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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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Que pena, Niterói

Alunos de Niterói visitam a antiga Redação do jornal O Fluminense, na década de 1980

Depois de muitos e muitos anos voltei, há duas semanas, à rodoviária Roberto Silveira, no Centro de Niterói. Aproveitei a ocasião para passar em frente ao edifício 184 da Rua Visconde de Itaboraí. Trabalhei ali de 1983 a 1987. Era a sede do jornal “O Fluminense”. Era, não é mais.
Para a minha absoluta surpresa, o prédio está fechado com cadeados. Ninguém entra, ninguém sai. E pensar que há quase 40 anos passavam diariamente ali talvez centenas de funcionários e visitantes. Eram um oito ou nove andares, mais um terraço com visão panorâmica da Baía de Guanabara, da Ponta d’Areia e daquela região. Nele funcionavam a Redação, departamentos comercial e de pessoal, laboratório fotográfico, estúdios das rádios AM e FM, o setor de classificados, os gabinetes dos diretores.

O fracasso dos jornais impressos é conhecido em todo o mundo, especialmente a partir da internet. Mas é triste verificar que a sede do jornal que me deu o primeiro emprego na profissão não passa, hoje, de um elefante branco (ou cinzento, já que a sujeira se acumula nas paredes externas).

Perguntei ao redor para onde tinha ido o jornal. Ninguém sabia. Nem os empregados de botequins ali perto nem os taxistas da fila quase em frente, nem funcionários da rodoviária. Pelo que acompanho, “O Fluminense” continua circulando. Imagino que tenha uma sede nova.
Dias depois, consultei meu oráculo para assuntos de Niterói, o jornalista Gilberto Fontes, querido chefe de Reportagem no velho jornal.

“Pra onde se mudou, não sei. Lá dentro não tem mais nada… Nem os novos donos se interessaram pela história do jornal”, lamentou o calejado homem de imprensa.

Para onde foram os arquivos fotográficos, os negativos, as coleções do centenário jornal, o acervo discográfico das rádios? É um material preciosíssimo, não pode ser descartado como lixo ou abandonado ao mofo de prateleiras e armários infestados por traças e cupins.

Lembro bem de uma foto espetacular do grande Marcelo Regua. Ela ocupou a parte nobre da capa de “O Fluminense”, possivelmente em 1984. Um navio avantajado (petroleiro, talvez) foi atirado nas pedras da Avenida Litorânea em uma madrugada de temporal.
Toda a imprensa foi cobrir, mas só Regua, com seu talento muito acima da média, sacou que se subisse a Ilha da Boa Viagem teria um ângulo diferente do fato. Assim foi feito. A foto de “O Fluminense” era muito melhor que a dos concorrentes. Talvez nem Regua tenha guardado a imagem ou um exemplar daquela edição.

Na Redação de “O Fluminense” fiz amigos de vida inteira. Ali escrevi minhas primeiras matérias. Guardo muitas delas ainda. Uma pena o abandono do prédio.
Pelo que sei, a partir da morte do dono (como explicitava o seu crachá), o empresário e político Alberto Torres, os herdeiros desfizeram-se do jornal. Só que os novos proprietários não teriam honrado o contrato, iniciando-se uma disputa judicial. Dr. Alberto morreu em 1998, aos 86 anos.

Este ano a Prefeitura publicou contrato com dispensa de licitação firmado pela Secretaria de Administração com um dos herdeiros do dr. Alberto. Pelo documento, a Prefeitura assegura o direito de usar o prédio e o terreno de fundos (Rua Visconde Uruguai, 179), onde era a garagem do jornal, por 60 meses. Em troca, paga R$ 69,5 mil mensais. Um bom negócio, não tenho dúvida. Principalmente para quem recebe essa grana.

Percorri algumas bancas na tentativa de comprar o exemplar do dia de “O Fluminense”. Em vão. Na esquina das ruas Presidente Backer e Paulo Gustavo, uma das mais movimentadas de Icaraí, o jornaleiro me disse que não tem recebido o suposto diário. Na estação do catamarã de Charitas, na lojinha que vende jornais e revistas (e balas, refrigerantes, chocolates etc.), o experiente comerciante disse que o jornal circula poucas vezes por semana.
“Pra mim não chega nunca. Os jornais estão acabando”, lamentou.

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