Em determinado período na primeira metade dos anos 80, o jornal “O Fluminense”, meu primeiro emprego com carteira assinada, resolveu que semanalmente publicaria uma enquete sobre temas do momento e assuntos polêmicos da sociedade brasileira. Coube a mim, repórter iniciante, conduzir algumas daquelas enquetes. Acompanhado de fotógrafo – afinal, enquete sem foto é um convite à invenção -, percorria os bairros da cidade a fim de conhecer a opinião dos niteroienses sobre questões tabus à época, como a virgindade e o amor entre pessoas do mesmo sexo.
O funcionamento da máquina pública era outra preocupação do gênio que inventou aquela chatice. Não vou dizer o nome da figura. Posso assegurar que não eram nem Gilberto Fontes nem Aissar Elias Jorge, o famoso Turco, meus chefes naquele período.
Como era um jornal de perfil conservador, as enquetes já tinham suas conclusões antes mesmo das entrevistas. Uma delas foi sobre o atendimento prestado à população pelo Hospital Universitário Antônio Pedro.
O diretor do hospital era amigo do empresário Alberto Torres, presidente do Grupo Fluminense de Comunicações (Não custa lembrar que não era meu parente). Dr. Alberto também era padrinho de casamento do assessor de comunicação do Antônio Pedro. Logo, não dava para a enquete concluir que o hospital prestava uma assistência ruim à época.
Cerca de dez pessoas, interpeladas de surpresa na rua, costumavam ser ouvidas pelo repórter. No caso do Antônio Pedro, precisei entrevistar umas 30 para que recolhesse alguns depoimentos favoráveis. As críticas foram suprimidas, claro. Os mais de 20 depoimentos desfavoráveis acabaram na lata do lixo do jornal.
Vivi momentos muito engraçados naquelas coberturas. Muita gente não queria falar, achava que era pegadinha. Mas havia quem atendesse bem o repórter, aceitasse posar para fotos e desse depoimentos interessantes.
A enquete “Sexo antes do casamento – Contra ou a favor?” foi inesquecível. Numa rua da Riodades, abordei com calma um senhor que seguia pela calçada. Identifiquei-me, falei que gostaria de ouvi-lo sobre o que achava da prática sexual antes do matrimônio.
O homem coçou a cabeça, pensou um pouco e mandou, com inconfundível sotaque lusitano: “Não tenho nada contra, meu rapaz. Mas que vai atrasar a cerimônia, isso vai!”.
Em outra ocasião o tema era o homossexualismo. Mais uma vez com o adendo “Contra ou a Favor?”. Ao sair da Redação, imaginei que teria dificuldade para conseguir depoimentos equilibrados. Era um assunto muito estigmatizado à época. Ainda é, mas há 40 anos era quase escandaloso.
Bem, paciência. Resolvi iniciar por bairros populares. Havia no Largo da Batalha a quadra de uma pequena escola de samba, de cujo nome não lembro mais. Escolas de samba costumam ser ambientes mais arejados em relação ao tema. Mesmo sabendo que o jornal jamais publicaria como conclusão da enquete algo como “população de Niterói defende o homossexualismo”.
Havia naquela tarde um ensaio, com ritmistas, passistas, o pessoal encarregado das fantasias. Devia ser um período pré-carnavalesco. A quadra estava cheia.
Lembro que em uma barraca ao lado da escola um grupo bebia cerveja. Era gente do samba, em uma pausa do ensaio. Expliquei quem era, o que fazia ali e perguntei a eles, uns cinco ou seis, se gostariam de opinar sobre o homossexualismo.
Um magriça, tamborim debaixo do braço, se habilitou. Desenvolto, falou que não tinha preconceitos, que havia na escola colegas homossexuais e que respeitava a opção sexual de cada um. Mas fez questão de deixar claro que com ele não havia “parada errada”.
“Mas não sou falso ao corpo. Sou espada”, declarou, dizendo-se, porém, a favor do homossexualismo.
É claro que esse depoente ficou de fora da enquete.