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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
Publicado

Praça de guerra

trincheira

A manhã aproximava-se do fim quando um telefonema mobilizou todos os jornalistas que estavam na Redação de “O Fluminense”. A fonte informava, aos gritos: “Venham rápido porque um assalto a banco tá acontecendo agora no Centro de Niterói! O tiro tá comendo, já tem até presunto”.

Corriam os anos 80, lá pela metade. Era, então, chefe de reportagem do principal jornal da cidade. As informações não paravam de chegar por telefone. Não havia nem celular nem internet. Era o cidadão comum ou o policial amigo que nos avisava do que sucedia na Grande Niterói.

A impressão que nos dava era que o mundo estava no fim. Assalto com reféns; agência na Rua da Conceição cercada por dezenas de policiais, alguns até com metralhadoras; bandidos encurralados tentando fugir com vítimas à frente, como escudos; tiroteios intensos; granadas explodindo; as principais saídas do Centro cercadas por patrulhas do 12º Batalhão de Polícia Militar; Rio e São Gonçalo mandavam reforços.

“Tá lá o corpo estendido no chão!”, avisou um leitor diretamente de um orelhão. A distância, ouvíamos os disparos e as explosões.

Chamei na hora três dos principais repórteres da casa: Antonio Werneck, Gustavo Goulart e Evaldo Nascimento. Dividimos as tarefas. Um ficaria o mais próximo possível da agência bancária, o outro acompanharia na delegacia os depoimentos e o terceiro tentaria, no possante Fusca do jornal, seguir as viaturas da PM na caça aos criminosos.

O trio sabia do meu jeito de trabalhar. O texto tinha que ser direto, sem adjetivos e chavões. Logo no primeiro parágrafo o leitor tinha que ter as informações básicas. Não tolerava blábláblá. Só em artigos como este. Em notícias, jamais.

Assim que as equipes saíram, aproximou-se de mim o foca Octávio Guedes, filho de Lucy, amiga de minha mãe. Hoje consagrado comentarista da GloboNews, Octávio, com a verve que já o caracterizava, me propôs uma aposta.

“Chefia, vamos casar quanto?”, indagou.

Sem entender, respondi: “Casar o quê? Tá maluco, moleque?”.

“Aposto que o lide [termo jornalístico que indica o primeiro parágrafo da reportagem] dessa matéria vai ser: ‘O Centro de Niterói se transformou ontem em uma verdadeira praça de guerra’”.

“Já perdeu. Os três sabem que eu não admito clichês horrorosos como esse, estão muito bem orientados. Caso milzinho agora, já sinto a grana no meu bolso.”

Fechamos a aposta com um aperto de mão e voltamos ao trabalho. As notícias se sucediam. O sempre objetivo Werneck avisava que já havia três ou quatro mortos dentro e diante do banco, inclusive reféns. Parentes dos bancários feitos reféns rezavam de mãos dadas atrás do cordão policial, continuava o repórter. Pediam a Deus que os marginais fossem clementes com as vítimas.

Na delegacia, Evaldo apurava quem eram os bandidos, entrevistava testemunhas e ouvia os policiais discorrerem sobre a ousadia criminosa.

Nervoso até em cobertura de casamento, Gustavo participava da perseguição policial. Falava tão rápido que eu pouco conseguia captar dos telefonemas disparados de orelhões pelo caminho.

A perseguição terminou no Barreto, quando o carro de fuga da bandidagem foi cercado pela polícia que, sem dó, não deixou um vivo para contar a história.

A tensão de Gustavo, o popular Gugu, me fez logo lembrar das peladas de futebol de salão que disputámos semanalmente no Fluminensinho, perto do jornal. Para ele, cada jogo era de vida ou morte. Isso tinha suas vantagens e desvantagens.

Vantagem para o time dele, que contava com um atleta de técnica muito tosca, mas aguerrido. Desvantagem também para sua equipe, porque Gustavo, com descalibrada impetuosidade, deixava os colegas no flagelo em vários momentos.

Lembro-me bem de um jogo em que nos enfrentávamos. Gustavo sabia que seu chefe tinha técnica apuradíssima. Armava o jogo e ainda era artilheiro. Em um momento da peleja, dominei a bola no meio da quadra. Gustavo aproximou-se em desabalada carreira. Com um leve toque, passei a bola entre as suas pernas, peguei do outro lado, deixei Werneck caído ao chão após um drible de mestre e marquei mais um gol.

Até hoje quando nos encontramos Gustavo parece contrariado, mesmo passados mais de 35 anos da humilhante caneta. Ele não esqueceu.

Gugu e Werneck trocaram “O Fluminense” por “O Globo” tempos depois. Desenvolveram carreiras brilhantes, sendo laureados até mesmo com o Prêmio Esso, à época o mais importante do país em jornalismo. Hoje é o Prêmio AMAERJ Patrícia Acioli de Direitos Humanos. Infelizmente, perdi o contato com Evaldo, jornalista competente e colega muito legal.

Bem, voltando ao assalto. A edição de “O Fluminense” no dia seguinte dedicou duas ou três páginas ao ataque bancário que parou Niterói. Um trabalho de fôlego que marcou todos nós.

O chato é que Octávio Guedes ganhou a aposta.

(Relatarei na próxima coluna o horror dos repórteres às cerimônias de inauguração de placas de rua.)

 

 

 

 

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