os atrasos, ameaçavam fazer greve, protestavam.

O que aconteceu com a legenda da foto da juíza foi um protesto da categoria. Em vez de “A competente doutora juíza…” saiu “A imcompetente…”.

A sabotagem indignou o publisher de “O Fluminense”, daí a fúria manifestada publicamente no dia seguinte. Ainda mais porque o sabotador demonstrou conhecer pouco da língua portuguesa. Poderia ser um jornalista, que costuma errar até coisa pior. Mas foi um gráfico. A palavra “incompetente” virou “imcompetente”. Isso mesmo: com M antes do C. O “im” estava espremido entre o artigo definido feminino singular “A” e o adjetivo “competente”. Parecia escrito à mão. Só no parque gráfico se poderia alterar a frase dessa forma.

Jamais se descobriu a identidade do sabotador. Certamente vários funcionários do parque gráfico estiveram envolvidos. No dia seguinte, ouviam-se no prédio inteiro as gargalhadas originárias dos fundos do edifício. Era a vingança dos gráficos perpetuada nos exemplares vendidos nas bancas.

O assunto virou galhofa em Niterói. Lembro que na Câmara Municipal vereadores debochavam dos repórteres, exibindo a legenda.

Quanto à juíza, mais tarde desembargadora, jamais voltou a dirigir a palavra ao revoltado dr. Alberto. O Judiciário emitiu uma nota de protesto. A Associação dos Magistrados Fluminenses (AMF), também.

(Na semana que vem, contarei sobre o assalto a banco que parou Niterói.)

 

 

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