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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
Publicado

Quando cheguei, eu nada entendi

Hidrovita, atração no centro de Niterói
Hidrovita era parada obrigatória no Centro de Niterói, em 1979

“É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi…”

Desci na rodoviária num fim de tarde de domingo. No último degrau do ônibus, troquei a passada para pisar no novo solo com o pé esquerdo primeiro – sou sinistrômano, maneira complexa de dizer canhoto.

Minha mala era de couro marrom e tinha pouca coisa: duas calças, quatro camisas, quinquilharias e uma carta de minha mãe.

“Seja feliz em sua nova vida…”

Duas horas e meia antes, quando embarcava em Nova Friburgo, minha terra natal, meu avô Urias – Lili para a família – me dera um abraço ao lado de seu Jeep 1966 descapotado.

“Você toma cuidado com aquele Rio de Janeiro…”, recomendava ao neto mais velho e o primeiro a sair dos limites serranos.

“Mas, vô, eu vou morar em Niterói…”, disse enquanto observava-o meter a mão no bolso – coisa rara para um Thurler – e me dar uma nota de 50 cruzeiros.

“Ah, é Niterói? Boa. É mais tranquilo, é bem melhor.”

Era 12 de agosto de 1979.

Andei até o Centro, mais precisamente à Rua José Clemente, ponto do ônibus 47. Parecia uma boate, com luz roxa e música alta.

“Me dá só a metade e pula a roleta”, propôs o trocador, numa espécie de suborno que atraía muitos adeptos. Não entendi bem. E recusei.

“Desça no último ponto da praia”, diziam as instruções em papel deixado comigo por um amigo que viera morar na cidade meses antes. Ele já estava escolado.

“Você vai ver o restaurante Bom Canto na esquina. Ali é a Rua Comendador Queiroz. O número é 67, Edifício San Ricardo, apartamento 713…”

Esse era meu novo lar, meu novo mundo. Eu tinha 19 anos. Niterói, 405.

As aulas do curso de jornalismo da UFF começavam no dia seguinte. A primeira era no prédio de Letras; a segunda, no de Matemática, ambos no Centro; mas a terceira era no Instituto de Artes e
Comunicação, em São Domingos. Entra aqui, vai por lá, dá a volta no quarteirão… Claro, me perdi.

Tudo era novo – e eu nada entendia, Caetano. Você em Sampa, eu em Niquiti.

– Pegue o ônibus 30 na Rua Cinco de Julho – recomendou um amigo. – Mas, atenção… Quando o ônibus chegar no ponto, fique de olho no motorista: se ele mostrar o dedo indicador para a esquerda, o
coletivo está indo para o Centro; mas se o dedo apontar para a direita, o ônibus está vindo do Centro. Não se confunda. Na hora agá, troquei tudo. Fui parar em Martins Torres…

Isso mesmo. O busão que vinha e o que ia paravam no mesmo ponto. Bem, mais uma vez, eu nada entendi.

No Centro, primeiro dia de aula, descobri o elixir dos deuses: em frente à estação das barcas, ficava a loja O Mundo Lotérico, que dividia espaço com a banca de Hidrolytol, uma espécie de pastilha que,
misturada à água, borbulhava e matava a sede com um frescor que me lembrava a serra. Hidrovita era o nome.

Tudo era novidade. Bem, de novo, “eu nada entendi…”

De volta a Icaraí, fui apresentado ao Panzerotto, um pastel gigante numa loja minúscula quase na esquina de Lemos Cunha com Domingues de Sá. Havia fila e senha. O petardo recheado de carne
moída saía fumegando do forno e uma dentada precipitada jogou fumaça direto na minha traqueia. Comi logo dois. Engasguei-me, tossi, solucei e estufei com o refrigerante bem gelado. Era a primeira vez que bebia Mineirinho. Também minha estreia como paciente na emergência do Antônio Pedro.

Parabéns Niterói, há quase 45 anos na minha vida. Você vale muito, como um zero à direita: 450 e contando!

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